O Espírito Santo já teve mais presença na mídia nacional. No
passado havia correspondentes como Rogério Medeiros, do Jornal do Brasil, que
fez inúmeras reportagens sobre a histórica devastação da Mata Atlântica no
Espírito Santo. E revelou grandes personagens, como Augusto Ruschi, o homem que
amava o beija-flor, e o lendário desmatador Rainor Greco, que depois de
devastar a Mata Atlântica levou seu know-how para a Amazônia.
No fim de
semana as notícias sobre a greve da Polícia Militar (PM) me inquietaram. Na
segunda-feira, no rádio, avaliei que esse poderia ser o tema mais importante da
semana. Anexei uma preocupação: o fechamento das escolas e dos postos de
vacinação. Acabara de voltar do Espírito Santo, onde a morte dos macacos se ampliava
e os primeiros casos de febre amarela já se registravam na zona rural de
Colatina. O Espírito Santo, dos Estados limítrofes de Minas Gerais, é o mais
vulnerável à febre amarela, por ter menos gente vacinada.
Mas a
onda de violência tornou-se algo mais assustador do que a febre amarela.
Assassinatos, saques, assaltos, tiroteio, tudo isso nos relembra de como é
tênue o limite para a barbárie, como é delicado o equilíbrio em que nos movemos
no Brasil, inclusive com nosso mundo político vivendo em outro planeta.
Sempre
defendi a ideia de que se investisse em segurança, reconhecendo como é caro
esse esforço, mesmo com algumas reduções de custos que o uso da tecnologia
possa trazer. A ideia é ter uma polícia bem treinada, bem paga e respeitada
pela sociedade. Até mesmo reverenciada quando um policial morre em confronto
com criminosos, algo que os movimentos de direitos humanos ainda não
interiorizaram.
A greve
da Polícia Militar (PM) capixaba não foi a primeira. Uso a palavra greve porque
a encenação das famílias na porta dos quartéis era apenas para construir uma
realidade alternativa, como está em moda atualmente. Houve greves em Pernambuco
e na Bahia e a cada vez que elas ocorrem enfraquecem os argumentos dos que
gostariam de vê-los em melhor situação.
Todo
policial militar, mesmo que não conheça a Constituição no seu todo, é ensinado,
ao ser admitido, sobre o que ela proíbe que ele faça. O caos que o movimento
dos policiais provocou no Espírito Santo é tão grave que, em circunstâncias
menos dramáticas que aquelas em que vivemos, valeria considerá-los desertores e
construir uma nova Polícia Militar.
Um dos
efeitos negativos é a propagação. Em Minas Gerais, já se anunciou na noite de
terça-feira o boato de uma greve de PMs e bombeiros. Se vingar, já é uma novidade
não só inquietante, mas desapontadora: os bombeiros são muito bem vistos pelo
povo.
No Rio de
Janeiro, os PMs estão em luta contra o governo Pezão, que é um remanescente do
grupo que assaltou e quebrou o Estado. Nesse sentido, têm todo o respeito. Mas
uma coisa é lutar contra o governo e outra, contra a sociedade, desrespeitando
a Constituição e expondo as cidades à barbárie.
No
Espírito Santo, um plano de austeridade econômica equilibrou as contas, mas não
teve a sensibilidade política que um planejamento desse tipo precisa ter. Os
PMs estão há quase quatro anos sem reajuste salarial. E ali sua tarefa não é
fácil. A quantidade de bandidos que tomou as ruas é uma evidência da aspereza
da missão.
No Rio de
Janeiro o problema também é muito sério. O famoso resgate econômico do governo
federal está fazendo água, com negativas da Caixa Econômica, do Banco do Brasil
e da Advocacia-Geral da União. Falta também aprová-lo na Assembleia
Legislativa.
Há uma
possibilidade de o governo não resistir à crise. Mas aí coloco a segunda
questão: uma simples troca de governo aquietaria os protestos?
Num
cenário tão confuso, em todas as áreas, em que as PMs estão prestes a cruzar os
braços, uma saída para a sociedade é a autodefesa. Não me refiro a armas, mas a
smartphones. Já começam a surgir aplicativos mapeando tiroteios, indicando
zonas perigosas. O próprio Exército, que tem sido uma espécie de último
recurso, talvez possa avançar nesse caminho. Uma coisa é patrulhar uma cidade,
outra é patrulhar conectado por milhares de cidadãos também preocupados com a
segurança. Os movimentos tornam-se mais econômicos e precisos.
Da mesma
forma, como no combate ao terrorismo na Europa, as autoridades podem informar
as pessoas por seus celulares, estabelecer um novo patamar de segurança por
meio da comunicação.
Se os
acontecimentos do Espírito Santo ganharem maior dimensão, o caminho da
autodefesa é inevitável. Com a superação mais aguda da crise, a experiência de
se autodefender por meio da comunicação será muito importante. Ela contribui
para economizar custos num momento em que é preciso, mais do que nunca,
investir na segurança, mas, lamentavelmente, estamos falidos.
Na
verdade, eu nem iria escrever sobre isso. O tema original eram as primeiras
semanas de Donald Trump e os limites que a democracia americana está impondo a
ele. O que houve no Espírito Santo reviveu um certo instinto, um faro, de que
estamos mais perto do caos do que imaginamos.
Os
acontecimentos têm sido muito surpreendentes e nos arrastam como uma enxurrada
de verão. Mas nunca resolvi a dúvida: os acontecimentos são mesmo tão
surpreendentes ou o que mudou foi a nossa capacidade de prever?
Num país
onde isso tudo acontece e o ministro da Justiça pede demissão para se preparar
para uma sabatina no Senado, realmente, vivemos em múltiplas realidades
paralelas.
Recebi
uma mensagem assim: momento estranho que vivemos aqui e no mundo. Respondi: é
preciso recuperar a racionalidade, não completamente, porque um pouco de
loucura sempre tem o seu lugar.
Nos
últimos tempos, as proporções estão invertidas: a balança pendeu para a
loucura.