quarta-feira, 25 de maio de 2011

ESCOLAS FEIAS, ESCOLAS BOAS?

(Autor: Professor e economista da educação Cláudio Moura Castro)


"Ao subir as escadas da escola primária, cresceu nossa surpresa. Que mensagem os funcionáriosdo Ministério da Educação de Cuba estavam tentando nos passar? Por que diabos escolheram uma escola tão mal-tratada para ser visitada? O edifício é de estilo “moderno” e lembra a arquitetura dos dos anos sessenta. Mas se foi construído de forma lambona, a manutenção foi pior ainda. Melhor dizendo, nunca ocorreu. Os corredores estão imundos, as salas de aula quase em ruinas e o escritório do diretor em mau estado. Nem os professores e nem o diretor tinham um aspecto bem cuidado ou estavam bem vestidos.

A escola secundária reflete um passado mais magestoso. Tinha sido uma escola de freiras, servindo à aristocracia local. A construção é espaçosa, os tetos são altos e, realmente, o prédio oferece tudo que uma escola séria deveria ter. Exceto manutenção. O chão perdeu todos os vestígios de cera. As carteiras e cadeiras estão em um estado lamentável, quebradas, arranhadas e implorando reparos. As janelas das salas de aula há muito tempo não existem, quando chove, também chove dentro das salas de aula.

Os laboratórios realmente existem, para nossa surpresa. O laboratório de física é uma coleção de instrumentos da Polônia, Checoslováquia, Hungria, Rússia e Espanha. Estão operacionais, mas não causam muito entusiasmo. A biblioteca exibe, na sua maioria, livros velhos, alguns muito velhos. Têm também uma inesperada coleção de livros de literatura clássica brasileira, mas a da Rússia é maior ainda. De livros novos, somente algumas publicações da UNESCO. No geral, as escolas não estavam particularmente limpas, estão duramente maltratadas e não vêm recebendo nenhuma manutenção há muito tempo.

Estes são os últimos lugares onde podíamos esperar ver uma boa educação. Faz sentido, má manutenção anda lado a lado com má instrução.

Como uma educação séria pode acontecer nesses lugares tão desleixados? Entretanto, a dedução acima está frontalmente errada. Estas são as escola cubanas que obtiveram pontuações muito acima das outras de todos os países da América Latina, na pesquisa da OREAL/UNESCO em dez países. Realmente, enquanto Brasil, Argentina e Chile empataram em segundo lugar, Cuba foi o país vencedor, por uma sólida margem. Em outras palavras, gostemos ou não, a educação de Cuba é a melhor da América Latina.

As duas escolas foram selecionadas, de última hora, para a nossa visita, porque eram as mais perto de onde nós estávamos na hora do almoço. Tudo indica serem amostras representativas das escolas cubanas. De acordo com os próprios professores, nem melhores, nem piores. Como é que os cubanos conseguem ter a melhor educação latino-americana? Nossa visita indicou que não há segredos, mas a simples aplicação de bom senso e, sobretudo, muita dedicação.

A Escola Primária (1a. à 6a. série)

Mais ou menos a metade de aproximadamente um milhão de crianças com até cinco anos de idade freqüenta algum tipo de pré-escola. Trata-se de uma taxa muito alta, sob qualquer ponto de vista. Segundo os professores entrevistados, as pré-escolas enfatizam sobretudo o brincar. No entanto, os alunos aprendem também o alfabeto. Alguns aprendem a ler, sem pressões ou a presença de um currículo para ser seguido rigidamente. A escola primária tem 5 ou 6 horas de aula todos os dias. Quando incluimos os esportes, a presença na escola chega perto das 8 horas, em ano escolar que dura aproximadamente 200 dias.

Este é o segredo número um da educação cubana: muitas horas na escola. Aqui está em vigência a teoria simples de que quanto mais se estuda, mais se aprende. Ao que parece, o total de horas escolares por dia é muito maior que em qualquer outro país da América Latina.

Há 20 ou 30 alunos por turma. Este é o padrão para as escolas ocidentais (contrastado com os 40 alunos por turma da Coréia e Japão). A escola visitada perde não mais que 1% de seus alunos nos primeiros seis anos. A evasão é residual e tem a ver com a mudança dos pais para outro lugar.
Reprovações e repetência de ano simplesmente não acontecem (as estatísticas nacionais mostram proporções de 1.9%, 2,8% e 1.8% para as escolas primárias, médias e secundárias, respectivamente). No final do 4o ano, há um teste que todos os alunos tem que passar. Pelo que os professores dizem, todos que apresentam resultados normais em testes de QI não tem nenhuma razão para falhar. Se o interesse dos alunos está diminuindo (ou se são preguiçosos, uma expressão que os pedagogos não gostam muito), os professores procurarão alguma coisa que lhes interessem. As aulas estão sintonizadas com as necessidades individuais dos alunos.

Mas além disso, os professores alegam que há uma forte pressão social para fazer as coisas bem feitas na escola, já que isso é o orgulho nacional, uma das áreas em que Cuba tem se apresentado melhor. De fato, através de conversas aqui e acolá, dá para acreditar na força da pressão social por educação em Cuba.

Ao terminar o primário, os alunos são automaticamente matriculado na escola secundaria mais próxima. É dado por certo que todos os alunos passarão para a escola secundária. Tentamos sondar os professores e os diretores sobre as modas pedagógicas. Que tal Vigotsky, perguntamos, para ver a que grau o grande guru da América Latina havia alcançado a ilha?
De fato, havia desembarcado. Mas os professores não estavam cativados ou hipnotizados por ele, no mesmo paroxismo observado no território continental. Tais modas pedagógicas não haviam eletrizado os professores com que conversamos. Entenderam Vigotsky dizer aos professores que tentem fazer os alunos descobrir o mundo, que o explorem, que tentem encontrar suas próprias soluções para os problemas. Mas não virou religião. Os professores indicaram que a “leitura fluente” é o maior objetivo nos anos iniciais. Querem assegurar que as crianças possam dominar essa habilidade que é a mais central da educação. Nada a discordar.

A Escola Média (7a. à 9a. série)

A escola média é organizada com um único formato, com todos os alunos estudando as mesmas onze matérias. Esse número excessivo de disciplinas é claramente antiquado, já que a nova tendência mundial é oferecer menos disciplinas com mais profundidade. Esta tendência parece ser levada em conta no novo programa experimental que está sendo experimentado em 280 escolas médias cubanas. Nessas escolas, Espanhol, Matemática e História recebem muito mais atenção. As disciplinas restantes se tornam “subordinadas” às três. Pelo que entendemos, irão apoiar as três principais disciplinas, por via de uma cooperação interdisciplinar.

Foi muito instrutivo ver como as aulas de ciências são ministradas. Os alunos tem três horas de física por semana e boa parte desse tempo é gasto no laboratório. Os alunos fazem experiências, utilizando equipamentos modestos. Por exemplo, aprendem a Lei de Ohm conectando uma fonte de força a um amperímetro e uma lâmpada. As medidas dos alunos devem confirmar o que a fórmula matemática teria previsto.

Todos os alunos têm duas horas de informática por semana. A terrível pobreza que se manifesta no mau estado de reparação dos edifícios mostra sua cara no laboratório de informática. Há meia dúzia de computadores. Quatro são MSX, uma tentativa falida da Microsoft para criar um sistema operacional para computadores escolares ou caseiros. Seu fracasso e abandono aconteceu em meados dos anos oitenta. Os computadores que vimos são programados por gravadores de fita e usam televisores velhos como monitores. Os outros dois computadores são os primeiras modelos MS-DOS. Não há impressoras operacionais. Os alunos aprendem a trabalhar no DOS e no WordStar. Não há nenhum esforço para ensinar a usar os dez dedos no teclado. Na realidade, os rapazes acham que datilografia é uma atividade feminina. No geral, os esforços com a educação informática são plenamente frustrados pelas deficiências de hardware.

Foi curioso ver o termo “aprendizagem frontal” sendo usado. Entendo que foi E. Schiefelbein quem o fez popular. E o termo foi igualmente usado em um tom crítico. O professor de física afirmou que alternava aprendizado frontal com experimentos de laboratório.
Espera-se que todos os alunos tomem parte na “educação para o trabalho”. Isso soa como uma relíquia da influência soviética, ou talvez, uma relíquia ainda mais velha dos “trabalhos manuais” da educação ocidental. Todos os alunos, homens e mulheres, cursam um ano de desenho. No ano seguinte, há um pouco de talha em madeira, usando os modelos desenhados no primeiro ano. Este curso é também para ambos os sexos. No terceiro ano, os garotos vão trabalhar com madeira e as moças para a costura. Na realidade, as escolas russas de hoje já avançaram muito mais, tendo uma variedade muito maior de atividades e menos delimitação de gênero nas opções.

O dia escolar é ainda mais longo que no primário. Os alunos chegam na escola as 7:30, almoçam entre 12:30 e 2:00, e saem da escola as 5:30 da tarde. No geral, oito horas e meia na escola, dez meses por ano. As tardes são menos acadêmicas, com esportes, visitas ou outras atividades mais leves.

Os estudantes devem passar mais ou menos uma hora adicional em casa fazendo pesquisas e projetos especiais. Isto chega perto das dez horas diárias de educação, durante um longo ano escolar.

A nota média dos alunos no final do 9o ano tem um papel forte na determinação do tipo de educação secundaria que os alunos cursarão. Notas altas significam um acesso mais fácil às carreiras pré universitárias, as mais desejáveis para pais ambiciosos. Aqueles que têm notas mais baixas serão matriculados em algum dos vários cursos técnicos, uma coisa que nem todos os pais gostam, mas parece que não lhes resta muito a fazer.

Escolas como Instituições Totais

Os cubanos seguem a tradição russa de fazer das escolas instituições totais. As escolas exercem muitas funções, incluindo educação, saúde e lazer. A educação cívica recebe muita atenção. É curioso notar que o “anti-imperialismo “ é listado como um dos valores cívicos a ser desenvolvido pelas escolas. Há um médico e uma enfermeira responsáveis pela escola. Os alunos têm a sua saúde geral checada cada semestre e, cada semana, escovam seus dentes com flúor. Também nessa época verificam se têm piolho. Altura e peso são periodicamente medidos, para assegurar que os alunos estão bem nutridos e saudáveis. As vacinações são igualmente feitas na escola.

O almoço oferecido pela escola parece ser objeto de muita preocupação, para assegurar que o menu esteja nutritivamente balanceado. Usa-se muito os derivados de soja, para equilibrar o conteúdo de proteína. A escola recebe comida do governo e a prepara de acordo com um menu semanal. A presença de leite e arroz é cuidadosamente balanceada para assegurar uma nutrição apropriada. Obviamente, o almoço é grátis.

Cada ano os alunos recebem um conjunto grátis de livros que devem ser retornados no final das aulas. Os professores fazem uma estatística aproximada de quatro anos de vida útil para os livros. No principio, os livros vinham da Rússia. Atualmente, Espanha e México são os principais fornecedores. É interessante contrastar os altos gastos na compra de livros, com extremo estado de deterioração em que se encontram os prédios e equipamentos. Em outros países, a maioria das administrações escolares presta mais atenção aos edifícios que aos livros.

No começo das férias, os pais são convocados para uma reunião com os professores. A presença dos pais é considerada importante para assegurar que os alunos não faltem às aulas. Qualquer estudante que falte mais que dois dias provocará uma visita a sua casa. Os professores alegam que as relações com os pais são fáceis e cooperativas. Em outras palavras, o medo comum de que os pais se choquem com as doutrinas e orientações pedagógicas é negado por esses professores e diretores. Todos os dias, os primeiros dez minutos de aula são dedicados ao hino nacional, moral e cívica, diálogos e assuntos organizacionais. Os pais são convidados a participar.

Em um claro ato de fidelidade ao modelo escolar russo, as atividades do Programa Pioneiro ainda podem ser vistas nos quadros de aviso. Isso indica que o programa sobreviveu à saída precipitada da assistência técnica russa, depois da desintegração da União Soviética. Seguindo a mesma tradição russa, os alunos passam um mês em acampamentos, colhendo laranjas ou trabalhando nas plantações de cana de açúcar ou tabaco (a participação na colheita da cana e tabaco não funcionou, devido às exigências de destrezas não possuídas pelos alunos). Os professores alegam que os alunos amam o acampamento, de resto, mais do que eles, já que se tornam babás e mães de trinta alunos durante um mês.

Igualmente remanescente da influencia soviética são os mutirões de trabalho para limpar as escolas durante as férias ou consertar os seus móveis. Tudo isso vai muito na linha dos objetivos Marxistas-Leninistas de criar um novo ser humano e de combinar o trabalho físico com o intelectual. Minha própria observação é que na Rússia os resultados não são muito impressionantes.

Como um comentário à margem, lembrei-me dos meus dias de Brasil (no início dos anos oitenta) quando estava envolvido na política da merenda escolar e testemunhei a forte oposição da esquerda à todas as tentativas de usar alimentos enriquecidos e preocupar-se com nutrição. A principal razão é que a comida enriquecida era produzida por indústrias privadas, enquanto a comida natural podia ser comprada de pequenos produtores. O abandono da “vaca mecânica”, uma máquina para a preparação do leite de soja, foi comemorado pela esquerda como uma grande vitoria. A “vaca mecânica” foi morta pelo Presidente Figueiredo que estava inaugurando uma nova instalação e provou o leite de soja. Parece que a mistura não estava ainda pronta e Figueiredo fez uma careta à frente dos jornalistas presentes e da televisão. Todavia, quando Fidel Castro visitou Brasil um pouco depois, adorou a “vaca mecânica” e quis importar algumas para Cuba, criando um certo embaraço para a esquerda. Como reconciliar o descaso pelas refeições nutritivamente balanceadas e alimentos enriquecidos quando “El Comandante” os estava elogiando? Como ficavam todas as comemorações pelo sucateamento das “vacas mecânicas”, se Fidel queria levar de volta para Cuba as que soube estar abandonadas?

Os alunos ganham larga experiência no trabalho manual, mas não necessariamente o respeitam, gostam dele, ou vêm uma clara conexão com o trabalho intelectual. Será que Cuba consegue melhores resultados?

Os Professores

Todos os professores têm um diploma de educação superior, obtido após cinco anos em uma instituição especializada na preparação de professores. Este alto nível de escolaridade contrasta fortemente com a maioria dos países Latino Americanos. No regime de trabalho do professor, é de se notar também algumas diferenças notáveis com relação às escolas Latino Americanas. Os professores cubanos são contratados por 40 a 44 horas por semana e espera-se que ensinem de 16 a 20. São reservadas, portanto, 20 horas para preparar as aulas e interagir com os alunos. As salas de professores estão disponíveis para estas atividades extra-classe. Espera-se que, de fato, os professores permaneçam as 40 horas na escola. E o que é mais importante para a qualidade do ensino, boa parte da preparação das aulas e materiais pedagógicos em regime feita em colegiado. Os professores discutem e debatem seu trabalho entre si, bem como suas estratégias e seus problemas.

Tendo tanto tempo a sua disposição, os professores têm excelentes possibilidades de aumentar o seu nível de educação. De fato, é permitido que dediquem um dia por semana para o seu aperfeiçoamento profissional. Na escola secundária visitada, todos os 59 professores tinham feito cursos de pós-graduação (embora nenhum tenha terminado o mestrado). Além da possibilidade de alocar parte das 40 horas para o estudo, os cursos de pós-graduação conduzem a um adicional de salários, criando um grande incentivo para continuar os estudos. Os salários dos professores são sempre uma dimensão crítica para explicar o êxito ou fracasso das escolas. Pelos padrões internacionais, os professores cubanos recebem salários miseráveis.

Eles começam com 235 Pesos, para professores primários, e alcançam um máximo de 600 para aqueles que se tornam diretores. Convertendo em dólar, o nível mais baixo corresponde a 10 dólares por mês. Entretanto essa conversão monetária tem que ser vista com muito cuidado, já que Cuba tem uma economia monetária dupla. Os professores, como a maioria das outras pessoas, permanecem no antigo sistema de economia soviética. Pagam de um a três dólares pelo aluguel, têm educação e seguro de saúde grátis. A comida é comprada através de uma caderneta que especifica as quotas permitidas para cada alimento. Em conversas informais com cubanos, o maior problema é a comida, já as quotas são realmente parcas e não há muita variedade. Todos concordam que aqueles cubanos vivendo na economia do Peso – a maioria - têm uma vida espartana, mas têm o básico para sobreviver. De fato, são menos propensos a reclamar publicamente do que os russos ao final da era soviética.
Mas inevitavelmente, o drama começa quando essa economia cruza com a economia do dólar, hoje totalmente legalizada. Um professor tem que trabalhar mais que dois dias para comprar uma Coca-Cola. Comprar um sorvete para um filho no fim de semana já é uma extravagãncia. Um almoço simples em um restaurante de turistas, ou uma corrida de taxi, custam o equivalente ao salário mensal de um professor. Como a economia do dólar fica cada vez maior, a coabitação dos dois sistemas se tornará crescentemente tensa e desconfortável, já que pessoas com menos escolaridade e menos talento recebem de vinte a trinta vezes mais que um professor ou um médico.

Mas a questão relevante aqui é que exceto para os que operam na economia do dólar, todos ganham quase o mesmo. Um engenheiro receberá mais ou menos 300 a 400 Pesos. Um médico de família recebe 430 Pesos. O que significa que os professores não estão em desvantagem, em comparação com outros profissionais, alguns até com mais diplomas. Quando adicionamos essa relativa igualdade com a importância dada á educação, é razoável pensar que a educação consegue atrair um boa parcela dos jovens talentosos que se formam nas escolas secundárias.

Não é um aspecto trivial, até mesmo em países industrializados. Isto é talvez uma das mais críticas vantagens das escolas cubanas.

Outro fator crítico é que o pagamento do professor está de alguma forma relacionado com o desempenho dos seus alunos. Aqueles professores cujos alunos fracassam, obtendo notas abaixo das normas, arriscam-se a perder os seus suplementos de salário. Diretores e um comitê de professores examinam a performance dos alunos, medida nas provas (que são as mesmas para toda a escola), e concedem os complementos salariais aos professores cujos alunos se saem bem. Isto é pagamento por mérito, um dos mais persistentes desafios para qualquer sistema educacional.

De uma visita rápida pode ser imprudente tirar tantas conclusões. Entretanto, há um fato claro: Cuba tem um sistema de pagamento por mérito, enquanto outros países discutem, brigam e terminam atolados em infidáveis discussões.

Os professores das escolas primárias ficam com a mesma turma durante os quatro graus iniciais.Nas duas séries seguintes, a turma passa para um segundo professor. Isto significa que os professores podem melhor conhecer seus alunos, podem adaptar sua instrução a cada um, e podem reagir às necessidades emocionais e intelectuais de cada um deles. Um bom professor investirá quatro anos no desenvolvimento de cada aluno, podendo, portanto, apreciar o progresso e lidar com os problemas encontrados. O lado o negativo é que um mau professor terá efeitos devastadores nos seus alunos. Mas outra vez, o lado bom é que qualquer que seja o impacto, ele está bem documentado e somente pode ser atribuído ao professor.

Na medida em que haja mais que um aluno prejudicado pelo desempenho deficiente de algum professor, isto se torna dolorosamente claro para todos. Portanto, trata-se de um sistema onde os professores realmente têm que prestar conta do seu desempenho. Não surpreende que uma alta dedicação por parte dos professores seja um dos pontos fortes do sistema cubano. A combinação da necessidade de prestar contas com o prestígio social da educação é uma fórmula poderosa. Feia mas boa! Que as escolas cubanas são boas, já sabíamos, através dos resultados dos estudos da UNESCO/OREALC.

A pergunta que restava é por que elas são boas. Uma rápida visita a duas escolas não é certamente uma credencial confiável para alguém discutir por que as escolas cubanas são boas. Mas por que não especular?

O primeiro choque foi a aparência física. As escolas são feias. Estas visitas demonstraram que escolas feias podem ser boas, talvez uma surpresa. Até aí, nada que ajude a entender. Mais claramente, estas escolas devem estar fazendo alguma coisa certo. Passemos a rever algumas das explicações mais razoáveis:

1. Quanto mais se estuda, mais se aprende. Os estudantes cubanos passam uma extraordinária quantidade de tempo na escola. Realmente, pouco tempo sobra para fazer qualquer outra coisa. Ademais, há muita pressão social para atingir esses objetivos. Educação é um componente central da sociedade cubana.

2. As escolas são capazes de individualizar a instrução para cada aluno. Os professores tem uma hora adicional na escola, para cada hora em sala de aula, podendo, portanto, dedicar-se mais aos seus alunos. Eles podem usar esse tempo um atendimento individualizado e ensinando a cada aluno o que quer que seja mas apropriado a cada um (com uma relação de 1 professor para cada 11 alunos em Cuba, o professor tem bastante tempo para cada aluno).

3. Os professores são bem recrutados e bem treinados. A educação tem um alto reconhecimento social e paga o mesmo que outras carreira superiores. Os professores não estão em desvantagem comparados com outros profissionais. Portanto, o recrutamento de professores pesca bons candidatos. Além disso, em uma sociedade com altos níveis de escolaridade, os professores são treinados por um longo período de tempo.

4. Prestação de contas por parte dos professores. Os alunos são avaliados e o professor tem que prestar contas do desempenho deles. O pagamento depende da competência de cada um para impedir um desempenho insuficiente dos seus alunos. Em outras palavras, como um economista diria, a estrutura de incentivos está correta. Quem se sai mal, paga seus pecados no salário do fim do mês.

5. A escola é uma instituição total. É muito central na vida dos alunos. Captura o tempo e a imaginação deles. E lida, igualmente, com todas as suas necessidades. Em contraste com essas dimensões altamente positivas, as escolas cubanas são bastante convencionais nos seus modelos de ensino. Oferecem um ensino sólido, mas não inovador. E, como mencionado, o fato das instalações serem particularmente inadequadas não parece fazer qualquer diferença, em um país onde é deplorável o estado geral de manutenção dos edifícios. Uma forte preocupação é saber se Cuba pode continuar gastando 10% do seu PIB na educação, considerando o pouco que ela parece ajudar em economia travada por razões outras.

Quais são as lições que poderiam servir para os outros países Latino-americanos?

1. Mais horas de presença na escola é certamente uma lição fácil de deduzir. As crianças latinoamericanas não passam um tempo suficiente na escola. Entretanto, manter professores tempo integral é caro, muito caro mesmo. Neste momento, seria impossível para qualquer pais latino americano praticamente dobrar o número horas contratadas com seus professores, embora quaisquer esforços para aumentar a jornada de trabalho provavelmente dariam resultados significativos.

2. Recrutando melhores professores é uma outra área onde Cuba se destaca e onde os outros países latino americanos poderiam se sair melhor. Há um número de possíveis estratégias para fazer isso. Mas nem é possível diminuir os salários de outras profissões e nem aumentar os salários dos professores para níveis que fariam a profissão muito mais atraente. Algum aumento de salário faz sentido, quando nada, eles atenua as confrontações com sindicatos e reduz as perdas de tempo de estudo devidas às greves.

3. Aperfeiçor a preparação dos professores é certamente possível e desejável. No presente momento, ninguém na América Latina parece concordar com a melhor fórmula para formar professores. Mas quase todos concordam que é importante fazer alguma coisa e que as experiências mais bem sucedidas devem ser replicadas.

4. Tornar os professores responsáveis pela performance dos seus alunos é o sonho de muitos administradores educacionais. Os cubanos parecem fazer isso bem. Mas essa é uma área politicamente eletrizada. Os sindicatos de professores tem posições ferozes contra quaisquer dessas políticas. Experimentos aqui e acolá (por exemplo, no Chile) estão começando a acontecer, mas os resultados permanecem inconclusivos.

5. O uso de mais instrução individualizada é uma alternativa atraente. As novas modas pedagógicas vão nesta direção. Mas a sua implementação certamente requer mais tempo dos professores. Em muitos casos, isto até seria possível.

6. Finalmente, há a política de valorização social da educação, aumentando a consciência pública do que acontece na escolas e envolvendo a sociedade nesse apoio. Essas são medidas que podem ser adotadas e, de resto, tem tido sucesso em outros lugares (como por exemplo, o esforço de Minas Gerais de aumentar a participação dos pais na vida da escola).

Este trabalho não precisou mostrar que a educação de Cuba é boa. Os dados empíricos da OREALC sobre o rendimento superior dos seus alunos mostram isso de forma mais eloqüente e confiável. Apenas tentei especular sobre os porquês da boa educação em Cuba. Nas minhas visitas, o que vi foi uma dose salutar de bom senso e soluções convencionais aplicadas por professores sérios que têm muito tempo para dedicar aos seus alunos e muitos incentivos para fazê-lo. E tudo que acontece na escola, se dá durante uma jornada escolar muito longa. Este trabalho é o resultado de duas visitas a escolas e conversas alguns com poucos cubanos e com estrangeiros que conhecem o país. Obviamente, não fiz uma pesquisa acadêmica séria. Meus propósitos foram mais modestos e não visam mais do que convidar aos leitores a pensar na educação latino americana e especular acerca do que podemos aprender com Cuba."

segunda-feira, 23 de maio de 2011

OS AIATOLÁS DO IDIOMA

OS AIATOLÁS DO IDIOMA (Por Augusto Nunes, da Veja, em 22/05/2011)


“A Ação Educativa, irmandade que congrega a turma que acha que falar errado está certo, divulgou uma Nota Pública em que agradece “o apoio da comunidade científica e dos especialistas no ensino da língua” ao livro “Por uma vida melhor”, também conhecido como “Nós pega o peixe”. Ainda grogues com a vigorosa reação dos brasileiros sensatos, os aiatolás do idioma resolveram fazer de conta que ganharam a briga para não perder o acesso aos cofres do MEC, que publica essas lucrativas vigarices com o patrocínio involuntário dos que pagam impostos. Vejam a nota que viola o artigo 171 do Código Penal. E leiam em seguida outro merecidíssimo corretivo aplicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva. Assim será até que a turma que deseduca aprenda que o dever de um professor é ensinar. (AN)

NOTA PÚBLICA (divulgada pela Ação Educativa em defesa da obra “Por uma vida melhor”)

Alguns dias depois do início da polêmica em torno de uma frase retirada da obra “Por uma vida melhor”, o debate ganha argumentos mais qualificados na imprensa. Autores como Marcos Bagno (UnB), Sírio Possenti (Unicamp), Carlos Alberto Faraco (UFPR), Magda Soares Becker (UFMG) e tantos outros vieram a público se posicionar sobre a polêmica, que classificaram como “falsa” e “vazia”.

Com exceção de alguns que insistem em insinuar que o livro “ensina errado”, parece ter ficado claro à opinião pública que o objetivo da obra é ensinar a norma culta, sim, mas a partir da consideração de variantes populares do idioma que o adulto traz consigo ao chegar à escola. Em outras palavras, o livro mostra a frase “Nós pega” para, em seguida, ensinar a forma “Nós pegamos”. Infelizmente, ao pinçar apenas a primeira parte, a notícia publicada em um blog de política do IG e reproduzida por outros veículos não trazia elementos de contextualização a seus leitores.

Lamentamos a postura de alguns parlamentares que se apropriaram da discussão de maneira superficial e usam o episódio para atacar opositores e criar novas falsas polêmicas. Como corretamente publicou a Folha de S. Paulo (18/5), o livro segue as normas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), vigentes desde 1997.

Sabemos que o debate público é fundamental para promover a qualidade e equidade na educação, e reafirmamos nossa disposição em participar de toda discussão nesses termos."

RESPOSTA do professor Deonísio da Silva:

“1) No ensino fundamental e médio há a disciplina Linguística? Não! Os professores são pagos para ensinar Português!

2) Vamos conceder, apenas para argumentar, que o livro em questão ensine Linguística. Por que o MEC deveria comprar cerca de 500 000 exemplares desse título para distribuir em todas as escolas do ensino fundamental e médio? Linguística é matéria dos Cursos de Letras!

3) Muitos dos professores que defendem esses crimes de lesa-língua estão apavorados com a reação da sociedade. Para defender o que defendem, ganham bolsas de CNPQ, do CNPQ do B, de outras financiadoras de projetos etc. Enfim, para tudo há dinheiro público, nossa carga tributária é inversamente proporcional às posições do Brasil nas classificações de educação e cultura: os tributos estão lá em cima, os serviços prestados, lá embaixo!

4) Esses professores são dispensados de trabalhos nas universidades, onde deveriam dar mais aulas, justamente para “pesquisar” isso! Se só fazem isso, ganham muito mais do que valem! Se depois de tantos anos chegaram ao português de analfabetos, o que fizeram esses anos todos? Pesquisa? Bem, decerto não é à toa que até Stálin meteu-se com Linguística e ensino de russo! Sim, o Stálin é autor de um livro de Linguistica! Por que ignoram na bibliografia o colega? Medo? De quê? O Céline é fascista, eu abomino o fascismo, qualquer fascismo, mas a-do-ro os romances dele!

5) Há uma questão de fundo na qual, ao que saiba, ninguém tocou. Ou, se tocou, não li os artigos. Eles querem falar mal de Fernando Henrique Cardoso, que escreve melhor do que eles. Uma vez, FHC escorregou num “propiamente” e eles caíram de pau, mas Lula pode tudo, é um 007 que tem licença para matar a pauladas a língua portuguesa, a lógica, a coerência, a coesão, o estilo, o bom gosto etc, onde quer que os encontre! E quando o apedeuta fala, para muitos deles, como a célebre doutora, tudo se ilumina! (*)

6) Por que defendem uma língua que não usam? Ascenderam socialmente com a língua que defendem? Não! Por que negam o mesmo direito aos outros? Machado – preto, pobre, epiléptico, gago etc – venceu todos os preconceitos, menos o de quem ainda não leu o gênio! Um dia desses o Moacir Japiassu demonstrou que um deles confundiu OC I, 1093, indicando a Obra Completa (de Machado de Assis), com um texto de Osório Cochat, e estranhou a falta de intimidade do professor com Machado de Assis e sua inabilidade ou pressa em consultar bibliografias.

7) É raro um professor vir a público para reforçar a norma culta. É mais frequente que venha para espinafrar quem defenda os bons costumes na língua e para justificar que cada um deve escrever como lhe apraz, seja canela ou sassafrás. Mas não praticaram as transgressões gramaticais que tanto defendem para obter seus títulos e serem aprovados em provas e entrevistas que os qualificaram para ensinar em escolas e universidades, do contrário teriam sido reprovados.

8 ) Há uma sede do público por aprender língua portuguesa. Não é por acaso que grandes jornais e grandes empresas procuram ter em seus quadros referências solares da técnica e da arte de escrever. Profissionais como Sérgio Nogueira no sistema Globo; Pasquale Cipro Neto, na Folha de S.Paulo; Cláudio Moreno, no jornal Zero Hora; Dad Squarisi, no Correio Braziliense. Português é difícil? Dad Squarisi nasceu no Líbano e hoje ensina os brasileiros a escrever: sua coluna “Dicas de Português” é publicada em 15 jornais.

Enfim, se há quem se esmere tanto em cuidar, isso é sintoma de que escolas e universidades estão falhando em outra técnica e em outra arte: a de ensinar. É por isso também que muitos jovens inteligentes abandonam os professores no meio do caminho e desistem dos cursos que faziam e vão trabalhar ou aprender em outro lugar, pois têm mais o que fazer do que ouvir besteiras!

(*) Deonísio da Silva refere-se aqui a Marilena Chauí, que entra em êxtase quando ouve Lula da Silva falar.