terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O TRIO ASSOMBRO

O regime autoritário pós 1964 – tão criticado por aqueles que se julgam paladinos da democracia – deixou-nos dupla herança: uma de coisas boas e outra de coisas atrozes. Este reconhecimento é necessário caso se pretenda fazer justiça histórica àquele período. Algumas das maiores obras de infra-estrutura do país (como a usina de Itaipu, por exemplo), podem ser enquadradas na categoria das coisas positivas, ao lado do arraigado sentimento de nacionalidade e da implantação de processos gerenciais modernos no campo da administração pública. Os generais, no entanto, se traziam consigo o cacoete castrense de rigidez comportamental e de cultivo da hierarquia e da disciplina, não podiam ser acusados de falta de zelo com a coisa pública. Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu, Geisel e Figueiredo foram homens probos e de vida modesta. O único com alguma devoção pessoal extravagante e algo aristocrática (pelo desabrido amor aos cavalos), foi o último deles. Mas ele podia dizer que sua Arma de origem era a Cavalaria, o que justificava seus atos.

Se estiverem estes velhos generais em algum lugar no universo do qual possam observar o Brasil de hoje, eles estarão saboreando o prato frio da vingança contra os que lhes fizeram oposição. Os que os sucederam por mais tempo formam um verdadeiro exército de Cacos (Caco era o rei dos ladrões, na mitologia grega, que teve a audácia de roubar os rebanhos de Hércules). Do lixo político do norte-nordeste vieram os piores deles. O Maranhão brindou-nos com Sarney e sua laboriosa família e extensa famulagem; Alagoas deu-nos o inolvidável Collor (que cometeu a façanha de se permitir cassar por roubalheira tal sua gravidade e extensão); Pernambuco, em íntima associação com São Paulo, imolou no altar da compostura este ícone que nos governa presentemente, na mais sórdida aliança entre os grossos capitais da banca nacional e internacional, e os não menores interesses das corporações de todos os tipos que nos avassalam.

O trio Sarney, Collor e Lula está aí em íntima e operante articulação. São públicos e efetivos aliados no controle da portentosa máquina governamental, da qual tiram fabulosos ganhos materiais e políticos. Os generais, pelo menos, se sucediam e se afastavam do processo governamental quando acabava o seu tempo de serviço. Já a herança maldita deste trio assombro (parida e cevada nos grotões habituais), é como uma craca que não se desgrudam do casco do navio. Agarrou ali, não sai nunca mais. Gulosos e insaciáveis têm no atual presidente a mais perfeita encarnação do ideário que sempre alimentaram: voar pelo mundo e abrigar os amigos nas boquinhas inumeráveis do erário. E para uso externo a mesma concepção: “tudo pelo social”, de Sarney, “o presidente dos descamisados”, de Collor e “bolsa família e inclusão social”, de Lula. A mesma genética política só poderia dar este resultado. Afinal, quem sai aos seus não degenera!

Lula e Obama

Os resultados eleitorais americanos têm provocado curiosas avaliações sobre eventuais paralelismos com outros países. Uma das mais equivocadas refere-se à suposta similitude entre a eleição de Lula da Silva aqui no Brasil e esta recente eleição de Obama. O próprio Lula arriscou esta comparação, insinuando que a eleição de um metalúrgico (ou seja, ele), teria o mesmo valor simbólico da eleição de um “negro” na América. Obama, no entanto, não é negro: é um mestiço ou, como ele mesmo gosta de dizer, um brown (marrom), filho de mãe branca com pai africano (queniano morador eventual nos Estados Unidos onde fazia pós-graduação). Não traz consigo a herança da escravidão sofrida pelos genitores dos negros de diferentes tons que hoje abundam em todo o continente americano e que é peculiar, por exemplo, aos mulatos brasileiros (frutos da miscigenação de pais brancos com mães pretas). A mestiçagem brasileira teve início com o estupro da mulher, inicialmente a indígena e, depois, a africana trazida aos magotes para o novo mundo. Obama é fruto do amor entre dois adultos, não da violência costumeira que preside as relações entre senhores e escravos. Talvez por isso sua compreensão não racializada da política, ao contrário da forma como a compreendem lideranças de outros tempos e lugares.

Obama é egresso da elite pensante americana e, em nada, lembra o atual presidente brasileiro (apesar deste ser egresso de uma elite: a sindical que sempre foi sócia da elite empresarial do Brasil). Ouvir os discursos e tomar contato com os posicionamentos de Obama é um agradável exercício para os sentidos: claro, sereno, inteligente e profundo. Em nada lembra a tronchice usual do mandatário brasileiro. Aliás, a bem da verdade, Lula se parece muito mais com Bush que com qualquer outro líder existente no resto do mundo civilizado. Lula da Silva e George Bush se irmanam, para começar, no desprezo que dedicam ao pensamento e às formas corretas de expressá-lo. Seria uma obra prima, digna de ser exibida no Youtube, um diálogo (?) entre os dois. A mímica seria, naturalmente, usada com largueza. Charles Chaplin e Monsier Hulot morreriam de inveja por não terem inventado algo parecido em suas fantasias cinematográficas. Faz, pois, enorme sentido imaginar algo assim entre os dois atuais presidentes - Lula da Silva e George Bush - em vista de nenhum deles falar o inglês, e muito menos o português. O contato pessoal deles (caso fosse mostrado ao público) ficaria, desta forma, recheado de caras e bocas em profusão, dedos e mãos em diferentes posições e movimentos, guinchos, arrotos e flatulências sem limites, numa composição final onde o grotesco seria, com certeza, o tom predominante, como se estivessem, ambos, sob o efeito da marvada (de cuja devoção nenhum dos dois ficou imune ao longo de suas vidas).