quarta-feira, 8 de abril de 2009

A USINA DE BIODIESEL DE MONTES CLAROS-MG (1)

Mais um elefante branco foi inaugurado pela Petrobrás em Montes Claros. Destina-se o empreendimento a produzir biodiesel e a ser, na visão mambembe de Luiz Inácio, um caminho para a redenção econômica e social dos pobres da região. A incapacidade, para não dizer cumplicidade, dos meios de comunicação impede, entretanto, que o povo brasileiro tenha uma compreensão mais clara do significado desta obra. Cumprindo ordens, ao que parece, a contragosto, vindas do Palácio de Planalto a Petrobrás construiu uma unidade industrial que, aparentemente, serviria para viabilizar seus propósitos declarados, mesmo que eles não sejam os que realmente lhe importam.

A má vontade da Petrobrás tem uma razão de fundo, de natureza óbvia: não interessa à empresa a produção de qualquer combustível alternativo ao que ela oferece no mercado e, menos ainda, um sucedâneo ambientalmente correto ao petrodiesel. O óleo diesel produzido por ela, aliás, é da pior qualidade possível conforme é amplamente conhecido. Para se ter uma idéia disto basta verificar o teor de enxofre do “melhor” diesel de seu cardápio – se é que cabe essa licença poética - disponibilizado nas regiões metropolitanas, na razão de 500 partes por milhão: o chamado S-500. O “pior”, então, e mais poluente, é aquele vendido nas rodovias: o diesel denominado S-2000 (ou seja, duas mil partes de enxofre por milhão de partes). Países civilizados operam com o combustível S-50 ou, até, mais limpos ainda. Relembre-se que em 2002 o CONOMA determinou que, a partir de 2009, o combustível sujo que a Petrobrás nos impõe, garganta e nariz abaixo, deveria estar no patamar aceitável do S-50. Mancomunada com os fabricantes de motores aqui estabelecidos, no entanto, empurraram a questão com a barriga, apesar da existência de recursos técnicos e materiais para obedecer àquela recomendação oficial, jogando para as calendas gregas a obrigação de oferecer ao mercado um produto de padrão aceitável. Razões supostamente ecológicas, portanto, nem de longe conseguem pautar o comportamento desta multinacional brasileira, cujos interesses empresariais e corporativos na obtenção do lucro a qualquer preço (mesmo que à custa da saúde de todo o povo brasileiro), estão acima de quaisquer conveniências sociais. O pitoresco Minc – atual ministro do meio ambiente - se vangloria, hoje, de ter obtido dos empresários o compromisso de que cumprirão aquelas exigências (estabelecidas para serem acatadas em 2009), em 2012 (ampliadas, claro, com novos penduricalhos para vender a idéia de avanço e rigor). É bom frisar que os felizes e bem aquinhoados funcionários da Petrobrás participam alegremente dos polpudos lucros obtidos, vê-se como e de que forma (talvez por isso o silêncio de seus quadros funcionais tão politizados e, outrora, tão falantes sobre qualquer dá cá esta palha). Uma singela investigação sobre as vultosas transferências da empresa para entidades como o fundo de pensão dos funcionários, além do generoso “apoio” à companheirada e suas ONG’s através de patrocínios, doações e outros artifícios, legais uns, esquisitos outros (cabe trazer à luz o “presente” recebido por uma dos artífices do mensalão – um tal de Silvinho Pereira – que foi agraciado com um luxuoso carro vindo de uma das “empreiteiras” que prestam “serviços” à Petrobrás), numa demonstração de que há uma teia complexa de interesses de todo tipo gravitando em torno do negócio da energia.

Pois bem, ficando agora tão somente no aspecto ambiental cabe chamar a atenção para a opção de rota adotada pela Petrobrás para produzir biodiesel na usina recém inaugurada. O uso do metanol é mais “econômico” para a empresa, porém, é questionável quando se consideram outras questões. Por exemplo, o metanol é produzido, em geral, a partir de gás natural, que é um combustível fóssil. Ora, se é possível usar um outro álcool – como o etanol derivado da cana de açúcar – de origem renovável, qual a justificativa para a escolha feita? Os riscos ambientais do uso do metanol são imensos e não foram tornados públicos em nenhum momento. Para chegar à usina de biodiesel o metanol viajará aproximadamente mil quilômetros quer seja por rodovia ou por ferrovia. Sabendo todos qual o padrão dos nossos meios de transporte ferroviário ou rodoviário, imagine-se o risco que correrão as populações vizinhas destas estradas com milhões de litros de metanol circulando direto do Rio de Janeiro para Montes Claros (sem considerar os moradores lindeiros à fábrica na própria cidade). Se forem produzidos 50 milhões de litros de biodiesel por ano haverá a necessidade de cinco milhões de litros de metanol para o processo. Se for utilizada uma carreta rodoviária com capacidade de carga de 50 mil litros, estima-se que em cada três dias e meio uma delas estará circulando pelas estradas. Uma verdadeira bomba ambulante pronta para explodir e causar tragédias anunciadas. Metanol, para quem não sabe, é auto-inflamável (pega fogo em contato com o oxigênio da atmosfera) e, antes de matar quem tem contato com ele, provoca cegueira quase que imediata. Se, no entanto, a opção for o trem de ferro, os riscos não serão menores em vista da qualidade do leito ferroviário que atravessa inúmeras grandes cidades ao longo do percurso previsto (Belo Horizonte e parte de sua região metropolitana inclusive). A escolha do metanol é tão mais irracional quando se sabe que o país é um grande produtor de etanol que só não é utilizado por uma sórdida economia de processo (se gasta mais etanol que metanol para se produzir a mesma quantidade de biodiesel). Como os “custos” eventuais de uma tragédia serão assumidos pela população, ora, quem vai se importar com isto? (continua)

terça-feira, 7 de abril de 2009

A VANGUARDA DO ATRASO

Quando o então presidente Sarney era questionado por todos que se queriam progressitas (lá nos distantes idos dos anos 80 do século passado), seu ministro da Justiça declarou em sua defesa: "Sarney é a vanguarda do atraso". O ex-deputado Fernando Lyra, notável parlamentar do que melhor produziu o velho PMDB, se superou nesta incrível definição. Agora, mais recentemente, em crônica publicada em 1/04/2009, o jornalista Diogo Mainardi tece ferinas e lúcidas considerações sobre o atraso em nosso país. Melhor do que dizer qualquer outra coisa é ler o que ele escreveu na VEJA, na íntegra:

"O elogio do atraso

"Nossa maior glória, de acordo com a reportagem da revista The Economist, foi ter permanecido lá atrás. No estatismo. No assistencialismo. No empreguismo. Na agiotagem. Nas negociatas." O elogio do atraso. Quanto mais atrasado, melhor. Há algumas semanas, a revista The Economist analisou o atual estado da economia brasileira. Nossa maior glória, de acordo com a reportagem, foi ter permanecido lá atrás. No estatismo. No assistencialismo. No empreguismo. Na agiotagem. Nas negociatas patrimonialistas do BNDES. Agora tudo isso poderá nos proteger do rombo da economia mundial, causado por aquela "gente branca, loira e de olhos azuis", segundo Lula.
A reportagem da The Economist é ilustrada com a imagem de um homem de bermuda, tirando uma soneca num muro de pedra, diante de uma igreja. Os historiadores sempre associaram nosso atraso ao catolicismo ibérico. Como nosso trunfo é o atraso, a gente tem de ir mais à igreja. A gente tem de resgatar o Tribunal do Santo Ofício. A gente tem de dormir mais. Nosso lugar, como o de Macunaíma, é numa aldeia à margem do Uraricoera. The Economist recuperou o mito modernista do herói indolente e sem caráter, celebrando Mário de Andrade com oitenta anos de atraso. Quanto mais atrasado, melhor. Especialmente no caso de Mário de Andrade.
Coreia, Coreia, Coreia. Nos últimos anos, aconselharam-nos sem parar a imitar a Coreia. Que pegou um monte de dinheiro e o despejou todinho na escola. O único caminho para o progresso, repetia-se tediosamente, era o estudo. Os coreanos fizeram isso mesmo: estudaram. Deu certo por algum tempo. Até a economia mundial desabar. Quando desabou, a da Coreia desabou mais ainda. E o modelo brasileiro, baseado no torpor físico e moral, passou a ser comemorado nas páginas da The Economist. Quem mandou estudar tanto? A Coreia, hoje, tem uma indústria de ponta que compete com a dos países mais ricos, com produtos que ninguém se interessa em comprar. A gente, muito mais folgadamente, recolhe farelo de soja e minério de ferro e sai arrecadando uns trocados por aí. Conselho: estude menos e durma mais.
Há outras áreas em que o imobilismo e o atraso podem nos beneficiar. Neste período de empobrecimento generalizado, em que há maior chance de tumulto social, ter um povo domesticado e acovardado, como o nosso, representa uma grande vantagem. Outra área da qual temos de tirar proveito é o ambiente. Os Estados Unidos se preparam para torrar 150 bilhões de dólares em energia limpa e ineficaz, num prazo de dez anos. Ao mesmo tempo, planejam aumentar todos os impostos sobre as fontes de energia mais poluentes e eficazes. Nós, por outro lado, continuaremos a produzir como sempre fizemos, de maneira porca e barata: ateando fogo no mato e soltando o gado.
Daqui a dez anos, se a economia mundial continuar a se atrofiar, estaremos ainda melhor, colhendo os frutos de nosso atraso. The Economist dedicará mais uma página ao Brasil, numa reportagem altamente elogiosa a respeito de nossas queimadas, ilustrada com a imagem de um homem de bermuda, tirando uma soneca num muro de pedra, diante de uma igreja. E com enfisema pulmonar."

segunda-feira, 6 de abril de 2009

AINDA OBAMA E LULA

Os aduladores de Lula não perdem a oportunidade de puxar-lhe o saco. Os inefáveis teólogos da libertação - Boff à frente - tentam agora vender para o mundo uma aparência edulcorada do atual presidente da república (isto depois de terem dado farta contribuição para lapidar a imagem do tosco pelego sindical durante anos e anos) . Em recente artigo o antigo frade franciscano insiste na idéia de que o presidente americano estaria no mesmo patamar do "colega" brasileiro: Lula defendendo a bandeira dos pobres do mundo e Obama encarnando a bandeira do meio ambiente, ao propugnar por uma economia fundada em novas energias ecologicamente sustentáveis. Na visão bóffica esta seria a dupla dinâmica da atualidade. Os dois seriam "os caras", para parafrasear termos aí em voga.

Forjado na milenar tradição de que miseráveis devem viver de esmolas, nada mais coerente que a defesa de Lula feita por Boff, bem como de seus débeis programas sociais, que nada mais fazem que perpetuar o vasto mercado que alimentou franciscanos e outros confrades seus durante séculos e séculos. Boff conhece bem o mecanismo de extrair sangue de pulga. Toda a vasta e incomensurável estrutura da primeira das multinacionais - a Igreja Católica - foi edificada na base dos tostões de Pedro, diligentemente acumulados em todos os rincões da Terra por mais de dois mil anos. Ele conhece bem a força dos vínculos mediatizados pelas dádivas; a simbiótica relação entre doador e receptor. Esta gente, de fato, ama muito mais a pobreza que os pobres propriamente ditos. Se o mundo civilizado dependesse destes teólogos estaríamos, ainda, na escuridão medieval pedindo bênção aos clérigos e sendo governados por bispos e cardeais.

A descarada tentativa de associar um ao outro, denota a clara pretensão de parasitar a confiabilidade de Obama frente ao mundo. É um verdadeiro passa-moleque no esforço de resistir aos efeitos da modernidade. Do ponto de vista "ecológico" a comparação de Boff assemelha-se à defesa do carrapato; este vai longe, porém, agarrado nas costas do boi. O antigo frade, incapaz de perceber o apreço de Lula pelos banqueiros e pelos magnatas, também não consegue avaliar os danos ambientais pelos quais Lula é responsável no Brasil de hoje (o exemplo mais singelo está na devastação da Amazônia; outro estaria na manutenção da oferta de óleo diesel altamente poluente à frota de ônibus e caminhões, apesar de haver mecanismos de correção que nunca foram adotados por desídia ou por oportunismo). Boff poderia nos poupar de suas platitudes e pedir desculpas pelo que ele foi responsável na ascenção do lulismo ao poder no Brasil. E não ficar querendo ampliar o raio de ação desta gente perniciosa para outros rincões do planeta.

domingo, 5 de abril de 2009

QUEM TEM RAÇA É CACHORRO (João Ubaldo Ribeiro)

"No domingo passado, citei aqui a frase de meu amigo e conterrâneo Zecamunista que hoje uso como título. Ele de fato diz isso, como eu também digo, nas conversas intermináveis havidas com amigos desde a juventude, quando nos ocorre a felicidade de revê-los. Coroas meio ou bastante chatos, compreendemos quando os mais novos nos cumprimentam com a possível afabilidade, depois mantendo prudente distância. Portanto, a maior parte de nossas conversas não passa mesmo do papo de dois velhotes irresignados e rezinguentos, que não sai, e geralmente não deve ou não precisa sair dali, pois costuma ser algo sem o qual ou com o qual tudo permanece tal e qual, como sentenciava minha avó Pequena Osório, a respeito de meus livros.
Mas, no caso, quando estamos ameaçados de ver consagrada nas leis do País a divisão do povo brasileiro entre raças, acho que devemos fazer o nosso papo transcender os limites do Largo da Quitanda, a ágora da Denodada Vila de Itaparica, onde hoje vultos menores, como Zeca e eu, ocupam com bem pouco brilho o lugar de tribunos da plebe legendários, como Piroca (Piroca é um apelido para Pedro, no Recôncavo Baiano; não tem nada demais, é um fenômeno que atinge o nome “Pedro” de forma curiosa; quer ver, pergunte a um amigo americano o que quer dizer “peter”, com P minúsculo) e Zé de Honorina, este negro pouco misturado com branco, aquele mulato. Zé, aliás, um dos homens mais inteligentes, argutos e eloquentes que já conheci – e cito o que se segue como um dado interessante – não tinha muita noção de que era negro e uma vez me pediu explicações sobre “negritude” e “irmandade” entre negros, conceitos que lhe eram pelo menos parcialmente estranhos.
Mas vou deixar de nariz de cera e de vaselina, porque creio que o assunto merece ser tratado na grossura mesmo, como vem sendo por muita gente, em todas as faixas de opinião. Quem tem raça é cachorro (em inglês, breed, não race), gente não tem raça. Não vou repetir, porque qualquer um com acesso ao Google pode se encher de dados sobre isto, os argumentos científicos que desmoralizam a raça como um conceito antropologicamente irrelevante e equivocado, sem apoio algum entre os que estudam a genética humana. Entretanto, o atraso da espécie (ou raça) humana leva a que continuemos a lhe emprestar importância desmedida e irracional, odiando por causa dele, matando por causa dele e até ameaçando o planeta por causa dele. De qualquer forma, incorporando o conceito de raça a seu sistema jurídico, o Brasil estará dando um ridículo (mas de consequências possivelmente temíveis, ou no mínimo indesejadas) passo atrás, mais ou menos como se o Ministério da Saúde consagrasse a geração espontânea de micro-organismos como fonte de infecções.
Mais ridículo e até grotesco é que os defensores do reconhecimento das “raças” que compõem o povo brasileiro façam isso depender de uma declaração ou opção da pessoa racialmente classificada, até mesmo em circunstâncias nas quais essa opção pode não ser honesta, mas apenas de conveniência, como nos casos, já acontecidos, de gente que se considerava branca declarar-se negra para obter a vaga destinada a um “negro”. Ao se verem num mato sem cachorro para definir a raça de alguém, exceto copiando manuais nazistas e tornando Gobineau e Gumplovicz autores básicos para a formação de nossos cientistas sociais, médicos, dentistas, músicos, atletas e profissionais de outras áreas onde as diferenças de aptidão ou fisiologia são “visíveis”, assim como era visível a superioridade dos atletas de Hitler que o negro Jesse Owen botou num chinelo, os defensores de cotas raciais se valeram desse recurso atrasado, burro, grotesco e patético em sua hipocrisia básica. Não há como defender critério tão estapafúrdio e destituído de qualquer fundamento.
Outra coisa chata, enquanto vemos o Brasil querer botar na letra da lei, o que outros países onde houve e há até mesmo apartheid, como nos Estados Unidos, não só de ontem como ainda de hoje, apesar do presidente Obama, fazem força para retirar, é a persistência do que eu poderia chamar de síndrome de Mama África, contra a qual quem eu mais vejo protestar são escritores amigos meus de países africanos, que não aguentam mais ser embolados num mesmo pacote como “africanos”, transformando em folclore disneyano a enorme complexidade cultural de um continente como a África. Burrice falar em “cultura africana”, “comida africana” e similares, em vez de pluralizar essas entidades, porque são plurais. Além disso, nada mais racista e simplório do que achar que os negros são “irmãos”. Os negros são tão irmãos entre si quanto os europeus entre si, ou seja, irmãos em Cristo, tudo bem. Mas o racismo contra si mesmos de muitos que se acham negros insiste em que há essa irmandade. Documentos escravagistas do Segundo Império, no Brasil, recomendavam que se mantivessem escravos de nacionalidades diversas na mesma senzala, porque muitos se odiavam ou desprezavam entre si mais do que ao opressor. Quem já viu um alemão racista olhar um polonês (eslavo, que curiosamente tem a mesma origem que “escravo”) sabe o que estou dizendo. Desumaniza-se o negro, tornando-o imune à baixeza de seus companheiros de humanidade (mas não de raça). Isto, claro, é outra asnice desmentida pelos fatos ontem e hoje. Ontem, quando mercadores negros de escravos vendiam outros negros por eles mesmos escravizados; hoje, quando negros continuam a escravizar negros e a guerrear entre si, exatamente como os homens de outras raças, o que lá seja isso, desgraça de atraso de vida na cabeça das pessoas, triste exemplo de um país misturado pela graça de Deus querer jogar no lixo esse dom inestimável e irreproduzível, “modernizando-se” pela condenação por vontade própria ao que a História não o condenou." (João Ubaldo Ribeiro, em http://almacarioca.net, em 5/04/2009)