sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

No fio da navalha (Fernando Gabeira)


O Espírito Santo já teve mais presença na mídia nacional. No passado havia correspondentes como Rogério Medeiros, do Jornal do Brasil, que fez inúmeras reportagens sobre a histórica devastação da Mata Atlântica no Espírito Santo. E revelou grandes personagens, como Augusto Ruschi, o homem que amava o beija-flor, e o lendário desmatador Rainor Greco, que depois de devastar a Mata Atlântica levou seu know-how para a Amazônia.

No fim de semana as notícias sobre a greve da Polícia Militar (PM) me inquietaram. Na segunda-feira, no rádio, avaliei que esse poderia ser o tema mais importante da semana. Anexei uma preocupação: o fechamento das escolas e dos postos de vacinação. Acabara de voltar do Espírito Santo, onde a morte dos macacos se ampliava e os primeiros casos de febre amarela já se registravam na zona rural de Colatina. O Espírito Santo, dos Estados limítrofes de Minas Gerais, é o mais vulnerável à febre amarela, por ter menos gente vacinada.

Mas a onda de violência tornou-se algo mais assustador do que a febre amarela. Assassinatos, saques, assaltos, tiroteio, tudo isso nos relembra de como é tênue o limite para a barbárie, como é delicado o equilíbrio em que nos movemos no Brasil, inclusive com nosso mundo político vivendo em outro planeta.

Sempre defendi a ideia de que se investisse em segurança, reconhecendo como é caro esse esforço, mesmo com algumas reduções de custos que o uso da tecnologia possa trazer. A ideia é ter uma polícia bem treinada, bem paga e respeitada pela sociedade. Até mesmo reverenciada quando um policial morre em confronto com criminosos, algo que os movimentos de direitos humanos ainda não interiorizaram.

A greve da Polícia Militar (PM) capixaba não foi a primeira. Uso a palavra greve porque a encenação das famílias na porta dos quartéis era apenas para construir uma realidade alternativa, como está em moda atualmente. Houve greves em Pernambuco e na Bahia e a cada vez que elas ocorrem enfraquecem os argumentos dos que gostariam de vê-los em melhor situação. 

Todo policial militar, mesmo que não conheça a Constituição no seu todo, é ensinado, ao ser admitido, sobre o que ela proíbe que ele faça. O caos que o movimento dos policiais provocou no Espírito Santo é tão grave que, em circunstâncias menos dramáticas que aquelas em que vivemos, valeria considerá-los desertores e construir uma nova Polícia Militar.

Um dos efeitos negativos é a propagação. Em Minas Gerais, já se anunciou na noite de terça-feira o boato de uma greve de PMs e bombeiros. Se vingar, já é uma novidade não só inquietante, mas desapontadora: os bombeiros são muito bem vistos pelo povo.

No Rio de Janeiro, os PMs estão em luta contra o governo Pezão, que é um remanescente do grupo que assaltou e quebrou o Estado. Nesse sentido, têm todo o respeito. Mas uma coisa é lutar contra o governo e outra, contra a sociedade, desrespeitando a Constituição e expondo as cidades à barbárie.

No Espírito Santo, um plano de austeridade econômica equilibrou as contas, mas não teve a sensibilidade política que um planejamento desse tipo precisa ter. Os PMs estão há quase quatro anos sem reajuste salarial. E ali sua tarefa não é fácil. A quantidade de bandidos que tomou as ruas é uma evidência da aspereza da missão.

No Rio de Janeiro o problema também é muito sério. O famoso resgate econômico do governo federal está fazendo água, com negativas da Caixa Econômica, do Banco do Brasil e da Advocacia-Geral da União. Falta também aprová-lo na Assembleia Legislativa.
Há uma possibilidade de o governo não resistir à crise. Mas aí coloco a segunda questão: uma simples troca de governo aquietaria os protestos?

Num cenário tão confuso, em todas as áreas, em que as PMs estão prestes a cruzar os braços, uma saída para a sociedade é a autodefesa. Não me refiro a armas, mas a smartphones. Já começam a surgir aplicativos mapeando tiroteios, indicando zonas perigosas. O próprio Exército, que tem sido uma espécie de último recurso, talvez possa avançar nesse caminho. Uma coisa é patrulhar uma cidade, outra é patrulhar conectado por milhares de cidadãos também preocupados com a segurança. Os movimentos tornam-se mais econômicos e precisos.

Da mesma forma, como no combate ao terrorismo na Europa, as autoridades podem informar as pessoas por seus celulares, estabelecer um novo patamar de segurança por meio da comunicação. 

Se os acontecimentos do Espírito Santo ganharem maior dimensão, o caminho da autodefesa é inevitável. Com a superação mais aguda da crise, a experiência de se autodefender por meio da comunicação será muito importante. Ela contribui para economizar custos num momento em que é preciso, mais do que nunca, investir na segurança, mas, lamentavelmente, estamos falidos.

Na verdade, eu nem iria escrever sobre isso. O tema original eram as primeiras semanas de Donald Trump e os limites que a democracia americana está impondo a ele. O que houve no Espírito Santo reviveu um certo instinto, um faro, de que estamos mais perto do caos do que imaginamos.

Os acontecimentos têm sido muito surpreendentes e nos arrastam como uma enxurrada de verão. Mas nunca resolvi a dúvida: os acontecimentos são mesmo tão surpreendentes ou o que mudou foi a nossa capacidade de prever?

Num país onde isso tudo acontece e o ministro da Justiça pede demissão para se preparar para uma sabatina no Senado, realmente, vivemos em múltiplas realidades paralelas.

Recebi uma mensagem assim: momento estranho que vivemos aqui e no mundo. Respondi: é preciso recuperar a racionalidade, não completamente, porque um pouco de loucura sempre tem o seu lugar.


Nos últimos tempos, as proporções estão invertidas: a balança pendeu para a loucura.

Sátiros encanecidos


Velhos sátiros gostam de carne nova. Inspiram-se no edificante exemplo do rei Davi que, muito friorento, e já nos estertores de sua longa vida, dormia abraçado com Abisague, formosa e jovem virgem, posta a ele para lhe aquecer a carcaça nas frias noites daquele áspero oriente, sem contudo chegar ao paroxismo de tê-la conhecido. Só o calorzinho de uma perfumada pele cor de pêssego já era o bastante para Davi bem adormecer, entoando loas infindas ao Senhor. 

Deixando de lado a inspiração bíblica, pode-se apelar ao explicativo e popular ditado "para cavalo velho o remédio é capim novo", quando homens idosos se achegam com parceiras que poderiam ser suas netas. Claro que para evitar discriminação de gênero, costuma-se dizer também, em justa contrapartida, que "para égua velha o remédio é mandioca puba".

Famoso por sua concupiscência, o ex-presidente, e recém viúvo, Lula da Silva tem, agora, a oportunidade de se igualar a alguns dos ocupantes, ou ex-ocupantes, de cadeira presidencial. Há exemplos em todos os lugares do planeta. Nada de barangas, por favor. Melhor variar, deixando de lado material reciclado contemporâneo. Gatinhas há aos montes, todas seduzidas pelo afrodisíaco do poder, ou por sua expectativa. Sassaricam por aí trêmulas, loucamente desejosas por um pitéu de boa cepa. E, sobretudo, fugir de estagiárias. Por causa de uma destas, Clinton entrou pelo cano.  

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Fachin nega recurso a perigosa meliante



O título da matéria  aqueceu o coração dos brasileiros. Sim! O aparentemente manso ministro do STF está botando pra quebrar com seu chicote justiceiro. Fachin colocou mais uma pequena pedra no muro da segurança psíquica de cidadãos tão carentes desse sentimento de bem estar. Que se cuidem os enrolados com a Lava Jato. Qual o zorro, seguido pelo tonto e fiel amigo índio – o ministro Lewandowski – Fachin mostrou (conforme se lê abaixo), que não está para brincadeiras.  Não haverá moleza para a bandidagem que cair em suas mãos. Se para um crime de R$42 reais (isso mesmo, quarenta e dois reais, por extenso, para que não pairem dúvidas), o ferrabrás foi impiedoso, triste será o destino dos acusados de desvio na casa dos milhões e, até mesmo, bilhões de reais. A um observador qualquer, por mais ingênuo que seja, o posicionamento do ministro Fachin sinaliza tempos duros para a organização criminosa que assaltou o país, em especial a turma do PT. A moçada deveria começar a pensar seriamente no harakiri dos japoneses.

Vamos à matéria da VEJA.

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“O ministro do Supremo  Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato na Corte, negou nesta terça-feira habeas corpus a uma mulher de 39 anos, presa em flagrante em 2011 por ter tentado furtar de um estabelecimento comercial de Varginha (MG) dois desodorantes e cinco frascos de chicletes, cujo valor atualizado soma R$ 42. O recurso da defesa tinha o objetivo de arquivar o processo criminal. Nada se informa se e quando ela foi solta.

Fachin é o novo relator no STF da Lava Jato, considerada a maior operação de combate à corrupção da história do país e terá que decidir, entre outras coisas, sobre a concessão de habeas corpus a acusados de se beneficiar de quantias milionárias obtidas irregularmente em transações com o poder público.

A discussão da concessão do habeas corpus foi um dos temas da primeira pauta no ano da Segunda Turma do STF, a mesma que julga os casos da Lava Jato.
Para o ministro, a tese da insignificância penal, em virtude da inexpressividade do valor dos bens que se tentou furtar e que foi restituído ao estabelecimento – sustentada pela Defensoria Pública -, não poderia ser aplicada devido ao fato de a mulher ser reincidente nesse tipo de crime.

Ele acompanhou a decisão do relator, o ministro Ricardo Lewandowski, que entendeu que ficou evidenciada nos autos a reiteração criminosa da ré. “A conduta em si mesma, delito tentado de pequeno valor, se reveste de insignificância, mas o contexto revela que a acusada, no caso, é pessoa que está habituada ao crime”, afirmou, votando pelo indeferimento do HC.

Antes, tanto o Tribunal de Justiça de Minas Gerais quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) haviam negado o habeas corpus pelo mesmo motivo. O parecer do Ministério Público Federal também foi pelo indeferimento.
O habeas corpus, no entanto, foi concedido pelo STF porque os outros três ministros da Segunda Turma discordaram de Lewandowski e Fachin. Votaram pela concessão Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
Dias Toffoli argumentou que a ré pegou os produtos na gôndola, colocou-os na bolsa e passou pelo caixa sem pagar e que somente depois é que o funcionário do estabelecimento acionou a guarda municipal. O ministro disse que muitas vezes, nesses casos, em que os clientes têm acesso direto aos produtos e há fiscalização, o estabelecimento espera a pessoa sair para só então abordá-la, em vez de fazê-lo diretamente na passagem pelo caixa e, ainda dentro do estabelecimento, cobrar pelos produtos. “Nesse tipo de conduta, em que há vigilância, estamos diante da inexistência de tipicidade, porque a agente poderia ser abordada dentro do supermercado e cobrada”, assinalou.
Celso de Mello lembrou o princípio da ofensividade para afirmar que danos sem importância devem ser considerados atípicos. Ele rejeitou a chamada perseverança criminal, uma vez que não se pode falar em reiteração se não existe condenação penal contra a ré. “Isso ofende inclusive o postulado da presunção da inocência”, concluiu.” 
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Por trás daquela carinha meio sonsa, com seu bigodinho anacrônico, esconde-se um justiceiro, um Jerônimo, o herói do sertão, secundado pelo moleque Saci travestido de Lewandowski.



domingo, 5 de fevereiro de 2017

Faltou prudência (Estadão) ou "Mais uma Barrosada"

Homens públicos, especialmente os que desempenham funções que podem mudar a vida dos cidadãos, devem se pautar sempre pela prudência ao se manifestar. Ao contrário das pessoas comuns, cuja opinião, isoladamente, não tem quase nenhum efeito sobre as decisões de maior impacto para o País, esses homens públicos não podem expor o que pensam sem antes pesar cuidadosamente suas palavras, pois estas, de uma forma ou de outra, terão peso no debate nacional – e uma opinião exposta de forma inconsequente pode ajudar a distorcer esse debate, levando a conclusões deletérias para o País. Assim, causou espanto a ligeireza com que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso tratou recentemente da questão da legalização do uso de drogas.

Em uma conversa com jornalistas no dia 1.º passado, Barroso disse que a crise no sistema penitenciário enseja “agudamente” a discussão sobre as drogas, pois a atual política de repressão ao narcotráfico acaba por colocar nas cadeias jovens “que não são perigosos” e que, segundo seu raciocínio, ali se tornarão verdadeiros criminosos. O ministro sugeriu então que se fizesse uma experiência, legalizando primeiro a produção, a distribuição e o consumo de maconha, taxando o produto como se faz com o cigarro.

“A primeira etapa, ao meu ver, deve ser a descriminalização da maconha. Mas não é descriminalizar o consumo pessoal, é mais profundo do que isso. A gente deve legalizar a maconha”, perorou Barroso, como se estivesse em uma mesa de bar. “Isso quebra o poder do tráfico. Porque o que dá poder ao tráfico é a ilegalidade”, continuou ele, seguro de que descobriu a fórmula mágica para acabar, de uma vez por todas, com essa terrível chaga mundial. A certeza é tanta que Barroso foi além: “Se der certo com a maconha, aí eu acho que deve passar para a cocaína e quebrar o tráfico mesmo”.

A impropriedade da afirmação do ministro do STF, que deveria se limitar a se pronunciar nos autos dos processos que julga, só não é maior do que sua afetada ingenuidade. Qualquer um minimamente informado sabe que não basta legalizar uma ou outra droga para “quebrar o tráfico”. Mesmo que todas as drogas fossem legalizadas o tráfico não acabaria, pela simples razão de que a regulamentação do comércio de drogas forçaria a criação de um mercado paralelo, em que os entorpecentes seriam vendidos por preços mais baixos. É o que acontece, por exemplo, com a indústria do tabaco, que enfrenta o contrabando de cigarros, que hoje representa 30% do mercado nacional.

É ocioso, contudo, opor argumentos racionais às alegações de Barroso, porque se trata de uma falsa questão. O consumo de entorpecentes já está, na prática, descriminalizado, a julgar pelo que vai na Lei Antidrogas (11.343/06). A questão, para Barroso, é a prisão dos que ele chama de “pequenos traficantes”. Segundo o ministro, “um dos grandes problemas que as drogas têm gerado no Brasil é a prisão de milhares de jovens, com frequência primários e de bons antecedentes, que são jogados no sistema penitenciário”.

São, diz ele, “pessoas que não são perigosas quando entram, mas que se tornam perigosas quando saem”. O ideal, portanto, seria “superar preconceitos” e “lidar com o fato de que a guerra às drogas fracassou e agora temos dois problemas: a droga e as penitenciárias entupidas de gente que entra não sendo perigosa e sai perigosa”.

Ora, a seguir-se a lógica do ministro Barroso, a crise penitenciária estará resolvida no dia em que nenhum jovem for conduzido à cadeia, seja por que crime for. Em vez de lutar para melhorar as prisões, basta que se rasguem os diplomas legais. A esse ponto chegou o ativismo que ora impregna os discursos e as atitudes de muitos hoje no Judiciário, a começar por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, a quem justamente cabe guardar a Constituição, e não reinventá-la. Esquece-se também o ministro que é o dinheiro que um jovem bem nascido dá ao inofensivo passador de “pacos” que paga a bala que matará uma mãe, um pai, uma criança. A esse ponto não chega a preocupação do cidadão que exerce seu sagrado direito de dar palpites.


Por fim, mas não menos importante, a questão das drogas não pode jamais ser tratada com leviandade. As cracolândias espalhadas pelas grandes cidades mostram os efeitos das drogas para quem quiser ver. Não é com inconsequência, travestida de humanismo, que esse problema será resolvido.