quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O FLANEUR

Enquanto inumeráveis brasileiros sofriam, e continuam a sofrer, os efeitos da fúria da natureza (enchentes, deslizamentos, mortes e destruição de modestos patrimônios), potencializada ainda pela incúria das autoridades com suas obras de má qualidade ou gestão incompetente de normas ambientais, Lula da Silva flanava em suave vilegiatura pelos mais agradáveis recantos do Brasil. Fotos da imprensa atestam seus despreocupados mergulhos nas águas límpidas de Fernão de Noronha entre corais e anêmonas ou, então, fisgando alegremente portentoso exemplar da fauna marinha (os pobres das regiões devastadas pelas chuvas, enquanto isto, contentavam-se em recolher o pobre saldo de seus tarecos destruídos). Incapaz de compreender o específico do desempenho do cargo de presidente da república, Lula da Silva age como um burocrata comum quando, chegado o verão, tranca suas gavetas e se manda para a esbórnia em alguma praia só querendo saber de muito sol, muita cerveja, uma pescariazinha ali por perto e um eventual jogo de truco para preencher as tardes vazias. E tudo com uma vantagem adicional: sem qualquer custo (claro, o povo é quem vai pagar), e com um séquito de fâmulos e guarda-costas para lhe garantir vênias e exclusividade onde for se arranchar.

Este dolce far niente sucede períodos de meses de viagens pelos mais pitorescos recantos do mundo. Nos dois últimos anos o flaneur ficou praticamente cinco meses fora do Brasil comparecendo em lugares de extraordinária importância como Vietnã, Venezuela, Burkina Faso, El Salvador, Jamaica, Timor Leste, Guiana Francesa, Panamá, Cuba, Haiti, Finlândia etc. Se Idi Amim estivesse vivo ou se o imperador Bokassa ainda reinasse, certamente, teriam sido brindados com protocolar visita de Lula da Silva para saborearem, quem sabe, algum exótico churrasco local. Somando-se os dias em que ele ficou sassaricando pelo Brasil durante o ano passado (103 dias), pode-se calcular seus dias de presença em Brasília (em 2008) em torno de seis meses. Em vista de sua notória aversão a estudos e decisões fundamentadas, vale deduzir destes seis meses alguma coisa como 108 dias (referentes aos sábados e domingos das 52 semanas anuais, sem falar nas férias, feriados e dias santos). A resultante é que Lula da Silva, que fez sua última campanha eleitoral sob o mote “deixa o homem trabalhar”, deve ter se dedicado em torno de setenta dias à penosa rotina presidencial. Deve, pois, estar exausto de tamanha faina. Então o jeito é deixar o homem descansar. Depois da doentia vaidade de Sarney (com bigodes pintados de preto “asa da graúna”), e da cupidez desvairada de Collor (que permitiu que até um Congresso sem moral o cassasse), resta-nos conviver com a consolidada inapetência para o trabalho de Lula da Silva, o viajante despreocupado e bon vivant que diz governar o Brasil.

O TAPADO E A ESCOLHIDA

O lulismo, após devastar o país por oito anos, ameaça-nos com uma sucessora que representaria a síntese perfeita da horda aglutinada em torno do PT: a mãe, como quer Lula, ou sacerdotisa, como quer Sarney, do tal PAC. Oscilando entre qual seria a melhor escolha entre os dois papéis (ridículos ambos, por sinal), talvez chegue ela à conclusão que o ideal é ser conhecida como rainha do PAC (tal qual Emilinha, Marlene, Roberto Carlos e Pelé etc.), todos eles reis ou rainhas de alguma coisa: do rádio, da marinha, da música brega ou do futebol. Poder-se-ia fazer um teste se transformando em rainha do carnaval no lugar de Luma de Oliveira. Seria, no mínimo, apoteótico desfilar pela Mangueira como destaque do enredo histórico “A volta por cima dos adeptos da guerrilha pelo caminho luminoso dos fundos de pensão”. O biótipo da madame (pouco favorável ao rebolado, no entanto, bem como a aparente falta de traquejo festivo), recomendaria cautelas quanto ao lugar a ser ocupado no desfile da Sapucaí.

Egressa de um dos grupos guerrilheiros mais extremados dentre os que atuaram no Brasil nos anos 60 e 70 do século passado, dona Dilma Roussef apresenta credenciais, no mínimo, assustadoras para o desempenho do cargo de presidente da república. Afinal de contas, uma pessoa que manipulou bombas e outras armas, ou seja, mostrou-se capaz de matar um semelhante de maneira deliberada para implantar um regime ditatorial igual ao da China, Coréia do Norte, Rússia e Cuba, possuiria equilíbrio emocional e estofo espiritual para dirigir milhões de brasileiros? Sua falta de flexibilidade, constatada no discurso pesado e na rigidez conceitual, sinaliza para uma dificuldade política quase que insuperável dentro do seu partido, cevado nas boquinhas e em formas pouco ortodoxas de amealhar recursos (basta ver o exemplo do mensalão). Permitiria ela a continuidade da farra a que a “sofisticada quadrilha” se acostumou, de saquear os recursos públicos? Daria continuidade à parceria com a banca que garante à agiotagem nacional e internacional a bagatela de R$180 bilhões ao ano, ou aproximadamente R$1 mil reais de todos os cidadãos brasileiros? Este último valor, observe-se, é praticamente o mesmo que é pago de bolsa família aos pobres e miseráveis durante um ano. Quer dizer, quem trabalha no Brasil, afora sustentar uma frondosa burocracia (via impostos escorchantes), ainda tem que enricar banqueiros e amparar desvalidos através da caridade pública. Dona Dilma vai manter este esquema ou vai querer repassar toda a grana para a “nova classe” governante, composta dos gulosos patrícios do seu partido? Seu jeitão não parece favorecer os poderosos agiotas. Provavelmente outro nome será ungido ao final. Tudo aponta para um nordestino, muito mais jeitoso. O nome do tapado, como diziam os mexicanos, e bem no estilo James Bond, é Wagner, Jaques Wagner!

LIÇÃO CIVILIZATÓRIA

O mundo inteiro assistiu à recente posse do novo presidente dos Estados Unidos. Numa admirável obediência a um rito de mais de dois séculos, o povo americano elege a cada quatro anos o presidente de sua república. Faça chuva ou faça sol, estejam em paz ou estejam em guerra, na prosperidade ou na crise, não importa a situação, lá estão eles disciplinadamente dando ao candidato vencedor o poder de dirigir a nação sob os auspícios da Constituição. Este é um aspecto extremamente importante. Na cerimônia da posse o novo presidente jura defender a Lei Magna, ao contrário de certos dirigentes de repúblicas de bananas que, demagogicamente, se propõem defender o “povo” ou a qualquer outra de suas contrafações (os “excluídos”, os “pobres”, a “classe trabalhadora”, os “descamisados” etc). Esta é a essência da democracia americana e sua maior lição ao processo civilizatório da humanidade. Antes de qualquer coisa, o que importa é o estrito respeito às normas constitucionais.

Aspecto pouco observado, no entanto, (e que serve, também, para outras comparações), é a observância sem fraude do preceito constitucional de que todo poder emana do povo. Assim, o Congresso americano possui uma legitimidade que outros Congressos não possuem. Cada estado possui dois senadores – num total de cem – mas a representação popular se faz obedecendo ao peso eleitoral das populações agrupadas em circunscrições de peso equivalente. Isto permite que os estados mais populosos elejam um maior número de representantes diferentemente do caso brasileiro onde não mais que territórios (Acre, Amapá e Roraima), com populações inferiores a dezenas de cidades do sudeste elegem, no mínimo, oito deputados federais (o eleitorado de Roraima é pouco maior que o de Uberaba), além de três senadores. Isto acarreta uma super representação do norte e nordeste em prejuízo dos que ficam sub representados no sul e no sudeste. Esta excrescência possibilita a presença no Parlamento nacional de figuras como Barbalho, Collor, Calheiros, a volumosa família Sarney - pai, filho e filha - mais os parentes por afinidade - Jucá, Lobão pai, Lobão filho etc. - bem como outras figuras tenebrosas que enfeitam o baixo clero (quase um pleonasmo).

Este sistema eleitoral foi a grande herança maldita do regime militar. Engessou qualquer possibilidade de se avançar na direção de uma democracia moderna, tornando o povo brasileiro refém das elites do norte e do nordeste devido ao controle que esta gente possui das duas casas parlamentares. Este controle político não se reverte em qualquer benefício para as populações locais. Estão aí os índices de desenvolvimento humano a mostrar o miserável padrão de vida do Maranhão e de Alagoas, por exemplo. O “puder” é somente para usufruto de uma oligarquia ciosa que se mantém e se reproduz no tempo.