A chacina de nove negros em uma igreja de
Charleston, no estado da Carolina do Sul, há uma semana, por um assumido
supremacista branco, gerou algo que acontece em situações extraordinárias hoje
nos EUA: espírito bipartidário.
Por
pressão dos fatos e bom senso, a Carolina do Sul se movimenta para remover a
bandeira de batalha da Confederação do terreno de sua assembleia legislativa
estadual. Nostalgia do “estilo de vida” do velho sul não deve ser desfraldada.
Bandeira dos estados sulistas na guerra civil americana do século 19 é artefato
de museu. Vamos esperar que o mesmo aconteça no Mississippi, onde o símbolo
heráldico faz parte da bandeira estadual, único estado com esta afronta.
Empresas também anunciaram que não mais venderão a mercadoria confederada.
Existe
uma reação em cadeia no país contra penduricalhos e estátuas da era
confederada. Motivo para orgulho da herança? Como reconheceu na terça-feira o
senador estadual republicano na Carolina do Sul, Paul Thurmond, “nossos ancestrais
estavam literalmente lutando para manter seres humanos como escravos. Eu não me
orgulho desta herança”.
A bandeira hoje é uma declaração de resistência contra avanços
raciais. A Carolina do Sul foi o primeiro estado a deixar a União em 1860. A
população do estado nos últimos dias se rebelou contra o racismo e deu um
comovente exemplo de solidariedade às vítimas do massacre. O rapaz supremacista
queria gerar desunião. Matou nove pessoas, mas, sorry pelo trocadilho, em termos de impacto
o tiro saiu pela culatra. O gesto das famílias das vítimas de oferecer perdão
ao assassino foi simplesmente pungente.
Nas
franjas da sociedade americana, ainda existe racismo acintoso e violento.
É verdade que tem crescido nos últimos 15 anos com a mobilização do
movimento supremacista branco, mas agora foi esta reação de um país unido no
luto e na indignação. E para onde vamos? Espírito bipartidário e solidariedade
nacional são bandeiras raramente desfraldadas nos Estados Unidos da América,
país também conhecido como Tribos Desunidas da América.
É a
polarização familiar dentro da nação. Claro que se cutuca de um lado para o outro.
Gente mais conservadora é rápida no gatilho para salientar que o garoto
assassino é uma exceção. Gente mais liberal rebate que existe alarde com o
terrorismo islâmico, mas e o terrorista racista? Conservadores batem na tecla
de que não existe apenas o racismo dos brancos. A réplica é que nada se compara
ao fardo do racismo dos brancos. Ele está no DNA da nação, como lembrou o
presidente Obama.
E neste
caso da Carolina do Sul impressiona a polarização na questão de armas, a outra
bandeira nos debates, além de raça. Existe tribalismo no debate. É verdade que,
na sua maioria, os americanos se revelam mais hostis ao controle de armas,
embora aceitem algumas medidas tímidas como mais checagem de antecedentes
criminais. Há mais disposição para a posse de armas para a autodefesa, numa
ansiedade que mistura raça e classe em um país com queda significativa do crime
violento desde os anos 90, mas com concentração expressiva de criminalidade na
minoria negra, cuja renda está abaixo da média nacional.
É
interessante ver o tribalismo quando os americanos são perguntados se manter
uma arma de fogo em casa resulta em mais segurança ou mais perigo. O Gallup tem
feito as mesmas perguntas por anos. No ano 2000, por uma margem de 44% a 28% em
relação aos democratas, os republicanos diziam que arma em casa dava mais
segurança.
Em
2008, antes da eleição de Obama, as coisas se equilibraram um pouco (53% a
41%). Mas, agora, o fosso é imenso. Os democratas continuam na cifra de 41%,
enquanto ela disparou para 81% entre os republicanos.
Outros
sinais de tribalismo estão na pesquisa Pew. O dobro de brancos em relação a negros
e latinos dizem ser mais importante proteger o direito às armas do que o
controle ao acesso. Geografia também é fator. Americanos sulistas e de áreas
rurais são mais chegados a armas do que moradores de áreas urbanas no nordeste.
Quanto maior a escolaridade, menor a simpatia por armas.
Será
difícil desarmar este espírito tribal, mas pelo menos a bandeira está indo
abaixo.