segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Os desavergonhados - Nelson Mota

"O errado e o malfeito, a incompetência e o desleixo, a estupidez e a má-fé são próprios da condição humana. A diferença está entre os que se envergonham e os desavergonhados. No Japão civilizado, a vergonha é o pior castigo para uma pessoa e sua família, mais temida do que as penas da lei. Homens públicos se suicidam por pura vergonha. Embora seja só meio caminho para não errar de novo, o sentimento de vergonha ajuda a civilizar. Já os que não se envergonham, nem por si nem pelos outros, são determinantes para que suas sociedades sejam as que mais sofrem com a corrupção, a criminalidade e a violência, independentemente de sua potência econômica ou regime politico.

Em brilhante estreia no Blog do Noblat, o professor Elton Simões analisou pesquisas internacionais sobre as relações entre o sentimento de vergonha social e familiar e a criminalidade. Nas sociedades em que a violência e o crime são vistos como ofensas à comunidade, e não ao Estado, em que a noção de ética antecede a de direito, em que o importante é fazer o certo e não meramente o legal, há menos crime, violência e corrupção, e todo mundo vive melhor — por supuesto, o objetivo de qualquer governo. Nas sociedades evoluídas e pacíficas, como o Japão, a principal função da Justiça é restaurar os danos e relações entre as pessoas, e não punir ofensas ao Estado e fabricar presos.

“Existe algo fundamentalmente errado em uma sociedade quando as noções de legalidade ou ilegalidade substituem as de certo ou errado. Quando o sistema jurídico fica mais importante do que a ética. Nesta hora, perdemos a vergonha “, diz o professor Simões. Como os políticos que, antes de jurarem inocência, bradam que não há provas contra eles. Ou que seu crime foi antes do mandato.

Não por acaso, no Brasil, onde a falta de vergonha contamina os poderes e a administração pública — apesar de todo nosso progresso econômico e avanços sociais — a criminalidade, a violência e a corrupção crescem e ameaçam a sociedade democrática. Não há dinheiro, tecnologia, leis ou armas que vençam a semvergonhice. Só o tempo, a educação e lideres com vergonha".

A antiga canção - F. Pessoa

A antiga canção,
Amor, renova agora.
Na noite, olhos fechados, tua voz
Dói-me no coração
Por tudo quanto chora.
Cantas ao pé de mim, e eu ‘stou a sós.

Não, a voz não é tua
Que se ergue e acorda em mim
Murmúrios de saudade e de inconstância,
O luar não vem da lua
Mas do meu ser afim
Ao mito, à mágoa, à ausência e à distância.

Não, não é teu o canto
Que como um astro ao fundo
Da noite imensa do meu coração
Chama em vão, chama tanto...
Quem sou não sei... e o mundo?...
Renova, amor, a lembrada canção.

Cantas mais que por ti,
Tua voz é uma ponte
Por onde passa, inúmero, um segredo
Que nunca recebi —
Murmúrio do horizonte,
Água na noite, morte que vem cedo.

Assim, cantas sem que existas.
Ao fim do luar pressinto
Melhores sonhos que estes da ilusão.



(Fernando Antônio Nogueira Pessoa)

domingo, 13 de novembro de 2011

Colhe todas as rosas que encontrares - F. Pessoa

Colhe todas as rosas que encontrares!
Colhe até as que sonhas; com um laço
De erva comprida prende-as regulares,
E assim, em feixe, traze-as no regaço!

Vem até mim com essas rosas plenas
E eu saberei, entre elas, distinguir
As que são reais, porque são mais pequenas,
E, maiores, as fora de existir.

Mas é com realidade e ilusão,
Com um feixe de flores vindo e dado,
Que conseguimos dar ao coração
O prémio inútil que lhe nega o fado.


(Fernando Antônio Nogueira Pessoa)