Entrevista de Luiz Werneck Vianna, cientista político e
professor da PUC Rio - ao Estado de S. Paulo - 20/12.
1. ESP - Os vazamentos de delações de executivos da Odebrecht
caíram como uma bomba na classe política. O que podemos esperar da crise, que
parece não ter fim?
LVW - Essas coisas não estão acontecendo naturalmente. Não são processos
espontâneos. A esta altura, a meu ver, não há dúvida de que há uma inteligência
organizando essa balbúrdia. Essa balbúrdia é provocada e manipulada com
perícia.
2. ESP - Mas quem faz isso? O Ministério Público? O Judiciário? Essas
corporações tomaram conta do País. Estão se sobrepondo ao sistema político?
LWV - Sim, claramente. E também ganhando mais poder. Na defesa dos
interesses públicos, reforçam suas conquistas corporativas. Então não se pode
mexer na questão do teto salarial.
3. ESP - Podemos concluir que a crise se
prolongará, já que isso interessaria a essas corporações?
LWV - O fato é que se criou, nesses últimos anos, uma cultura corporativa
muito poderosa. Se você fizer um recenseamento dessas corporações, dos seus
encontros anuais, são milhares de profissionais que anualmente se reúnem em
algum canto, em geral paradisíaco, para definir a sua agenda, do ponto de vista
corporativo. E os partidos não têm penetração, não têm inclusão. São figuras
mantidas à margem.
4. ESP - Os partidos acabaram?
LWV - Não acabaram. Estão aí. Estão muito enfraquecidos e sendo objeto deste
achincalhe.
5. ESP - Mas as posições defendidas por
esses setores têm sustentação na sociedade, não?
LWV - Esse andamento não foi previsto. Foi sendo percebido ao longo do
processo. Uma coisa sabiam: que a conquista da mídia era estratégica. Se você
pegar os textos que embasam as ações da Lava Jato, lá nos escritos do juiz
Sérgio Moro, vai ver a percepção que eles tinham a respeito da mídia como
dimensão estratégica. As ruas foram o inesperado, mas que aos poucos foi se
descobrindo como outra dimensão a ser trabalhada. Então, montou-se uma rede,
que hoje já não atua mais espontaneamente. Esse processo é, a essa altura,
governado. Imprime-se a ele uma certa direção. Agora, para quê, para onde,
acredito que eles não sabem.
6. ESP - O papel dessas corporações teria de ser revisto?
LWV - Só quem pode enfrentar essas corporações é o poder político organizado.
Quando elas são atacadas, se defendem dizendo que na verdade quem está sendo
atingindo é o interesse público. Conseguiram armar esse sistema que as tem
protegido de crítica. A questão (da limitação) dos altos salários, por exemplo.
Dizem que essas não são medidas corretivas, mas sim que penalizam o poder
judicial. Quando eles se protegem da opinião pública mobilizando na outra mão a
Lava Jato, ficam inatacáveis.
7. ESP - O governo Temer sobrevive até 2018? Chegaremos às
eleições?
LWV - Torço para que isso ocorra. Porque a destruição desse governo agora nos
joga nas trevas. Destituí-lo para quê? Para fazer eleição direta? Mas como?
Fazer eleição direta neste caos? Quem vai ganhar isso?
8. ESP - Vivemos uma espécie de “Revolução dos bacharéis”?
LWV - Não, não, não. Tem uma metáfora melhor, a dos tenentes.
9. ESP - Na Constituição faltam controles sobre
essas corporações?
LWV - Em princípio, não. O problema é que as instituições têm de ser
“vestidas” pelos personagens. E, a partir de certo momento, os personagens
começaram a ter comportamentos bizarros. E que têm essa visão iluminada que os
tenentes tiveram, nos anos 20. Só que os tenentes tinham um programa econômico
e social para o País. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas
de uma reforma moral.
10. ESP - Mas o combate à corrupção não é importante?
LWV - Sem dúvida. Agora, política é política. Este Judiciário que está aí
ignora a existência de Maquiavel. Ele se comporta apenas com um ímpeto
virtuoso, um ímpeto de missão.
11. ESP - A atuação dessas corporações
fortalece a negação da política?
LWV - Sim. Elas só existem desse jeito destravado, sem freios, porque as
instituições republicanas recuaram. E o presidencialismo de coalizão teve
responsabilidade nisso. Porque rebaixou os partidos, fez dos partidos centros
de negócio.