Banqueiros, empresários e colunistas têm se pronunciado contra o
impeachment de Dilma. Faltam elementos, dizem alguns. Ainda faltam, dizem
outros mais cautelosos.
O próprio New York Times chegou a essa conclusão, com o mesmo argumento:
não há motivo. Creio que essa convicção possa evoluir quando analisarmos todas
as pontas da investigação.
O quadro geral desenha um governo que utilizou um esquema criminoso para
se manter no poder. Mas quadros gerais não bastam. O ministro Gilmar Mendes foi
o primeiro a juntar as pontas que revelam o caminho do impeachment: contas de
campanha. A vulnerabilidade de Dilma fica clara quando o turbilhão de
informações fragmentadas começa a tomar corpo.
De fato, não basta ver a Petrobrás em ruínas, destroçada pelo governo
petista nem saber que o partido recebeu milhões das empreiteiras da Lava Jato.
O senso comum ligaria as propinas à campanha milionária de Dilma.
Mas é preciso mais. Um dos empreiteiros, Ricardo Pessoa, da UTC, doou R$
7,5 milhões à campanha de Dilma, por intermédio do tesoureiro, Edinho Silva. E
não foi por amor à causa, mas medo de perder seu negócio milionário com o
governo.
Nas anotações de Marcelo Odebrecht há menção às contas na Suíça que
poderiam aparecer na campanha de Dilma. As contas existem e eram usadas para
pagar propinas.
Descendo um pouco mais a escada, Gilmar Mendes encontrou inúmeros
indícios de ilegalidades na campanha de Dilma. Só uma empresa que tem um
motorista como sócio recebeu R$ 24 milhões da campanha de Dilma. A empresa
chama-se Focal. Está sendo investigada e parece que uma cirúrgica troca de
letra, pode definir melhor a natureza de seu negócio.
Por que todos esses fatos encadeados ainda não motivaram uma
investigação do Ministério Público? Talvez fosse impossível para Rodrigo Janot
viver a contradição de investigar Dilma e, simultaneamente, colocar sua própria
confirmação como procurador-geral nas mãos dela. Como possivelmente será
difícil investigá-la depois de ter seu nome confirmado por ela. Mas agora é
diferente.
Janot está sendo acionado por um ministro do Supremo que, como o senso
comum, acha que existe uma relação entre o assalto à Petrobrás e a campanha de
Dilma. Só que Gilmar, como outros observadores, acha isso a partir de indícios,
depoimentos, que só não convencem porque ainda são tratados fragmentariamente.
Gilmar é ministro do TSE e aponta o caminho real, unificando os indícios,
mostrando a leviandade de ignorar os dados da Lava Jato num julgamento desses.
Os ventos legais conduzem ao impeachment, assim como os clamores da rua.
O impeachment, dizem alguns, seria traumático: instrumento muito raro e já
aparece duas vezes numa jovem democracia. Mas que outra maneira tem a jovem
democracia senão aplicar a lei?
Outro argumento é que duas quedas num curto espaço de tempo deformariam
o eleitorado, que passaria a votar de forma irresponsável, contando sempre com
o impeachment. É uma tese discutível. Ela serviria também para anular a
utilidade do instituto do recall político, que existe desde o início do século
20 nos Estados Unidos.
A base legal do impeachment sairá da análise cruzada das contas de Dilma
com os dados da Lava Jato e toda essa indústria de notas frias de gráficas
inexistentes e empresas de fachada. Os fatos estão aí e a história de que foram
doações legais não resolve o problema. Tornar legal dinheiro obtido em esquema
de corrupção é pura lavanderia.
Quando todas as peças se encaixarem e a evidência emergir, pode ser
ainda que muitos prefiram a continuidade de Dilma. Mas aí será outra discussão.
Estamos no auge de uma crise econômica e política. A realidade exterior
nos surpreende com notícias negativas, como os sobressaltos na China, com
possível repercussão aqui. E se olharmos para um quadro mais amplo, o clima,
veremos que se espera-se um El Niño intenso este ano. Isso significa grandes
problemas, como os que tivemos em 1988. Incêndios no Norte, inundações no Sul.
O El Niño não tem o peso das questões urgentes do momento. Mas os analistas,
quando Dilma assumiu, disseram que ela enfrentaria uma tempestade perfeita.
Ainda não contavam com o El Niño, a tempestade das tempestades.
Diante de um quadro econômico, político e climático tão adversos, supor
que uma presidente detestada pela maioria, sem apoio no Congresso, é a mais
indicada para conduzir o País é a opção pelo imobilismo. E em termos nacionais
é hora de se mover, não de ficar parado.
Não se fala mais que impeachment é golpe. Apenas que não há motivo para
o impeachment. É positivo, porque esse debate popularizou o texto da
Constituição, que prevê o impeachment.
O argumento de agora tem uma outra natureza: o impeachment é um
instrumento legal, mas não há motivo para ele. Quando se der a ligação das
evidências esparsas, o argumento de que não há motivo dará lugar ao medo de
traumas para a estabilidade dos negócios. Aí talvez debate seja mais fácil.
Nossa experiência histórica mostra que não dói tanto assim. Os que pedem um
Fiat Elba de Dilma vão se deparar com verbas que dariam para comprar muitas
Ferraris e Lamborghinis.
Será uma discussão simples: aplicar ou não aplicar a lei. A escolha de
não aplicá-la, essa, sim, pode abalar os alicerces de nossa convivência
democrática. E nos afundar numa crise desesperadora. O ministro Celso de Mello
tem razão quanto aponta uma delinquência institucional mascarada de política. Conviver
com a impunidade nesse nível é humilhante para os brasileiros. Eles saberão
voltar às ruas, nos momentos adequados.
Nesta semana Dilma e Lula foram lembrados com frases de protesto no
rodeio de Barretos. Não aprovo os termos do protesto, mas eles revelam como se
espalha a rejeição.
Quem valoriza o equilíbrio no Brasil de hoje tem de perceber, como um
ciclista, que ele depende do movimento. Parados, vamos todos cair no chão,
embora uma queda de banqueiros e empresários seja suavizada pelos bolsos acolchoados.