O jornal Estado de São Paulo publicou (03/09/2014), a entrevista que segue abaixo, com o ex-diretor da Petrobrás, professor Ildo Sauer. É de se perguntar quais seriam as razões de tão graves denúncias não estarem presentes no horário eleitoral. Dona Dilma, evidentemente, nada responderia se indagada a respeito em algum debate televisivo. As oposições deveriam, então, colocá-las no horário da propaganda eleitoral, em vez de ficarem passando filmezinhos edulcorados (que todo mundo sabe que são fantasias e pura marquetagem), destinados antes de mais nada a enricar produtores de vídeo. Se as oposições pretendem ganhar, o primeiro passo é reforçar o sentimento de rejeição a dona Dilma e seus aloprados corruptos. Quem não vota em dona Dilma de jeito nenhum já deu o primeiro passo para fazer uma escolha mais sensata. Se os tucanos temem mexer no vespeiro do mensalão, exponham simplesmente a coleção de trapaças mais notórias, principalmente aquelas em que a deplorável madame está envolvida diretamente. O carro chefe para se iniciar o embate é a Petrobrás. É incrível que se fique a debater trivialidades sobre técnicas gerenciais e orçamentárias, ou então algum não-me-toques de interesse de alguma minoria, e se deixa passar a oportunidade de mostrar a extensão da nudez de dona Dilma e afilhados. Há indagações incríveis que não têm resposta. Exemplo banal: "Como dona Dilma justifica guardar R$150 mil reais debaixo do colchão? Ela não confia no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal? Por que não depositar em caderneta de poupança, como fazem as pessoas comuns? Aliás, falando em bancos, o presidente do Banco do Brasil, também guarda enormes somas de dinheiro em sapato velho dentro do armário. Dona Dilma não acha isso, no mínimo, meio esquisito?"
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O
senhor teve acesso ao resumo executivo para compra da refinaria de Pasadena
feito por Cerveró?
O
sumário executivo serve como notícia de que há uma pauta. Os membros do
conselho e mais ainda o presidente (do órgão) têm
acesso a toda documentação. E o estatuto permite a ele pedir qualquer
informação adicional à diretoria ou contratar consultoria externa. Ninguém
decide com base em resumo. Isso é uma piada.
A
presidente Dilma Rousseff diz que se baseou em um resumo executivo
"falho" para aprovar a compra da refinaria.
Eu
conheço a senhora Rousseff há pelo menos
14 anos. Ela se notabiliza por procurar um culpado sempre que aparece um
problema. Essa é a competência dela. Ela deve ter visto que havia algum
problema e chutou na canela do Nestor(Nestor
Cerveró, ex-diretor da Área Internacional). Como presidente do
conselho, ela dizer que o resumo executivo era falho é uma piada. O estatuto
diz que é privativa do conselho a decisão sobre aquisição e participações em
empresas.
Como era a relação da presidente com o ex-diretor Nestor Cerveró?
O
diretor é subalterno ao conselheiro. A presidente dizer que era tutelada pelo
diretor, que lhe faltou informações completas, é uma inversão completa da
lógica. Mas não me surpreende. Por que a conduta histórica dela é essa, muito
errática. Quem impediu que a Petrobrás aceitasse o resultado da primeira
arbitragem contra a Astra, quando os belgas fizeram a put option, foi o
conselho (de administração). Isso está
nos autos.
Mas todo o conselho ou só a presidente?
O
presidente do conselho representa o governo dentro da empresa. Os demais
conselheiros são eleitos pelos votos do majoritário, o governo, e pelos
minoritários. Há um ritual de aceitação da superioridade do governo. Quando há
divergência de interesses entre a empresa e a política do governo gera
conflito.
Havia
conflitos?
São
notórias as divergências. Primeiro, as minhas com ela quanto à conduta do setor
elétrico, que virou esse desastre. Também dela com o Gabrielli (José Sergio Gabrielli,
ex-presidente da estatal). O ambiente ficava pesado. Não vou falar
dos outros. Havia uma nítida situação de quem representava quem lá dentro. Eu e
o Estrella tínhamos convicção de que éramos apenas representantes dos
interesses da Petrobrás, seus acionistas e da população brasileira. Nenhum
interesse estava atrás de nós.
E dos demais diretores?
À medida
que foram sendo nomeados despachantes de interesses... É uma pequena ironia.
Quando fui demitido, diz o folclore que o Lula (ex-presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva) se queixou a um deputado que eu não
ajudava e que ele estava muito impressionado com a ajuda de Paulo Roberto, que “ajudava”
muito. Eu não ouvi dele, ouvi de intermediários.
Como assim despachante de interesses?
O
governo de coalizão do presidente Lula passou a permitir que grupos de
parlamentares e partidos se reunissem para indicar dirigentes. Não sei
por que eles estavam lá; se é para fazer gestão eficaz não precisa ter
apoio de partido. Não me envolvia com isso por que não achava que era pertinente.
Acabei demitido por que diziam que eu não ajudava. O que seria 'ajudar', até
hoje eu não sei.
Quando esse processo começou?
O
ambiente na Petrobrás começou a ficar envenenado, em primeiro lugar, nessa
relação conflituosa com o TCU, na definição clara dos papeis de cada um para
evitar a zona de sombra que envolve recursos. Depois, quando o petróleo
explodiu de preço, a Petrobrás passou a investir US$ 30 bilhões, 40 bilhões, 50
bilhões por ano. Então ela virou foco de interesse da chamada base de apoio
político. Leia-se partidos e políticos. Que passaram cada vez mais a querer
indicar dirigentes. O governo de coalizão do Lula aprofundou aquilo que já
vinha do governo Fernando Henrique.
Você percebia essa influencia no dia a dia da empresa?
Não só
sentia como me manifestei publicamente. Em dezembro de 2006 dei uma entrevista
e depois recebi uma ligação do então ministro de Minas e Energia (Silas Rondeau) dizendo
que o presidente da República tinha ficado injuriado e que teria consequências.
Era o período de auge de divergências. Eu disse (na entrevista) que quem criticava minha gestão é quem
não entendia o papel do dirigente de uma empresa pública. Aqueles que me
criticam, exigindo a venda gás pela metade do custo para fazer uma usina no
Ceará, como era a pressão do governo na época, na verdade queriam converter o
dirigente num despachante de interesses.
O
que disseram após a entrevista?
Avisaram
que isso não era tolerável. Fiz isso publicamente, pois internamente não tinha
mais sentido manifestar a minha convicção. Ouvi da própria Rousseff: “O Ildo
não é do governo, ele é um petroleiro”. Que lambança é essa? Não tem
divergência nenhuma entre defender a Petrobrás, para que funcione como empresa,
e ajudar o governo, desde que o governo queira fazer o que precisa ser feito.
O senhor tinha conhecimento de irregularidades?
Quando
isso acontece, acontece com muita sutileza. O despachante é bom quando faz tudo
e nada transparece. Parecia que aquilo de fato era o que precisava ser feito.
Examinei Pasadena com todo rigor em termos técnicos e empresariais. Agora se
havia alguma coisa escondida... Cabia ao conselho fiscalizar os diretores. Não
os diretores olhar com desconfiança os colegas. É evidente que tendo em vista a
história anterior dos gestores, tinha que olhar com todo o rigor.
As
indicações políticas influenciaram o negócio de Pasadena?
Quem
pode responder são os próprios gerentes que fizeram as negociações ou uma
investigação policial em torno das negociações e, eu sugiro, lá fora. Se houve
algo de errado, então o Ministério Público e a Polícia Federal tinham que
investigar quem fez, e não generalizar.
Há politização das investigações de Pasadena?
O que
não entendo é por que abrir uma questão sete anos depois do ocorrido? Esse
procedimento abre um precedente extremamente grave na gestão de empresas
públicas. Nenhum dirigente sério e competente vai querer assumir em um ambiente
desse tipo e vão para lá os despachantes de aluguel, os que alugam crachá para
fazer qualquer coisa, como aquele que está na cadeia hoje.
É
um desafio diferenciar a sua conduta à do ex-diretor Paulo Roberto Costa?
Não há
nenhuma dificuldade. Quem junta os diferentes em um lugar só é esse relatório
do TCU, que não examinou individualmente a responsabilidade de cada um.
Eu e o Estrella (Guilherme Estrella, ex-diretor
de Exploração e Produção) estamos muito mais distantes do assunto
do que o Conselho de Administração (eximido
de responsabilidade pelo Tribunal).