sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Alguns sinais de existência do mundo (Fernando Gabeira)

(Artigo publicado no jornal ESTADO DE SÃO PAULO, em 19 de dezembro de 2014)


“O mundo e o Brasil mudaram com a globalização. Tanto discutimos isso, todavia não prevíamos como as mudanças no mundo iriam influenciar a trajetória da corrupção no Brasil. Tratados internacionais novas leis domésticas, o panorama mudou.

De duas empresas europeias, Siemens e SBM, vieram dados sobre a corrupção na venda de trens e plataformas marinhas; de uma empresa americana, Dallas Airmotive, dados sobre a corrupção de oficiais da FAB e do governo de Roraima. A Suíça recebeu procuradores brasileiros que rastreiam parte da grana do petrolão. Colabora muito mais do que antes, nos tempos em que se fechava em copas para tranquilizar as grandes fortunas estrangeiras. Nos EUA investigam-se a Petrobrás e a compra de Pasadena, que não passa e não passará incólume às lentes americanas.

O Brasil mudou. Ampliaram-se as ferramentas de investigação, e-mails são recuperados, câmeras estão por toda parte, ampliou-se a troca de informações com o mundo, tudo isso é um sinal de que a corrupção endêmica no País não é eterna, como pensam alguns. O universo petista parece ignorar essas mudanças: embora sempre afirme que as investigações cresceram com o governo, o que cresceu foi a autonomia da Polícia Federal, muitas vezes esquecida.

Lembro-me de uma demonstração de policiais federais em Brasília. Estavam nas ruas porque queriam produzir mais e havia uma queda nas investigações. Isso foi no fim de 2013.

Uma prova de que o PT não compreendeu essas mudanças foi o relatório do deputado Marco Maia afirmando que Pasadena foi um bom negócio.
"Vocês querem bacalhau?", perguntava o Chacrinha. Tome macarrão, responde o governo, instituindo o Dia do Macarrão.

Como é possível afirmar que Pasadena foi um bom negócio? Ainda mais num momento em que a Operação Lavo Jato rastreia propinas recebidas por intermediários brasileiros. Diante dessas evidências, só restaria aos defensores da compra de Pasadena, que nos deu um prejuízo de cerca de US$ 700 milhões, afirmar: foi um negócio tão bom que até nossos corruptos ganharam algum dinheiro.

Não há o que argumentar diante de tanto cinismo. O governo arruinou a Petrobrás, reduzindo em R$ 600 bilhões o seu valor, de 2008 até agora.
Vi pátios de equipamentos ociosos no Sul e leio agora que unidade de nafta, de R$ 32 milhões, será perdida no Rio. É superfaturada e antieconômica.

Quando é que Dilma vai sentar à mesa e dar o balanço desse vendaval? Revelações de uma alta funcionária mostram que o esquema de corrupção era antigo e os diretores foram dele informados. O governo pretende atravessar essa tormenta com o mesmo time que permitiu o processo de saque na Petrobrás. E diante de uma conjuntura internacional com baixos preços do óleo, o que reduz a competitividade do pré-sal.

Apesar da dimensão gigantesca do escândalo na Petrobrás, o que vazou até agora indica irregularidades em vários campos: dos fundos de pensão às hidrelétricas, de aeroportos ao BNDES. O contexto é de crise econômica, mas esses fatores morais não se limitam à política. A própria credibilidade internacional do Brasil está em jogo. O que devem pensar os americanos diante de um deputado que disse que Pasadena foi um bom negócio? O próprio barão belga que nos vendeu a refinaria deve ter reagido com uma gargalhada.

O governo conta historinhas aqui e ignora o mundo. Pena que a oposição também ignore. Numa articulação com parlamentares europeus e americanos poderia saber mais, perguntar mais.

O esquecimento do mundo é daqueles fatores que entristecem no Brasil de hoje. Dilma aniquilou a diplomacia presidencial e parece querer aniquilar a própria diplomacia, subestimando um núcleo de profissionais competentes.

Talvez nosso papel não seja tão importante como se supôs. Entre superestimar o próprio papel e simplesmente sair de cena há uma diferença, que não tem peso eleitoral, mas vai produzir suas consequências.

Não importa que governo e oposição ignorem o mundo. Ele sempre nos vai chegar, sobretudo nesse movimento que força as grandes empresas a se reconciliarem com a lei e a sociedade. Os dados vêm de fora, brotam aqui dentro, nada mais vai deter o processo de transparência que a própria tecnologia potencializa.

O PT e seus aliados deveriam ler Fim de Jogo, de Samuel Beckett, no trecho em que o personagem diz: "Acabou, Clov, acabamos". Não é possível assaltar as estatais para financiar campanhas e enriquecer. Um ramo sofisticado caiu por terra na Petrobrás. Outros cairão.

Não sei o que virá adiante. Suspeito que criem o dia da maionese. Lula elaborou a palavra de ordem ao PT: cabeça erguida. Melhor seria bunda na parede. Não vão soterrar esse turbilhão de dados com historinhas como a de Marco Maia e sua CPI. Se depois de arruinar a Petrobrás o PT escolheu a cabeça erguida, confirma um pouco minhas suspeitas: depois dos punhos erguidos no mensalão, cabeça erguida no petrolão.

Quanta autoestima! Enrolam-se na Bandeira do Brasil, arrasam a maior empresa pública, comprometem a credibilidade internacional e acham que está tudo bem, exceto para uma elite mal-humorada e articulistas de direita.

O governo vive um bloqueio do tamanho do petrolão. Não tem outro caminho futuro exceto explicar suas responsabilidades. Até o momento, está dando velhas respostas para novas perguntas.

Com o braço numa tipoia azul, Marco Maia parecia vir de um combate físico com as próprias evidências da corrupção. Pasadena foi um bom negócio, parecia dizer, sofremos algumas escoriações, mas está tudo bem. Boa imagem de fim de ano para quem acredita em Papai Noel. Ou para quem desconfia que os combatentes estão chegando à exaustão ante os fatos.

P.S.: Este artigo estava pronto quando Marco Maia voltou atrás sobre Pasadena”

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Roda Viva

O excelente programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, apresentou na última segunda feira uma entrevista com o professor Modesto Carvalhosa. O ilustre jurista trouxe a debate a legislação existente no Brasil (e em outros lugares) para combater a corrupção. O caso da Petrobrás, evidentemente, esteve no centro das considerações de todos os participantes. Vale a pena assistir. O vídeo está disponível no youtube.

O professor Modesto Carvalhosa chamou a atenção para o obsequioso silêncio da OAB, da CNBB e outras entidades a respeito dos escândalos continuados que avassalam a administração pública brasileira. Mais espantoso, no entanto, é o silêncio da Academia. As universidades brasileiras - ao menos aquelas que podem assim ser denominadas, em vista da vasta picaretagem no setor - comportam-se como se nada de mais estivesse acontecendo. Elas estão preocupadas, aí sim, de forma cabal, é com disputas ideológicas subalternas. Incivilidades costumeiras como injúrias trocadas por adultos, ou mesmo, explicitação de preconceitos variados em momentos de conflito, transformam-se em causas maiores a merecer os cuidados de reitores pusilânimes e omissos, isso quando não são cúmplices de práticas que em nada diferem das estripulias da facinorosa turma da Petrobrás e outras entidades públicas.  

Equivocam-se os que pensam ser a clientela da bolsa família a maior responsável pela continuidade do regime petista. Há setores amplos das classes médias tributárias do emprego público muito mais responsáveis pela tragédia Dilma, que os frágeis e miseravelmente pobres habitantes das periferias urbanas e rurais. O espírito bolseiro também se espraia nas instituições escolares mais respeitáveis, este é um fato. É o dinheiro, estúpido, diria aquele marqueteiro americano! Quem quer dinheiro? Quem quer dinheiro... Aliás, tal indagação revela a notável compreensão da cobiça universal por parte do maior especialista brasileiro em alma humana, o animador dos domingos Silvio Santos. Todos no auditório levantam avidamente as mãos ao ouvir a crua e sarcástica pergunta, loucos para pegar no ar um aviãozinho feito com nota de R$50 e lançado ao léu.

O espantoso nas universidades é a submissão, a aceitação voluntária da canga sobre o pescoço. Não o fazem por um reles pão com mortadela e um copo de tubaína, é claro, pois tão ilustres mestres não se deixam vender por tão pouco. Afinal, não auferem seu jabá provindo do Ministério do Desenvolvimento Social. Suas bolsas, isentas de imposto de renda, são tributárias do MEC, onde inumeráveis comissões companheiras fatiam e repartem para os acoelhados o capilé que lhes dará um refresco ao final do mês.

O formidável bloco acadêmico junta-se, então, ao bloco das Suas Excelências, docilmente aquarteladas na OAB à espera de uma boquinha extraída do quinto constitucional, e às Suas Eminências Reverendíssimas, mais preocupadas com as pastorais da guerra, que em questionar as extorsões que os publicanos governistas não se cansam de praticar contra os incautos que os sustentam. Será sempre educativo relembrar para os pósteros a caravana da vergonha, composta de dezenas de magníficos reitores, em beija mão subserviente no palácio do Planalto, hipotecando baboso apoio e voto à então candidata oficial à presidência da república.

Frase do ano (Claudio Tognolli)

“É IMPOSSÍVEL ESCREVER CORRUPTO SEM PT”.
 E não apenas em Português! Se não, vejamos:

Albanês - korruPTuar
Alemão - korru PT
Catalão - corru PTe
Dinamarquês - korru PTe
Espanhol - corru PTo
Esperanto - koru PTi
Galês - corru PTo
Haitiano Creole - corru PT
Holandês - corru PT
Húngaro - korru PT
Inglês - corru PT
Islandês - s Pill T
Latim - corru PT
Norueguês - corru PT
Romeno - coru PT
Sueco - corru PT
 Obs:-   PT : colaborando para a correta composição de 'CORRUPTO' em 17 ou mais idiomas, um recorde!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Destruição criativa (artigo de Rodrigo Constantino)




“O capitalismo sem bancarrota é como cristianismo sem inferno.” (Frank Borman)


No capitalismo, empresas são criadas ou fechadas de acordo com a demanda do mercado, isto é, dos consumidores. Empreendedores arriscam suas idéias e capital em um produto ou serviço ainda não testado, e a sua aceitação por parte do público é que viabiliza ou não a sobrevivência da empresa. Este é um processo dinâmico, competitivo, e que garante o melhor atendimento ao consumidor, pois seu direito de escolha é a maior arma no mercado livre. Qualquer alternativa a este modelo representa a transferência do poder do consumidor para burocratas do governo. O que se segue é invariavelmente maior corrupção e ineficiência.

Em Capitalism, Socialism and Democracy, Joseph Schumpeter tratou do tema em um dos capítulos. Ele afirma que o ponto essencial ao lidar com o capitalismo é compreender que se está lidando com um processo evolucionário. O capitalismo é, por natureza, um método de mudança econômica e jamais pode ser estacionário. O impulso fundamental que mantém a máquina capitalista em ação vem dos bens novos, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados ou das novas formas de organização industrial que as empresas capitalistas criam.


Há uma constante revolução de dentro da estrutura econômica, destruindo a velha ordem e criando uma nova. “Esse processo de destruição criativa é o fato essencial sobre o capitalismo”, diz Schumpeter. Ele achava, entretanto, que esse processo poderia ter fim algum dia, e que o sucesso do capitalismo plantaria as sementes de seu fracasso, levando ao socialismo. A história vem provando, porém, que o economista austríaco estava errado nesse aspecto.

O Estado “bem-feitor” julga que seus governantes são seres iluminados e clarividentes, além de totalmente íntegros, e irão portanto defender os interesses do “povo” contra a competição predatória do capitalismo. Nada mais longe da realidade. Quando o governo interfere na livre competição, as trocas passam a ser de favores, não produtos. O que pode salvar ou matar uma empresa passa a ser a caneta do burocrata poderoso, não a satisfação do público. Logo, agradar esse burocrata passa a ser mais importante que agradar os consumidores. Empresas passam a gastar milhões com lobistas, desviando energia e recursos que poderiam estar voltados para a melhoria dos produtos. Quando o governo é o “hospital” das empresas problemáticas, o que temos é uma “socialização” dos prejuízos, distribuídos entre os pagadores de impostos, enquanto lucros ficam retidos para os empresários amigos do Estado.

Tudo isso é muito lógico, mas ainda assim inúmeras pessoas defendem tal modelo prejudicial aos próprios consumidores e pagadores de impostos. Por trás dessa contradição, encontra-se falta de conhecimento sobre os fatos, assim como um romantismo “nacionalista”, que pede proteção aos empresários locais contra a “fúria” do capitalismo global. Como se o local no mapa onde o empresário nasceu tivesse alguma ligação com o que é benéfico ou não para o usuário do produto!



Essas pessoas acabam contribuindo para a perpetuação das oligarquias nacionais, impedindo que o melhor e mais barato chegue aos consumidores. Para salvar poucos empresários que estão com problemas justamente por não estarem entregando o que o cliente deseja em custo e benefício, pedem medidas que prejudicam ainda mais esses clientes. Querem a “proteção” contra os avanços tecnológicos e acabam prejudicando todos os consumidores.