sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Imprensa é oposição (em homenagem a Millôr)

Dona Dilma e o PT resolveram provar que possuem algum senso de humor: criaram o dia do humorista (por sugestão, não podia ser outra, de deputado petista do Ceará). A partir de agora, todo 12 de abril será comemorado efusivamente. Todo mundo terá que dar gargalhadas, ao estilo do que se faz na Coréia do Norte. Ai de quem ficar triste... A decisão mostra o tamanho do latifúndio da estupidez reinante. Ponto a favor de Patrus Ananias que vem defendendo a tese da continuidade do latifúndio no Brasil. Patrus tem razão. Ele mesmo é um dos maiores latifundiários da pátria.

Essa gente esquisita não sabe que humor é sempre do contra, não tem como ser enquadrado numa moldura oficial. Só na antiga União Soviética havia humor a favor, A revista Crocodilus era o veículo que, junto com "A Verdade", informavam e divertiam o grande público, com bons modos e respeito, evidentemente. "A Verdade" é a tradução da palavra russa Pravda. A bem da real verdade, nem precisaria haver a tal revista. O jornal porta voz de Stalin já cumpria sua missão duplamente, a começar do título.

Em sua obra "Os órfãos de Jânio", Millôr Fernandes cunhou uma de suas frases definitivas: "Imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados". A formidável ironia do grande pensador brasileiro carece de ser sempre, lembrada. Os tempos de hoje estão carregados de obscurantismo. Só a ironia, a formidável arma de toda a história humana, permite apontar o bunda exposta do rei.

A ironia, afinal, “foi, em todos os tempos, o caráter do gênio filosófico e liberal, o selo do espírito humano, o instrumento irresistível do progresso. Os povos estagnados são todos sérios: o homem do povo que ri está mil vezes mais perto da razão e da liberdade que o anacoreta que reza ou o filósofo que argumenta. Ironia, verdadeira liberdade, és tu que me livras da ambição de poder, da servidão dos partidos, do respeito pela rotina, do pedantismo da ciência, da admiração pelos grandes personagens, das mistificações da política, do fanatismo dos reformadores, da superstição desse grande universo e da adoração de mim mesmo”. 

Nestas “Confissões de um Revolucionário”, Proudhon nos ensina um dos caminhos possíveis para a libertação espiritual. A história humana está recheada dos mais acabados exemplos do uso da ironia: Diógenes, Rabelais, Padre Vieira, Marx e Darcy Ribeiro, para ficar tão somente em alguns ícones do pensamento mundial. Isto para não se referir a Borges e ao maior de todos eles, Jonathan Swift. Em sua Proposta Modesta ele garante que “uma criancinha sadia e bem amamentada é, com um ano de idade, um alimento dos mais deliciosos, nutritivos e saudáveis, quer ensopada, assada ou cozida e, não tenho dúvidas, que ela poderá também ser preparada como fricassé ou ragout”.  Os latifundiários da estupidez não precisam se preocupar. Swift não era canibal, apesar da tentadora sugestão.

Blogueiro saudita açoitado

Jornalistas e opositores devem se cuidar. 

Vai que o governo brasileiro resolve importar a tecnologia saudita?
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DUBAI - Um blogueiro saudita foi sentenciado a 10 anos de prisão 

e mil chibatadas por insultar ao Islã. Raif Badawi será açoitado 

publicamente na sexta-feira na cidade de Jidá, 

na costa do Mar Vermelho, informou uma fonte 

da Associated Press (AP). “Ele está sendo usado como exemplo 

para outros”, disse a fonte. A pessoa, que conversou com a AP 

por telefone nesta quinta-feira sob a condição de 

anonimato, disse que Badawi já informou a sua família sobre 

o açoite. O blogueiro tem três  filhos, de acordo com a fonte.

Segundo a Anistia Internacional, Badawi receberá 50 chibatadas 

por semana, durante 20  semanas. O blogueiro foi sentenciado 

em maio a 10 anos de prisão e mil chibatadas por 

insultar o Islã em um fórum online criado por ele.



(Publicado no jornal O Globo de 08/01/2015)

A mentira como política de estado: lá e cá! (ex-blog do Cesar Maia)


"(Editorial - La Nación, 03) 

1.  A Argentina completará em 2015 três mandatos constitucionais consecutivos dominados pela falsificação, pela fraude e pelo abuso de poder. O dia em que a história decidir descrever o governo, haverá um par de características que as evidências não deixarão margem para diferentes interpretações: a corrupção e a mentira.

2.  Em relação à primeira, será a Justiça que vai finalmente trazer à tona os fatos que permitiram que um governante tivesse um descarado enriquecimento a partir do poder. Vale a pena parar na mentira, que devido a seus extremos de torpeza e falta de cuidado já é evidente aos olhos dos nossos cidadãos e do mundo. Em qualquer caso, a mentira oficial não é algo que requer mais provas do que as que já existem, só que há muitas pessoas que as ignoram, seja por apoio ideológico, interesse ou cooptação populista. Três mandatos constitucionais serão cumpridos sob o império da mentira, o que praticamente permitirá que seja qualificada como uma política de Estado.

3.  Talvez não haja palavras mais apropriadas para caracterizar esta situação, do que as ditas por Václav Havel quando se referia ao regime de seu país: "Levando em consideração que o regime é cativo de suas próprias mentiras, deve forjar absolutamente tudo. Falsifica o passado, falsifica o presente e futuro. Falsifica estatísticas. Finge respeitar os direitos humanos e finge não processar ninguém. Finge não temer nada. Finge não fingir nada”.  A mentira não pode ser apresentada com uma linguagem rocambolesca e incompreensível. Dessa forma cai no ridículo. Deve ser feita de forma agressiva e antecipando o desprezo por aqueles que a contradigam. O governo mentiu e continua mentindo a respeito da inflação, do crescimento e da pobreza. Os resultados fiscais são deformados. O governo mentiu sobre a situação energética escondendo relatórios internos que mostravam a situação de emergência elétrica.

4.  O problema de mentir sistematicamente é que, eventualmente, deixam de acreditar. Quando é feito por um governo intervencionista nada é previsível nem crível para aqueles que precisam de regras claras. Tal é o caso de investidores e qualquer pessoa com uma iniciativa criativa. A mentira oficial não é apenas imoral, mas também é um fator de retrocesso."

Irmãos siameses

Os terroristas que têm agido em diferentes partes do mundo ocidental (especialmente na Europa e na América do Norte), vão dando, a cada momento, provas do que são capazes de lançar mão para saírem vitoriosos. São capazes de tudo, assim como outra antiga e conhecida terrorista, aquela que afirmou recentemente, em alto e bom som, que seria capaz de fazer qualquer negócio para vencer determinada disputa. Esse tipo de gente não possui, de fato, quaisquer limites civilizatórios. Nenhuma interdição os constrange. Faltou-lhes o pai, o castrador que reprime, educa e amansa. São bastardos incuráveis. 

O que se vê agora nos incidentes franceses, assim como ocorre no Brasil, é a operação de um mesmo mecanismo, próprio de mentalidades totalitárias. Partindo de uma presumida representação de interesses - eles, os terroristas, que se imaginam representando o povo, os eleitos, os escolhidos ou que outro nome tenha - partem para as ações mais extravagantes e mais delirantes, sem jamais perguntarem aos representados se estes os identificam e os reconhecem como representantes. Se são rechaçados em suas pretensões, como foi o caso da experiência brasileira ao tempo do regime militar, os terroristas ainda se colocam como vítimas inocentes da repressão sofrida. A pretensão salvacionista só não é maior que a cara de pau da turma. 

Imagine-se certa distopia em momento não muito distante. Os terroristas do Estado Islâmico que barbarizam Paris, após terem assaltado, roubado, sequestrado, assassinado e aterrorizado um sem número de cidadãos ordeiros, passam a exigir do governo uma indenização pelas punições que receberam em função de seus atos reprováveis. Piada macabra se contada na França. No Brasil, entretanto, isso é fato da realidade. Aqui, os terroristas nativos ainda querem ser tratados como heróis e guerreiros do povo brasileiro. Lá, o califa que comanda o Estado Islâmico aplaudiu também, ainda ontem, os facinorosos que mataram os jornalistas do Charlie Hebdo. Não se sabe, ainda, qual lista de jornalistas condenados é maior: a do EI ou a do PT, esses irmãos siameses.   

Terrorismo e totalitarismo: a necessidade de Hannah Arendt

Os últimos acontecimentos em Paris trazem de novo à luz o debate sobre o totalitarismo e suas diferentes manifestações, como é o caso dos atos terroristas contra a liberdade de pensamento. O Brasil não está fora do escopo de tal análise. As forças políticas hegemônicas no país, capitaneadas pelo PT e PC do B e secundadas por miríade de outras organizações de igual ideário identificadas, tão somente, por uma verdadeira sopa de letrinhas (PSOL, PCO, PSTU etc.), buscam implantar obstinada e disciplinadamente um mundo material, político e espiritual que pouco diferiria do existente nos grotões da América, da Ásia e da África.

Talvez estejamos num daqueles momentos cruciais da história onde uma mudança de rumos é claramente observada. Pior que os atos concretos que resultaram no ataque ao jornal parisiense, é possível observar lideranças e intelectuais, de quem se esperaria o mínimo de lucidez, compactuando com o terrorismo e a barbárie, na luta civilizatória entre lápis e canetas contra granadas e fuzis automáticos.

É necessário voltar a ler Hannah Arendt. A serpente já chocou inumeráveis ovos. Faz lembrar o filme Aliens.

Burka






A burka é uma das indumentárias típicas de mulheres muçulmanas. Seria perfeita, principalmente para as petistas de Brasília. Afinal, seu uso democratiza (de maneira um tanto bárbara), as possibilidades amorosas de todas. No mercado erótico as mais belas levam inegáveis vantagens com os homens. No entanto, com a espantosa disseminação da feiura pelo planalto afora, as bruacosas madames acabariam com as mesmas chances das bonitonas, isto é, caso todas as mulheres andassem cobertas pela burka. O que está escondido ali debaixo? Pernas tortas ou bem torneadas? Um torso amável como o da Sulamita? Terá um buço de volumosa dimensão, qual o habitual das damas portuguesas? Surpresa atrás de surpresa é o que seria. A imagem acima dá uma ideia dos desafios e das dificuldades para os eventuais felizardos.

Para os homens sobraria alguma emoção somente quando descortinassem aquilo que se apresentasse escondido desembrulhando o pacote. Pode ser que alguma restrição venha a ser feita (que Alá nos inspire), protegendo os direitos dos consumidores, ou algo parecido. Erros essenciais, por exemplo, admitiriam algum tipo de correção. Este ponto é importante. Por não se resguardar de forma adequada, Jacob acabou se casando primeiro com Lia - a dos olhos remelosos - logo ele, que se submetera tão fielmente  às sorrateiras exigências de Labão para obter Raquel, a serrana bela do inesquecível verso camoniano. 

Se as regras, porém, proibissem o veto à noiva (com a devolução do bagulho), os homens estariam lascados. 
Na loteria do amor tanto se poderia ser brindado por uma deliciosa Giselle Bundchen como, ao contrário, ver saltar de dentro de panos impregnados de morrinha, uma Ideli, uma Dilma ou outras similares. Tal radicalização democrática - o uso obrigatório da burka pelas mulheres - passível de ser invocada em nome dos valores da igualdade, deixaria a maior parte dos homens muito mal humorada, produzindo um clima favorável à proliferação de terroristas. Também, pudera, quem não o seria ou ficaria tentado a sê-lo?

Uma boa causa, assim, como pretendem os críticos da liberdade de escolha, em vez de gerar os efeitos desejados, acabaria em mais conflito e mais desconforto para todos.    

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Desenhe um Maomé e morra (Publicado pelo "oantagonista", em 07/07/2015)

 "O editor-chefe do Charlie Hebdo, Stéphane Charbonnier, foi assassinado pelos  terroristas. Ele constava de uma lista de dez pessoas juradas de morte pela Al-Qaeda. Em 2012, publicou na revista os seguintes versos:

           Retrate um Maomé glorioso, e morra
           Desenhe um Maomé engraçado, e morra
           Rabisque um Maomé repugnante, e morra
           Faça um filme de merda sobre Maomé, e morra
           ...

          Não se deve negociar com os fascistas
          A liberdade de rir sem limites é garantida por lei
          e é renovada pela violência sistemática dos extremistas
          Obrigado, bando de imbecis".


          OBS: O PT também produziu sua lista de jornalistas.

A barbárie avança

A estupidez totalitária se fez presente, mais uma vez, no ataque à revista Charlie Hebdo, em Paris, na manhã deste 7 de janeiro de 2015. Doze mortos e mais uma dezena de feridos - isso até agora - além da profunda ferida civilizatória, lesão que atingiu toda a humanidade. O pretexto para a agressão é de uma torpeza ímpar. A revista vítima dos terroristas faz críticas políticas e culturais, dentro da mais lídima tradição ocidental. O humor e a ironia são suas ferramentas. Fanáticos, no entanto, não aceitaram críticas humorísticas ao Islã e a Maomé. Os bárbaros islâmicos não possuem, assim como outros em diferentes lugares, nenhum senso de humor. Qualquer questionamento a suas crenças e a suas devoções corre o risco de ser retaliado com ferocidade. Exemplo famoso está na fatwa (uma espécie de sentença genérica), perpetrada por um aiatolá ensandecido há alguns anos, condenando à morte o famoso romancista indo-britânico Salman Rushdie pela sua obra Versos Satânicos.

A primeira conclusão que se pode tirar do brutal incidente é simples: esse tipo de gente, capaz de matar por divergência ideológica, não está preparada para a democracia constitucional, da maneira como o mundo civilizado a entende. Tal conclusão leva necessariamente à formulação: pode-se ser tolerante com os intolerantes?

A tragédia ocorrida não interessa somente aos franceses. Ainda recentemente bárbaros vinculados ao governismo brasileiro atacaram a redação de VEJA por discordarem de matéria publicada pela revista. O PT, o PC do B e outros partidecos satélites têm defendido posições políticas pouco diferentes daquela abraçada pelos terroristas que aterrorizaram a França. Não se deve esquecer que dona Dilma defendeu o diálogo amistoso com essa gente. 

A censura à imprensa defendida por Berzoini (atual ministro das comunicações e aloprado de carteirinha), tem como referência última a conduta dos terroristas contra a liberdade de imprensa. Seria interessante ouvir uma declaração do atual ministro das Comunicações a respeito dos fatos ocorridos. Talvez seja uma ilusão esperar seu posicionamento. Berzoini jamais fará qualquer condenação contra seus semelhantes. 

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Bárbaros ocupam o ministério da ciência, tecnologia e inovação

Dona Dilma e o PT deram uma pernada no PC do B. Encastelados no ministério dos esportes e, por extensão, em inúmeras secretarias estaduais e municipais espalhadas por todo o país, os comunistas do Brasil se devotavam arduamente ao seu projeto de construção do homem novo, herança salvacionista de evidente matriz marxista/estalinista. 

Aí, sem mais nem menos, tiram do cargo o ex-deputado federal Aldo Rebelo e nomeiam em seu lugar outro deputado federal, o notório bispo George Hilton, membro eminente da Igreja Universal do Reino de Deus . Talvez tenha sido, até, uma alteração sensata. Os evangélicos, ao menos, são alfabetizados e trabalham muito em defesa dos jovens em projetos contra o uso das drogas. Sendo o estalinismo uma das drogas mais potentes e mortíferas que se conhece, afastar do ministério dos esportes a turma do Aldo Rebelo foi um avanço civilizatório e coerente com a necessidade de se combater coisas perniciosas que afetam a juventude. 

Dona Dilma, no entanto, não perderia a chance de sacanear o Brasil. Deslocou o esquisito ex-ministro Rebelo, da pasta do Esporte, para a de Ciência, Tecnologia e Inovação. Não poderia ter feito melhor (ou pior?) escolha. Quando ainda deputado federal, lá nos idos de 1994, Aldo Rebelo apresentou à Câmara um projeto que impediria a Administração Pública de adotar qualquer tecnologia que implicasse na redução do trabalho, de maneira a impedir (segundo achava ele), o desemprego decorrente das inovações. 

Talvez ele tenha se inspirado numa das maiores tolices contidas na Constituição Federal, conforme estipula o artigo 7°, inciso XXVII: é direito dos trabalhadores a "proteção em face da automação, na forma da lei". O espírito luddista que viceja entre os comunistas do Brasil precisa ser analisado por algum arqueólogo. 



Entregar a gente que assim pensa a condução das políticas brasileiras de Ciência, Tecnologia e Inovação é de uma perfídia sem par. Ninguém se espante se ele for buscar inspiração, para seus projetos inovadores, na Coréia do Norte, em Cuba ou na Albânia passando, é claro, por países do arco da barbárie da Ásia, África e América Latina.        

A esquerda palaciana (Demétrio Magnoli)

(Publicado em O GLOBO, de 04/01/2015)

“Vamos fazer a disputa dentro do governo.” O objetivo, definido por Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares (CMP), é uma sentença opaca para os “de fora”, mas uma senha cristalina para os “de dentro”. A “frente de esquerda” articulada duas semanas atrás numa reunião no Largo São Francisco, em São Paulo, é o veículo para a soldagem de partidos, centrais sindicais e movimentos sociais ao governo de Dilma Rousseff. É, ainda, de um modo menos direto, uma ferramenta da candidatura presidencial de Lula da Silva em 2018.
O conclave contou com representantes do PT e do PCdoB, partidos governistas, mas também do PSOL e do PSTU. No Largo São Francisco, os dois partidos aceitaram a condição de sublegendas informais do PT. Lá estava a CUT, que obedece ao comando lulista, mas também a Intersindical, um pequeno aparelho do PSTU. A presença do MST, da Via Campesina e da Consulta Popular, três nomes para a mesma substância, inscreve-se no campo do óbvio. Mais relevante foi a participação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e do Levante Popular da Juventude, que emergiram com ambições de autonomia em relação ao lulopetismo.
A Arca de Noé da esquerda adotou uma agenda de manifestações cortada na alfaiataria do PT, cujos destaques são a reivindicação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política e a “defesa da Petrobras”, uma bandeira que deve ser traduzida como a proteção das altas autoridades do governo diante das investigações da Lava-Jato. Curiosamente, enquanto acusam Dilma de rendição às propostas de política econômica de Aécio Neves, as correntes reunidas no Largo São Francisco desenharam o esboço de um Partido de Esquerda do Planalto.
Duas mãos moveram o berço. A mão visível, de Guilherme Boulos, do MTST, funcionou como álibi para a adesão das correntes que pescam em águas situadas à esquerda do PT. A mão invisível, de Lula, apontou o rumo político da articulação, ancorando-a num porto encravado em sua esfera de influência. O espantalho convocado como pretexto para a adesão geral são as manifestações pela “volta dos militares”, que atiçam apenas o interesse de um setor ridiculamente marginal da sociedade. O jogo da verossimilhança solicitou a marcação de atos públicos pela cassação de Jair Bolsonaro, um oportuno inimigo do peito, e de repúdio ao golpe militar de 1964, que completa redondos 51 anos.
O Brasil não é para principiantes. Em tese, o “giro ortodoxo” do governo Dilma, personificado em Joaquim Levy, provocaria a configuração de uma oposição pela esquerda. Contudo, desde a ascensão do lulopetismo ao poder, a esquerda tornou-se caudatária do Palácio. A santa indignação dos “amigos do povo” contra a nomeação de Levy não se desenvolve na forma de uma ruptura política com o governo, mas em pedidos explícitos de compensações. Como esclareceu Lindbergh Farias, um petista que nunca viu motivos para camuflar o oportunismo, “fazer a disputa dentro do governo” significa emplacar “companheiros” em postos relevantes no aparelho de Estado — ou, no caso dos movimentos sociais, obter financiamentos da administração pública.
Kátia Abreu, Gilberto Kassab e Guilherme Afif são novas demonstrações da tese tantas vezes comprovada de que as convicções doutrinárias de nossos liberais conservadores não resistem à oferta de um feudo no condomínio do poder. Na era do lulopetismo, a constatação deve ser estendida a quase toda a esquerda. O segundo mandato de Dilma, iniciado sob os signos do fracasso e da crise, descortina a farsa em toda a sua amplitude: as lideranças reunidas no Largo São Francisco cumprirão dupla jornada, revezando-se entre manifestações encomendadas e conchavos de gabinete com emissários de Lula.
A “frente de esquerda” certamente atende aos interesses de seus participantes, mas, sobretudo, aos de Lula. O ex-presidente, cuja candidatura a um terceiro mandato surgiu ainda durante a campanha reeleitoral de Dilma, planeja jogar em dois times. Em princípio, alinha-se com o governo do qual é fiador. Nas semanas difíceis do segundo turno, diante do risco real de derrota, desdobrou-se em conversas com o alto empresariado para oferecer garantias de um retorno à racionalidade econômica. Por outro lado, desde a proclamação do resultado, manobra para desvincular a sua imagem dos efeitos da reorientação da política econômica. Na hipótese provável de erosão acelerada da popularidade do governo, Lula calibrará seu discurso no registro da “crítica pela esquerda”.
Aécio Neves declarou, há pouco, que Levy enfrentará mais dificuldades com o PT que com a oposição. O PSDB, sugere a declaração, estaria pronto a respaldar as “medidas impopulares” que derivam, em linha direta, de tantos anos de uma irracionalidade econômica fundada no cálculo político. Do ponto de vista de Lula, esse é o cenário ideal para a construção de uma candidatura aureolada pela promessa de retorno aos “bons tempos” de crescimento da renda e do consumo. O ministro da Fazenda faria o “trabalho sujo” do ajuste fiscal, com o apoio tácito da oposição e sob o bombardeio retórico da “frente de esquerda”. Na sequência, durante a etapa derradeira do governo agonizante de Dilma, Lula ergueria a bandeira dos interesses do “povo”, culpando a “elite” pelos sofrimentos impostos por um “banqueiro”. O longo ato de prestidigitação precisa apenas da colaboração de uma oposição incapaz de fazer política.
Os “amigos do povo” coligados na “frente de esquerda” conhecem perfeitamente a regra do jogo. Todos eles, da esquerda do PT ao PSOL, passando pela CUT e pelo MTST, sabem que operam como marionetes no teatro lulista — e que seus gritos indignados contra um golpe militar tão antigo ou um Bolsonaro tão insignificante são gestos automáticos num espetáculo farsesco. Mas isso já não importa: eles se acostumaram com a subserviência, o preço justo que pagam pela sobrevivência."
Demétrio Magnoli é sociólogo

domingo, 4 de janeiro de 2015

A posse de dona Dilma

A posse de dona Dilma mostrou aspectos singulares. O primeiro deles foi a ausência de povo na solenidade. Visíveis, apenas os gatos pingados dispersos na imensidão do planalto. Nem mobilizando sua vasta e dócil clientela (tangida a tubaína e a pão com salame, além de uns trocados para ajuda de custo), o governismo conseguiu ocupar a Esplanada dos Ministérios. A comemoração mostrada pelas TV's parecia, antes, o fim de um périplo, que a marca do início de novo mandato. As festas universais comemoram o nascimento, o casamento e a morte. A do último dia primeiro de janeiro de 2015 tinha inegável cheiro de velório.

No multitudinário ministério dilmista - mais de três dúzias - duas ausências de faziam notar: negros e mulheres. Entre os primeiros, apenas dois - vá lá que sejam três - poderiam ser assim classificados: a ministra das questões raciais, o ministro do Esporte e a ministra dos direitos humanos (aceitando-se os pardos e mulatos como parte da comunidade negra). 

Nem dá para se discutir o padrão de competência dos escolhidos, posto que o centralismo patológico de dona Dilma afasta antecipadamente qualquer um que tenha luz própria. Um grupo bisonho como o dos auxiliares da madame dificilmente se verá outro igual. Chama a atenção a presença da Democracia Socialista no coração do governo. A DS é a tendência petista pelas mãos da qual dona Dilma entrou no PT, logo após sair do PDT para manter a boquinha no secretariado gaúcho, nos já distantes tempos do governo Olívio Dutra. Brizola, aliás, se equivocou mais uma vez por considerar a trairagem de Dilma equivalente ao ganho de um simples prato de lentilhas. A troca de partido gerou, de fato, resultados muito mais substanciais.  

Mulheres, apenas meia dúzia, a maioria em cargos mais decorativos e simbólicos, servindo tão somente para dar uma pitada de feminismo naquele antro de machos truculentos e bigodudos. 

A velha fábula a respeito da roupa do rei foi invocada, involuntariamente, por uma criança que acompanhava, atenta, os festejos oficiais. No momento em que dona Dilma era homenageada, com os salamaleques de praxe, pelos dirigentes estrangeiros (a maioria cucarachas latinos e africanos), somente os brancos recebiam uma ou duas bicotas da madame. As africanas e os africanos eram mantidos à distância, parecendo não merecer assim o dar e o receber o ósculo presidencial. Com relação aos poucos xeques anônimos - com seus esfuziantes mantos salpicados de dourado - representantes das realezas misóginas do oriente, ainda dá para entender; esse negócio de beijo só vale se for entre machos, na mais pura tradição muçulmana. Quem tiver dúvidas a respeito dos fatos acima relatados, basta recorrer às imagens disponíveis da cerimônia oficial.  



A lei? Ora, a lei... (Miguel Reale Júnior)


(Publicado no Estadão de 03/01/2015

"Dilma Rousseff inicia o segundo governo com um leque imenso de dificuldades. A primeira, perene, é o seu próprio temperamento, irascível e imperioso, a dificultar o diálogo e a harmonia. A segunda está em seu entourage, composto por pessoas sem peso e sem autoridade perante a classe política e perante a própria presidente, que, aliás, segundo consta, prefere súcubos submissos. A terceira decorre do marco zero de nossa economia, com crescimento nulo, inflação no teto da margem, déficit fiscal e desemprego começando a ameaçar.

Como se não bastassem tais entraves, pouco animadores para começo de mandato, há no horizonte a crise moral e política, pois nunca antes neste país houve, como no petrolão, corrupção de tamanha grandeza a comprometer fortemente a maior empresa estatal e a confiança nos administradores e no próprio governo. Esta rede de corrupção engloba diversas vertentes, não só empreiteiras, diretores e gerentes da Petrobrás, mas os últimos destinatários do alcance, ou seja, senadores, deputados, ministros recebedores do dinheiro desviado.

A base governista será logo aquinhoada com uma investigação que retirará de suas lideranças condições de comando.

A única notícia boa, contudo, para Dilma é que todas as ilegalidades praticadas na Petrobrás ocorreram no Brasil, cuja sociedade não nasceu dotada do sentimento de indignação diante do desmando e do abuso de poder, reconhecendo a plena normalidade no jeitinho para driblar os limites da lei.

Com efeito, Lula em plena crise do mensalão foi reeleito, Dilma em meio ao petrolão foi reeleita. Na primeira pesquisa após as eleições, quando vieram à tona mais revelações sobre os alcances na Petrobrás, a maneira como a presidente governa o País foi aprovada por 52% e desaprovada por 41%. Já a parcela da população que afirma confiar na presidente foi de 51%, ante 44% que não confiam, segundo o Ibope de 17 último.

Como se justifica tal complacência de nossa gente com os desvios graves de conduta dos seus governantes?

A explicar tal comportamento há preocupante pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, publicada no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014, sobre a visão dos brasileiros acerca da lei e das instituições judiciais. A pesquisa ouviu mais de 7 mil pessoas em oito Estados e as respostas indicaram que 81% delas concordam ser fácil desobedecer à lei, preferindo-se o jeitinho em vez da obediência ao Direito, mesmo porque há poucas razões para o respeitar.

Prevalece o senso comum de ficarem as leis apenas no papel, em vias do que se reconhece como generalizada a percepção de ser fácil driblá-las, tendo-se por consequência o sentimento de que o engano à lei não é moral nem socialmente reprovável.

Outro dado relevante consiste na posição de nossas elites, pois quanto maior a renda e o nível cultural, maior a convicção da vantagem de ignorar a ordem legal, a ser facilmente burlada; 85% das pessoas com renda acima de oito salários mínimos concordam ser fácil burlar a lei, posição compartilhada por apenas 71% dos assalariados com renda não superior a um salário mínimo. As elites dão o mau exemplo. O dono de grande rede comercial de objetos para casa assegura ser melhor vender para pobre do que para rico, este sendo muitas vezes despreocupadamente inadimplente. A classe secularmente explorada rege-se mais pela correção.

Instaura-se, portanto, na sociedade, a ideia de ser desimportante o respeito à lei, sendo, assim, logicamente não reprovável o seu desrespeito. Ao desonesto, quando muito, a indiferença. Muitos candidatos sabidamente corruptos, mas ainda ficha-limpa por estarem os processos em curso, mereceram o voto popular.

Instala-se a cultura da esperteza como um valor positivo, parecendo que no fundo das consciências há grande e silenciosa conspiração em favor da conhecida frase de Stanislaw Ponte Preta: "Ou restaure-se a moralidade, ou nos locupletemos todos".

Como a grande maioria entende ser normal locupletar-se, não vendo vantagem em ser honesto, pois não rende respeito, nem há, de outro lado, punição por ser desonesto, vale a pena, então, apostar na impunidade e tirar proveito. Assim, parte-se do princípio de que, se muita gente tem lá culpa no cartório, uma mão lavará a outra, sendo mais cômodo deixar a restauração da moralidade para a outra encarnação.

A imposição de uma pena ao crime não deixa de ter um papel pedagógico, à espera de que venha a reforçar na consciência da comunidade a positividade do valor afrontado com o delito. No caso da corrupção ou da fraude à licitação, os valores da probidade administrativa e do zelo com o dinheiro público deveriam ser reafirmados com a instauração de processos e mais ainda com condenações. Esse efeito colateral do processo criminal e da imposição de sanções, todavia, não tem tido, isoladamente, no Brasil a consequência de gerar comportamentos corretos e leais na administração pública, havendo "mensalinhos" espalhados em prefeituras deste nosso país. Descoberto o mensalão, partiu-se para o petrolão.

Vive-se a contradição da aprovação de Dilma num cenário absolutamente adverso, com a responsabilização pelos "malfeitos" batendo à porta do Planalto. Mas será que agora, com o seguimento das investigações, pelos volumes desviados e com a indicação do nome dos políticos envolvidos surgindo em fevereiro, haverá mudança na mentalidade do brasileiro no tocante à importância de respeitar a lei? Ou será que continuará em 2015 a vicejar a expectativa de poder se locupletar antes que se instaure a moralidade?

O Brasil virá às ruas em favor da honestidade para demonstrar que a malandragem esperta merece, além de sanções penais, a reprovação da sociedade?
Muitos caminhos deverão ser percorridos para se disseminar a cultura do respeito à lei, em lenta evolução moral. Em todo caso, feliz 2015."

MIGUEL REALE JÚNIOR É ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA FACULDADE
DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS. FOI MINISTRO DA JUSTIÇA.