segunda-feira, 22 de abril de 2019

O STF recrudesceu

Em tempos já idos e vividos, quando um general das antigas se incomodava por qualquer dá cá esta palha do dia a dia, ele ameaçava recrudescer. Este curioso verbo é dicionarizado como "transformar em algo ou alguém mais intenso: tornar-se mais forte, exacerbar. Reviver os sintomas mais intensos e alarmantes da doença; agravar-se". 

Dois ilustres ministros do STF passaram, então, do cogitado ao executado: recrudesceram, e saíram a prender qualquer cidadão no qual enxergassem alguma conduta delitiva, principalmente, se se referisse a algum reparo às inumeráveis presepadas com as quais os onze sábios do supremo sinédrio nos brinda quase que diariamente. 

No período pascal ficaria bem lembrado o julgamento do Divino Mestre pela gangue comandada por Anás e Caifás. Pai e filho se preocupavam sobremaneira com o rumo dos negócios praticados à sombra das arcadas do templo. Pela primeira e única vez, o filho do Eterno se enfureceu e saiu a chicotear o bando de traficantes que contavam, certamente, com o apoio decisivo dos empreiteiros de então.  

A hipótese não é absurda. Naqueles tempos, palácios, estradas, termas, diques, canais, fortalezas e similares eram construídas por gente especialmente devotada a tais empreendimentos. 

A narrativa maçônica sugere a relevância dos construtores para a vida humana em termos de segurança, conforto e prática devota. Centra-se, para isso, na trajetória do arquiteto Hiran Abif, um empreiteiro dos bons e do bem, assassinado por concorrentes, ao que parece, invejosos do seu poder e competência.  

Nada mais corriqueiro, portanto, que os vínculos orgânicos que empreiteiros de todos os tipos e calibre estabeleciam com os donos do poder secular e temporal. Afinal, se obras precisam ser realizadas, é necessário que alguém as encomende e, principalmente, pague por elas. 

É claro que havia riscos no negócio. Calígula, por exemplo, que foi um grande realizador de obras monumentais durante seu curto reinado (segundo Suetônio), costumava mandar decapitar os empreiteiros que não fossem eficientes. Esse costume um tanto bárbaro, bem poderia ser recuperado em nome do interesse público. Seria um estímulo irresistível. É tentador pensar, igualmente, nos juízes escorchados por  desídia ou venalidade.

Voltando ao começo. É possível que os arroubos de virilidade, vistos no recrudescimento de dois juízes fakes do STF, sejam prenúncio de novos e arejados tempos. Quem sabe tudo não seja mais que insidiosa manobra para permitir por linhas transversas um efetivo questionamento sobre o anacronismo do próprio Supremo e de suas inconveniências?

DiasTóffoli e Alexandre Moraes estão se autoimolando em benefício da morigeração do judiciário. A incompreensão a respeito deles é a mesma que cerca Judas Iscariote, único da troupe do Divino Mestre a perceber que alguém deveria traí-Lo, para que se cumprisse a profecia. Os demais apóstolos queriam, primeiramente, obter as glórias do Paraíso. Não iriam por em risco a oportunidade ímpar de se ajeitarem entre os eleitos. Deixaram para o ecônomo o triste encargo da renúncia pessoal em prol dos demais.  

Fantasia? Talvez não... Longa vida a Tóffoli e Moraes pela notável garantia que estão dando às liberdades públicas. Mesmo que por linhas tortas, aliás, tortíssimas. Pela traição que cometeram contra a Constituição estão  contribuindo com a democracia, tal qual o Iscariote com os mistérios da Salvação. Que a dupla continue a recrudescer.