O Brasil ainda é conhecido por seus indicadores de
pobreza e desigualdade, mesmo depois das alardeadas façanhas do populismo e da
melhora de alguns números.
O fracasso na educação pode ser a
síntese de todos os fracassos do Brasil neste começo de século, refletidos na
maior recessão em muitas décadas, no baixo potencial de crescimento, na
estagnação da produtividade, no escasso poder de competição internacional, no
retorno humilhante à armadilha da crise fiscal e na corrupção como componente
da rotina política.
A ilusão do avanço e a queda na
realidade foram marcadas em duas capas famosas da revista The Economist –
na primeira, o Cristo Redentor subindo como um foguete, na segunda, despencando
de cabeça para baixo. Uma fantasia permanece, no entanto, em alguns discursos
políticos e, talvez, na mente das pessoas mais crédulas. Ainda se fala sobre o
resgate de dezenas de milhões de pessoas da pobreza.
De fato, milhões ingressaram no
mercado de consumo graças a transferências de dinheiro por mecanismo fiscal e à
elevação real do salário mínimo por decisão política. Quantos desses pobres, ou
ex-pobres, segundo os mais otimistas, se tornaram mais capazes de ganhar a vida
no mercado, em condições normais, apenas com suas habilidades e seu esforço?
Ninguém respondeu ainda a essa pergunta, mas, além disso, poucos a têm
formulado de modo explícito. O Brasil ainda é conhecido por seus indicadores de
pobreza e desigualdade, mesmo depois das alardeadas façanhas do populismo e da
melhora de alguns números. Mas houve mesmo tanta melhora?
Uma boa pista sobre essa questão foi
apresentada há mais de 200 anos, na França, pelo marquês de Condorcet,
filósofo, matemático, membro da Assembleia revolucionária e, como tantos outros
líderes, vítima da própria Revolução. A instrução, escreveu Condorcet, é “um
meio de tornar real a igualdade de direitos”. É inútil, segundo ele, proclamar
essa igualdade quando a ignorância mantém um homem na dependência do saber de
outros. Por isso, “a instrução pública é um dever da sociedade em relação aos
cidadãos”.
As ideias do marquês sobre educação aparecem nas suas Cinco
Memórias sobre a Instrução Pública, editadas em 1791, e no Relatório
sobre a Instrução Pública, lançado no ano seguinte. São propostos programas
de acordo com a idade, com o tipo de ocupação procurado e com a vocação
científica ou profissional do estudante.
A educação geral inclui uma etapa
básica e, em seguida, como objetos de instrução comum, “um curso muito
elementar de matemáticas, de história natural e de física, absolutamente
dirigido para as partes dessas ciências que podem ser úteis na vida comum”. A
esses ensinamentos devem acrescentar-se elementos da Constituição nacional,
noções fundamentais de gramática e de metafísica, primeiros princípios de
lógica e noções de história e de geografia.
O objetivo ultrapassa a formação de
competências para a vida produtiva: a ideia é formar cidadãos, pessoas capazes
de participar conscientemente da vida social. A ideia da instrução como
promotora da igualdade tem um amplo significado.
A mesma preocupação aparece, mais de
200 anos depois, no texto de apresentação do Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes, conhecido pela sigla Pisa: que conhecimentos e
capacidades são importantes para os cidadãos? Essa pergunta abre o relatório do
exame aplicado em 2015 a 540 mil estudantes de 72 países, jovens de 15 anos, no
final, portanto, da fase de educação obrigatória. Trata-se de saber, segundo o
texto, se eles obtiveram os conhecimentos e competências essenciais “à plena
participação em sociedades modernas”. Não se trata somente de economias
modernas, embora esse ponto seja importantíssimo, mas de sociedades, algo mais
amplo.
O teste incluiu, como sempre,
questões de ciência, leitura e matemática. Mas neste ano o objetivo principal
foi medir a qualificação para o exame de questões científicas e a capacidade de
achar soluções para problemas novos. Além disso, os estudantes preencheram
questionários sobre sua origem e suas condições de vida.
Os estudantes brasileiros, como
sempre, foram muito mal. Conseguiram em ciências 401 pontos, muito abaixo da
média geral (493) dos alunos dos países da OCDE, a Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico. O grupo é formado majoritariamente por países
desenvolvidos, mas com participação relevante de emergentes, incluídos México e
Chile. Em leitura os brasileiros obtiveram 407 pontos. Em matemática, 377. As
médias da OCDE nessas disciplinas foram 493 e 490. Acima do Brasil ficaram,
entre dezenas de outros, Chile, Bulgária e Costa Rica. Além disso, Colômbia,
México e Uruguai gastam menos que o Brasil por aluno e conseguem resultados
melhores. O Chile, com despesa média praticamente igual, obteve 477 pontos em
ciência. Enquanto isso, o debate brasileiro continua centrado no tamanho do
gasto em educação.
Dois meses antes do novo relatório do
Pisa, saiu o ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial. O Brasil
ficou em 81.º lugar entre 138 países. Foi a pior classificação na lista
publicada a partir de 1997. No relatório anterior o País estava na 75.ª
posição. A 48.ª colocação, a melhor, havia sido alcançada em 2012. A recessão
pode ter afetado as duas últimas notas, mas o declínio começou bem antes. Além
disso, o Brasil tem sido regularmente mal classificado em questões estruturais,
como tributação, infraestrutura, educação e formação de mão de obra.
Houve até um avanço no item “educação
superior e treinamento”, mas da 93.ª para a 84.ª posição. Seria um dado
animador num conjunto de mil países. Mas são apenas 138.
As más classificações no Pisa e no
quadro de competitividade são mais que uma casualidade. Além disso, o Brasil,
embora seja uma das dez maiores economias, continua em 25.º entre os
exportadores. Todos esses dados se completam e, é claro, remetem a Condorcet.
É séria, no Brasil, a conversa sobre
igualdade e cidadania?