sábado, 26 de fevereiro de 2011

Pai dos pobres, mãe dos ricos, amante dos banqueiros

Muita gente se espantava com os críticos que diziam ser o governo Lula um governo do capital financeiro (aí incluídos os fundos de pensão), em aliança com a oligarquia nordestina e a nova classe dirigente nascida no movimento sindical pelego. Os dados abaixo (transcritos parcialmente no que interessa), mostram uma das razões que levaram os "companheiros da pecúnia" a votar gostosamente na continuidade do lulalato. É o dinheiro, estúpido! Sigam-no e chegarão às arcas do destino final. Migalhas restarão, ainda, para o cocho dos bate-paus. As recentes façanhas do PC do B no Ministério dos Esportes, denunciadas nos últimos dias, comprovam isso fartamente.

Ou, como disse o ministro Guido Mantega, tentando esconder a realidade: "Esse é o sucesso do nosso governo. Conseguimos beneficiar a população como um todo. Mais os pobres e menos os banqueiros. Mas nós beneficiamos pobres e banqueiros. Não é uma beleza?”

O cinismo de sua declaração pode ser aferido numa comparação entre o quanto o governo federal transfere de "bolsa-família" para os pobres (algo não superior a R$15 bilhões de reais por ano), e o que ele transfere para os rentistas e banqueiros. Só para estes últimos, nos últimos 8 anos o valor esteve na casa de R$200 bilhões (seria uma espécie de bolsa-agiota?). Quantos são os banqueiros e quantos são os miseráveis que vegetam pelo Brasil afora? Qual seria o valor da grana per capita? Realmente, "é uma beleza". Guido Mantega tem razão. Os críticos têm uma grande má-vontade com o sucesso dos nossos governantes.

"Na Era Lula, lucro recorde dos bancos: R$ 199 bilhões
(Aguinaldo Novo, O Globo)

A era Lula chega ao fim com um recorde na área financeira. O lucro líquido de uma amostra de nove bancos (entre eles, Banco do Brasil, Itaú e Bradesco) somou R$ 174,075 bilhões entre 2003 e 2010, em valores nominais.
Corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), essa cifra pula para R$ 199,455 bilhões, batendo de longe os resultados registrados durante a gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso.
As mesmas nove instituições, entre 1995 e 2002, acumularam um ganho nominal de R$ 19,113 bilhões e R$ 30,798 bilhões em valores atuais. A diferença entre os lucros corrigidos pela inflação nos dois períodos é de 550%.
Os números foram compilados pela consultoria Economática, que usou na sua amostra as instituições que já divulgaram os resultados fechados de 2010. A consultoria também mediu a rentabilidade dos bancos.
Durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique, o retorno sobre o patrimônio líquido oscilou entre a mínima de 8,41% (em 2000) e a máxima de 13,98% (1996). Com Luiz Inácio Lula da Silva à frente do Planalto, a rentabilidade mediana nunca foi inferior a 13,08% (2008) e o teto para a amostra estudada chegou a 17,66% (em 2006)."

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O colapso do ENEM não é acidental

(Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO de 19 de fevereiro de 2011)


"O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado pelo Ministério da Educação (MEC) há pouco mais de uma década para avaliação anual de desempenho de alunos e escolas do País, a exemplo do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, do Exame Nacional de Desempenho do Estudante e das avaliações trienais dos cursos de pós-graduação conduzidas pela Capes. Sob esse aspecto, estamos ajustados à atual tendência internacional em que governos de países ricos (como os EUA) ou emergentes (como o Brasil) lutam para reverter o declínio da qualidade da educação dos seus sistemas públicos e fazem uso intensivo de avaliações nacionais para subsidiar políticas no setor.
O que os resultados do Enem têm revelado sobre o nosso ensino médio? Basicamente, o de sempre. Excelente desempenho dos alunos das escolas privadas mais caras e níveis muito baixos de qualidade do sistema público, com as exceções de praxe, casos de alguns estabelecimentos tradicionais de prestígio, escolas militares e escolas técnicas. Em suma, um instrumento de avaliação que se tem limitado a apontar a cada ano os males de um sistema que padece de grave crise e sobre o qual o governo federal tem reduzido poder de interferência, pois o ensino médio do País é basicamente da responsabilidade dos governos estaduais. Além do mais, está demonstrado que a prioridade do governo federal nos últimos anos tem sido a ampliação da oferta de vagas no ensino superior, expressa nos pesados investimentos nas universidades federais e no programa de bolsas em instituições privadas.
Há dois anos o MEC decidiu introduzir ajustes no Enem e, na prática, acoplou o ensino médio ao ensino superior - este sob seu controle -, transformando-o em exame nacional unificado com a ambição de substituir os vestibulares até então descentralizados das universidades públicas federais. Um argumento então utilizado e exposto em documento na ocasião é que esse novo sistema, baseado na aplicação de uma única prova, propiciaria uma "racionalização da disputa por essas vagas, de forma a democratizar a participação nos processos de seleção para vagas em diferentes regiões do País". Outro argumento defende a adoção de exame nacional que seja ao mesmo tempo unificado, sofisticado e inovador e que tivesse o poder de reduzir a "influência dos vestibulares tradicionais nos conteúdos ministrados no ensino médio". Por essa estratégia, tratava-se ao cabo de delegar às universidades federais o papel de "protagonistas no processo de repensar o ensino médio" do País. E é sob a batuta do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC que ali se intitula detentor de "absoluto know how para conduzir com sucesso esse processo", que nossos milhões de jovens vestibulandos são instados a participar desse novo e grandioso sistema de seleção.
O que nos ensinam as experiências de 2009 e 2010 com esse Enem renovado? Primeiro, que a adesão das universidades federais não correspondeu às expectativas iniciais e, apesar da sua reduzida autonomia (administrativa e financeira) e do esforço de convencimento do MEC, parte delas reluta em substituir integralmente seus vestibulares pelo exame unificado. Segundo, a análise das duas provas aplicadas revela que, apesar da metodologia expressa nos seus cinco complexos "eixos cognitivos", há dúvidas sobre sua propalada inovação para aferir conhecimentos, e colegas da academia as veem como convencionais. Há até os que avaliam que elas têm qualidade geral inferior à dos exames vestibulares das melhores universidades do País. Terceiro, que inexistem indicadores seguros de que tenha ocorrido de fato a almejada "migração interna" de candidatos das regiões pobres para as ricas, ou vice-versa. Afinal, apesar do vistoso programa de assistência estudantil criado às pressas no ano passado, as universidades federais em sua maioria não dispõem de moradias e sistemas de apoio suficientes e, portanto, é remota a possibilidade de que estudantes carentes de regiões distantes tenham condições, por exemplo, de estudar em instituições das grandes metrópoles do Sudeste.
Por último, e mais grave, a sucessão de desastres na sua execução. Em 2009 o País assistiu perplexo à descoberta da escandalosa fraude com o vazamento e a tentativa de venda da prova, o que levou à anulação do certame. Concluído o novo exame, milhares de estudantes não conseguiram acessar o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para fazer as suas inscrições nos cursos de sua preferência e para os quais foram aprovados. Na edição de 2010, cerca de 20 mil alunos foram eliminados porque havia discrepâncias entre provas e gabaritos e, após batalha judicial, foi oferecido às vítimas aplicação de nova prova. Apurados os resultados finais, novamente o sistema eletrônico central entrou em colapso, naufragou diante dos mais de 4 milhões de inscritos e, mais uma vez, muitos dos aprovados não conseguiram efetivar suas inscrições e matrículas. Existem ainda hoje milhares de vagas não preenchidas e é incerto o desfecho de toda essa confusão.Em síntese, está comprovado que ambições excessivas nessa área, ainda que ancoradas em concepções e premissas inovadoras, pecam no mais das vezes por ignorar o que é evidente para a maioria dos cidadãos, e esse é o caso do atual Enem. Veja-se a logística precária. Apenas 1/3 das famílias do País dispõem de computadores, as infovias são limitadas e sempre congestionadas e os servidores centrais de modo geral são incapazes de suportar demandas concentradas. Além disso, como assegurar a lisura de grandes exames nacionais num país em que concursos públicos são sistematicamente fraudados, como os da Polícia Federal, Abin, Receita Federal, Polícia Rodoviária e os da OAB?"
Wanderley Messias da Costa
(PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA USP, AUTOR DE CINCO LIVROS, É UM DOS IDEALIZADORES DO CENTRO DE BIOTECNOLOGIA DA AMAZÔNIA E-MAIL: WANDER@USP.BR)