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Enterro de jovem estuprada no Piauí |
O naturalista suíço
Louis Agassiz tinha uma obsessão pelo racismo científico. Acreditava que as
etnias eram espécies humanas separadas e que misturá-las transformava os homens
em delinquentes e degenerados. Ao visitar o Brasil, em 1865, Agassiz deu uma olhadela
pelas ruas do Rio de Janeiro e achou ter entendido a causa da pobreza e da
criminalidade do país. “Quem duvida dos males da mistura de raças que venha ao
Brasil, pois não poderá negar uma deterioração decorrente da amálgama de
raças”, escreveu ele.
Agassiz foi vítima
de dois erros. O primeiro é a falácia de relação e causa. Ele
observou dois fenômenos acompanhados (mestiçagem e pobreza) e acreditou
que um era a causa do outro. Também usou suas próprias bandeiras políticas
para explicar o mundo – uma armadilha mais ou menos assim: “eu defendo X;
se algo acontece de errado no mundo, eu vou logo acreditar que é por falta de X
e que não há outra solução senão X”.
Tem muita gente
cometendo os mesmos erros hoje. De forma tão descuidada quanto o naturalista suíço,
estão usando suas bandeiras políticas – a educação pública, a luta contra a
miséria e a desigualdade – para explicar por que os jovens que cometem
crimes.
Por exemplo, quando
o ciclista foi esfaqueado na Lagoa Rodrigo de Freitas por menores de idade, o
jornal Extra sugeriu que os garotos se tornaram assassinos porque não tinham
ido para a escola.
Já a jornalista Claudia Collucci, ao falar sobre o silêncio ao redor do
terrível estupro de quatro jovens no Piauí, parece ter esclarecido o que
motivou os quatro menores envolvidos no crime:
Quem são esses menores?
Semianalfabetos, usuários de drogas, miseráveis, com famílias desestruturadas e
com histórias de loucuras, abusos e abandono.
É o caso de
perguntar: o analfabetismo e a pobreza, que atingem dezenas de milhões de
brasileiros, levam mesmo os homens jovens a raptar, torturar, estuprar, furar
os olhos, apedrejar e jogar do penhasco meninas indefesas?
É verdade que, em
muitos casos, a baixa educação e alguns fatores econômicos acompanham a
violência. Mas daí há um bom caminho para provar que um é a causa do
outro. É bem provável, por exemplo, que as centenas de piauienses que
foram ao enterro de uma das vítimas e se consternaram com o caso tinham o mesmo
perfil de escolaridade e renda dos agressores.
O
próprio Piauí contraria a tese de que a miséria causa violência. Depois do
Maranhão, é o estado mais pobre do Brasil. E um dos menos violentos – a taxa de
homicídios só é menor em São Paulo e Santa Catarina. Agora imagine se
multiplicássemos a população do Piauí por cinquenta e cortássemos 40% do seu
território. Chegaríamos a um país como Bangladesh, onde 150 milhões de
miseráveis convivem com uma das menores taxas de homicídio do mundo – apenas
2,5 homicídios por 100 mil habitantes, um décimo da taxa brasileira.
O perfil de
internos de prisões para menores de idade também contraria a crença de que
agressores são vítimas da miséria. Uma pesquisa da Fundação Casa de Campinas de
2013 mostra que, de 277 internos, 80% vêm de famílias com casa própria, e
metade têm renda superior a 2 mil reais. As taxas de escolaridade dos menores
presos eram similares às de fora da cadeia.
Se não é a pobreza, seria então a desigualdade o motor da pobreza? Essa
eu deixo com o psicólogo americano Steven Pinker, autor de um excelente
compêndio sobre violência humana, o livro Os Bons Anjos da Nossa Natureza. Pinker aponta uma falácia
de relação e causa: países mais desiguais geralmente são mais violentos, mas
isso não quer dizer que desigualdade cause violência:
O problema de invocar a desigualdade
para explicar mudanças na violência é que, embora ela se correlacione com a
violência se compararmos estados e países, não se correlaciona com a violência
ao longo do tempo em um estado ou país, possivelmente porque a verdadeira causa
das diferenças não é a desigualdade em si, mas características estáveis como a
governança do estado ou a cultura, que afetam tanto a desigualdade como a
violência.
Um exemplo que
Pinker fornece é o dos Estados Unidos: a desigualdade atingiu um mínimo em
1968, quando a criminalidade estava no auge, e subiu entre 1990 e 2000,
enquanto a violência despencou.
Outra razão sempre
citada são as famílias desestruturadas. Crescer sem o pai ou a mãe leva os
jovens ao crime? Difícil saber. Segundo o IBGE, em 16% das famílias
brasileiras, a mãe cuida sozinha dos filhos (famílias só com o pai e os filhos
são 2% do total). Mas somente 0,01% dos adolescentes comete crimes (a confiar
na estatística de quem é contra a redução da maioridade penal).
O mais provável,
nesse caso, é a relação inversa: em ambientes com maior criminalidade, é mais
comum haver mães solteiras. Os filhos delas acabam virando criminosos não por
falta do pai, mas porque crescem num ambiente criminoso. Pinker tem um
raciocínio parecido:
Embora filhos indesejados possam vir
a cometer crimes ao crescer, é mais provável que as mulheres em ambientes
propensos ao crime tenham mais filhos indesejados do que a indesejabilidade
cause diretamente o comportamento criminoso.
A ideia de que a
ausência do Estado causa todos os problemas do mundo é sedutora. Mas na
hora de estudar as origens da violência é melhor deixar ideologias de lado.