sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Palácio do Planalto, Brasília - (Fernando Gabeira)






(Publicado em O ESTADO DE S.PAULO, 15 de Agosto de 2014)


Internet é isto mesmo: um território livre onde se trocam informações, críticas e insultos. É raro uma pessoa pública nela encontrar apenas elogios. E raro um texto sobre ela que não desperte comentários sacanas. Wikipédias, desciclopédias, com informações truncadas, dizem o que querem e, se as pessoas acreditassem firmemente no que leem na rede, ficariam paralisadas caso encontrassem um personagem dos verbetes, o médico e monstro. Suas reações seriam como as de Alec Guines no Dr. Strangelove, de Stanley Kubrick: os gestos desmentiriam as palavras, o abraço se transfiguraria num soco, e vice-versa.

Num prefácio para o livro do treinador Rômulo Noronha sugeri a natação como uma das táticas para enfrentar comentários negativos. Você os lê, mergulha e, nos primeiros cem metros, começa a achar que não foram tão graves assim. Nos 400 metros, já admite que talvez possam ajudar você de alguma forma, na autocompreensão ou na aceitação do mundo. 

Algo muito grave acontece quando os ataques nascem num computador do Palácio do Planalto, sede do governo federal. É o caso das inserções feitas na biografia dos jornalistas Carlos Sardenberg e Miriam Leitão.

Como sempre, o governo reagiu, a princípio, dizendo que era difícil rastrear a origem das notas, os dados foram desmanchados - a mesma tática usada para as gravações das câmeras naquele problema de Dilma Rousseff com uma diretora da Receita Federal. A segunda explicação também é clássica: o Wi-Fi do Planalto é usado por visitantes, pode ter sido alguém de fora - de preferência, da oposição.

Às vezes paro para pensar: por que o PT faz tanto mal a si próprio? Deixo o campo estritamente moral para raciocinar apenas de uma forma política. O caso do Santander é típico: uma nota realista sobre o comportamento do mercado provocou uma grande reação, sua autora foi demitida e o banco, forçado a se derreter em desculpas.

O mercado deve ser livre para fazer suas previsões. E arcar com as consequências. O mercado tinha uma visão negativa no primeiro mandato de Lula. E errou, pois o País iniciou um processo de crescimento.

A pressão contra o Santander, além de sugerir censura, amplificou a análise do banco, que em outras circunstâncias ficaria restrita aos clientes especiais. Assim mesmo, aos que se orientam politicamente por cartas bancárias. O governo conseguiu transformar uma simples análise num debate nacional, o que era um consenso entre analistas de mercado se tornou uma consistente crítica à política econômica de Dilma.

A julgar pelo digitador do Palácio do Planalto, as coisas estão pegando aí, na política econômica: os dois jornalistas atingidos são críticos das medidas do governo com base nas evidências.

No universo político, a artilharia sempre foi comandada pelos blogueiros mantidos por empresas do Estado. Eles cuidam de nos combater com dinheiro público e racionalizam essa anomalia com a tese de que uma verba muito maior é usada pelos meios de comunicação que criticam o governo.

Os intelectuais dissidentes em Cuba dão de barato que o governo os vigia, os boicota e promove campanhas para assassinar sua reputação. Mas é uma ditadura.

Num país democrático, essas práticas, além de condenáveis, não são eficazes. Todo este universo de rancor acaba se voltando contra os agressores, que, como dizem os orientais, sempre se desequilibram no ataque. Os nove jornalistas atacados, nominalmente, por um dirigente do PT tiveram a solidariedade internacional, uma nota de apoio da organização Repórteres sem Fronteiras.

O PT sabe que existe um nível de rejeição ao partido nas grandes cidades - em Vitória os petistas já não usam estrelas e bandeiras vermelhas, talvez nem barba. O que parece não perceber é como seus movimentos autoritários aumentam a rejeição. É como se um partido abrisse mão de seduzir e se focasse apenas em intimidar.

Esse é um jogo muito perigoso. Em primeiro lugar, porque há muitos homens e mulheres que não se intimidam. Em segundo, porque envenena uma atmosfera que já é medíocre com atos de campanha sem graça, muitos bebês no colo, Dilma comendo cachorro-quente. Come cachorro-quente, pequena. Olha que não há mais metafísica no mundo, senão cachorro-quente.

O PT conseguiu construir uma linguagem própria. O verbete aloprado é um descoberta para se distanciar de seus combatentes da guerra suja. Digo com conhecimento de causa. Depois das eleições de 2006, interroguei todos os chamados aloprados. Era estranho que aloprados tivessem coletado mais de R$ 1 milhão. Mais estranha, ao longo dos interrogatórios, a recusa em responder, a frieza matemática em usar os mecanismos legais em sua defesa. Aloprados?

Se um dia aparecer o aloprado do computador do Planalto, observem como se esquiva, como é difícil achar nele algum traço que o defina como aloprado, como resiste às provocações. Ele é resultado de uma cultura que domina a política brasileira desde 1992. A constante tentativa de liquidar o outro é uma arma típica de ditaduras. Infelizmente, para uma grande parte da esquerda, a democracia ainda não é um valor estratégico.

Não sei qual será o resultado das eleições. Mas acho que o PT faz tudo para merecer uma derrota, algo que lhe dê pelo menos a chance de refletir sobre o período sombrio que acabou instalando no Brasil.

Uma força verdadeiramente democrática, à esquerda, seria boa para o futuro.

Será que é preciso que Cuba desmorone, que a Venezuela fracasse mais claramente, para que os petistas se convençam de que esse não é o caminho?

Sei que assim procedendo me exponho ao Twitter de todos vocês. Mas é preciso combater essa cultura de ressentimento e mediocridade que leva um digitador do Palácio do Planalto a dedicar sua tarde ao ataque a jornalistas na Wikipédia.

Não é um aloprado, mas um caso extremo e talvez cristalino: revela, em toda a sua profundeza, o abismo em que nos lançaram.

O favorito da madame

Emilinha Borba, cantora de cabarés e programas de auditório nos tempos áureos da radiodifusão, era conhecida como a “favorita da marinha”. Disputava com outra famosa artista popular – a Marlene - o lugar mais alto no pódio da breguice pátria. O pastelão atemporal, característico de nossas mais caras tradições, se repete em outras instâncias da vida nacional num fenômeno de natureza virótica. No campo político, então, a comédia é tão evidente que torna difícil fazer até uma simples caricatura que facilite seu entendimento. Dona Dilma, por exemplo, tinha uma favorita: madame Erenice Guerra, ungida ministra da Casa Civil, ainda no governo Lula da Silva, por expressa determinação da primeira amiga. Imagens e reportagens a seu respeito são encontradas facilmente na internet. Uma criatura tão esquisita que não conseguia ser objeto de cartunistas. Qualquer charge ficava melhor que o modelo original.
   
Dona Dilma, no entanto, não consegue viver sem um chalaça por perto. Defenestrada por estripulias da mais bisonha vulgaridade, madame Erenice voltou ao submundo de Brasília, devotada ao lobismo ou tráfico de influência típicos da capital da República. Para o lugar vacante agigantou-se, todo lamecha, o ex-prefeito de Belo Horizonte – Fernando Pimentel – especialista em aloprados e sujeiras eleitorais, designado coordenador da campanha presidencial da mãe do PAC.

Vitoriosa na eleição de 2010, dona Dilma trouxe para bem junto de si, o novo quindim do planalto. Disfarçado de ministro da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior, Fernando Pimentel se tornou o Primeiro-Acompanhante e Melhor Amigo da presidente, com quem convive desde quando tentavam trocar a tiros a ditadura militar pela ditadura do proletariado. A força do afeto  manteve Pimentel no emprego mesmo depois da descoberta de que ganhou muito dinheiro usando as fantasias de “conferencista” e “consultor financeiro”. O palestrante enriqueceu sem abrir a boca. O consultor precisou de meia dúzia de conselhos para levar à falência uma fábrica de tubaína, lá em Pernambuco.

Pimentel, o favorito da madame, é mestre no enrolation. Graças a este talento, cresceu em prestígio no círculo íntimo do poder. Exemplo notável foram seus esclarecimentos a respeito das cláusulas de estranhos negócios articulados por ele: “eles envolvem informações estratégicas”, ao explicar por que decidiu classificar como secretos os documentos que tratam dos financiamentos do Brasil aos governos de Cuba e de Angola, que adiou para 2027 a divulgação do conteúdo dos papéis, ensinando que, na novilíngua companheira,  “informação secreta” quer dizer prova do crime. É o espírito vivo de Humpty-Dumpty.


Com tal pedigree, o favorito de madame Dilma quer, agora, ser governador de Minas Gerais. Aliado à turma de Newton Cardoso, dá para imaginar o que nos esperaria em sua eventual vitória.  


(As melhores palavras e conceitos devem-se a uma colaboração involuntária de Augusto Nunes).

Acertei no milhar... (youtu.be/3RFU0-bjNO4)


Alexandre Padilha dispara na corrida eleitoral, segundo informa pesquisa Datafolha  na madrugada desta sexta-feira de agosto. O ex-ministro da Saúde de dona Dilma cravou 28% na menção estimulada. Em seguida, aparecem Skaf (20%) e Alckmin (19%), tecnicamente empatados, considerando-se a margem de erro de 2% adotada. Os demais postulantes têm, cada um, índices inferiores a 12%. Que alegria, Etelvina, não vou mais trabalhar...

O dia, porém, já vem raiando, trazendo consigo a esclarecedora luz do sol. Que pena! A improvável vitória de Padilha foi um sonho, minha gente. As percentagens acima referem-se à rejeição dos candidatos. Os 28% até que não são demasiados. Padilha pode manter a esperança. O repúdio dos paulistas ainda vai crescer mais até 5 de outubro, garantindo-lhe o privilégio de segurar a lanterna.

A mesma pesquisa Datafolha, agora realizada em Minas Gerais, aponta Pimentel (PT) com 29% e Pimenta da Veiga (PSDB) com 16%. A estratégia do ex-ministro da Indústria de dona Dilma (pegar uma carona nas preferências dos mineiros por Aécio), revela-se, então, acertada. Mimetizando ainda os chavões usados pelo deputado Leonardo Quintão (PMDB) na disputa pela prefeitura da capital mineira, em 2008 ("isso dá pra fazer, isso eu posso fazer"), o petista vai derrotando com folga o candidato tucano. Autointitulado "bom de serviço", Pimentel só não explicou aos eleitores as razões da falência do parque industrial brasileiro que esteve, por quase quatro anos, sob sua orientação e responsabilidade política. Ou desorientação e irresponsabilidade, tanto faz. 

Aspecto importante mas pouco analisado: o povo das gerais pagará caro pela derrota de dona Dilma e a concomitante vitória de Pimentel. Toda a corriola petista encostada na máquina administrativa federal vai buscar uma boquinha no governo estadual. A turma é grande e voraz. O cocho será pequeno para tão grande legião. Que Barbarícia nos acuda.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O cinismo de Lula e a morte de Eduardo Campos (*)

A grande seita dos cínicos deveria ao menos poupar a família de Eduardo Campos do espetáculo do farisaísmo, registrou o comentário de 1 minuto para o site de VEJA, depois de registrar a colisão frontal entre dois palavrórios de Lula sobre o mesmíssimo ex-aliado que ousou desgarrar-se do rebanho. No primeiro, despejado em março numa conversa com empresários, o ex-presidente enxergou em Eduardo Campos uma versão pernambucana do Fernando Collor de 1989.
(Em 1993, numa entrevista ao jornalista Milton Neves, o agora amigo de infância de Collor disse o que pensava do arrivista escorraçado do cargo pela pressão popular. Segue-se um trecho transcrito sem correções: “Ao invés de construir um governo, construir uma quadrilha como ele construiu, me dá pena, porque deve haver qualquer sintoma de debilidade no funcionamento do cérebro do Collor. Lamentavelmente a ganância, a vontade de roubar, a vontade de praticar corrupção, fez com que o Collor jogasse o sonho de milhões e milhões de brasileiros por terra”)
Nesta quarta-feira, numa nota encomendada a algum assessor capaz de escrever, o ex-presidente resolveu compensar o insulto que Campos ouviu em vida com uma promoção póstuma. Segundo Lula, o Brasil acabou de perdeu “um homem público de rara e extraordinária qualidade” na queda do Cessna que, caso se espatifasse cinco meses atrás, teria apenas dispensado o país de perder o sono com uma reencarnação da figura que descreveu no parágrafo anterior.
Ou coisa pior, vinham avisando os disparos dos bucaneiros alocados pelo PT no front da internet. A fuzilaria se intensificou em janeiro, com publicação na página do partido no Facebook de um artigo que retrata Eduardo Campos como “um playboy mimado”, “um tolo deslumbrado”, “um ambicioso que traiu Lula, Dilma e a memória do avô Miguel Arraes”. Fora o resto.
O serviço sujo se estendeu à área de comentários, infestada de militantes que amam concluir o desfile de adjetivos grosseiros com a ofensa anabolizada por letras maiúsculas e o buquê de pontos de exclamação: CANALHA!!!!! Surpreendidas pela morte do alvo, as milícias redescobriram em segundos que Eduardo Campos era um bom companheiro. Os generais do lulopetismo já veem no Judas de ontem um forte candidato à canonização. Dilma só não chorou na TV por falta de treino. E a tropa toda ensaia com muita aplicação a cara de viúva inconsolável recomendada a penetras de velório.
Em países afeitos ao convívio dos contrários, ninguém estranha a presença de líderes de distintos partidos na cerimônia do adeus a um velho adversário. Se a luta pelo poder obedece a regras civilizadas, se não são permitidos golpes abaixo da cintura, não há razão para constrangimentos. Esse rito ecumênico só acontece em países que erradicaram a selvageria política. Não é o caso de um Brasil governado por gente que acha que, numa eleição, só é proibido perder.
Lula divide o país em “nós”e “eles”.  “Nós” são os que se curvam sem mugidos aos desígnios do chefe. “Eles” são o resto, e como restos merecem ser tratados. Os celebrantes de missas negras revogaram o sentimento da honra e removeram a fronteira que separa a crítica dura do agravo que fere a alma. Alguém precisa ensinar-lhes que infâmias imperdoáveis não são anuladas por notas hipócritas.
Até lá, os cínicos profissionais continuarão aparecendo nos velórios dos afrontados com o mesmo desembaraço que exibem em festanças no clube dos cafajestes.

(*) Publicado na coluna de Augusto Nunes, em 14 de agosto de 2014. O título do artigo é meu.

Árbitro supremo, o acaso governa tudo... (em Paraíso Perdido, de Milton)

O quadro político nacional sofreu uma incrível modificação com a morte de Eduardo Campos, num acidente aéreo em São Paulo, no último 13 de agosto, este mês fatal na vida brasileira. Não se sabe ainda os rumos que sua coligação partidária tomará, nem o impacto da tragédia junto à opinião pública. Possivelmente, o cômodo jogo de compadres entre os petistas e os tucanos perderá as escoras que o sustentam. Não subsistirá mais. O sentimento de mudança, no mínimo latente, na sociedade brasileira, pode encontrar agora um caminho por onde fluir. O cavalo está arreado esperando ser montado. Dependerá de Marina Silva.

A curiosa situação de dona Dilma - rejeitada por grande parte da população, porém favorita até agora, conforme resultados das últimas pesquisas - começará a se dissolver, caso Marina assuma o lugar do ex-governador pernambucano. A surda inquietação da boiada, tangida em indolente marcha por caminhos já conhecidos mas indesejados, sofre o choque de um raio que cai de um céu escuro. Parte do rebanho que já se desgarrara rompe através de outro trilho, e arrasta consigo a vasta multidão que seguia para o rumo do mesmo, em bovina submissão. Dificilmente os condutores da massa informe conseguirão conter o estouro depois deste começado. Dona Dilma está fotografada!

Os estrategistas de dona Dilma talvez apostem no tempo de TV como arma infalível a ser usada pela madame. Ledo engano. Ulisses Guimarães possuía um latifúndio no horário eleitoral da campanha de 1989 e, no entanto, amargou fragorosa derrota para Collor. Dona Dilma é enfadonha, grosseira e untuosa. O tempo de TV para ela é uma condenação. Quanto mais aparecer, pior para suas pretensões. O espírito do tempo - zeitgeist - igualmente joga contra ela. Os petistas não conseguirão pregar na testa de Marina a pecha de serviçal da classe dominante. A ex-senadora é asceta, pobre e evangélica; lembra mais a figura de Ghandi. Uma simples comparação de perfil físico com a rotunda e repolhuda presidente dirá, mais que mil palavras, algo sobre quem é quem. Mais provável será uma migração da base petista histórica para as hostes de Marina. Esta terá algo a oferecer (ao menos, uma boquinha), dada a ausência de quadros profissionais entre os socialistas para governar. Que ninguém se espante se Marina for ao segundo turno a disputar com Aécio. Afinal, o governo de dona Dilma é tão ruim que até os petistas querem mudá-lo.

Intolerância seletiva

Autoridades da UFMG puniram duramente estudantes da Faculdade de Direito, em decorrência de sua participação em trote de calouros ocorrido em março de 2013. Menos mal que tenham sido somente quatro os perigosos transgressores (curiosamente, três deles com o angelical nome Gabriel). A intenção inicial dos dirigentes era atingir quase duas centenas de alunos (198, para ser mais exato). Talvez por pudor, talvez por surto de sensatez, tão intensa sanha repressiva contra universitários - sanha não conhecida nem no período autoritário dos militares - tenha se contentado em concentrar o processo disciplinar tão somente em alguns poucos escolhidos. Os demais já ficariam o suficientemente estimulados. O rei Cristophe, do Haiti, ao que consta, gostava de eventualmente decapitar dez por cento da população do reino com o fito de, pedagogicamente, estimular os sobreviventes. Punição coletiva, enfim, só tem guarida em tiranias tribais e regimes totalitários, como mostram os exemplos de países vitimados pelos nazistas e comunistas. Não pegaria bem exercitar tal fuzilaria, devem ter considerado os possuídos pelo espírito de Torquemada.

A experiência histórica costuma mostrar, afinal, que aquilo que está ruim sempre poderia ficar pior: no caso, uma redução de 98% no total de investigados já ficou de bom tamanho; cem por cento seria um desastre.  Faz lembrar episódio de maio de 1933 ocorrido em Berlim, três meses após a subida de Hitler ao comando da Alemanha. Multidão (liderada por uma espécie de UNE da época, dita Liga dos Estudantes Alemães, gente que hoje chamaríamos de "politicamente correta"), resolveu tocar fogo em montanhas de obras literárias escritas por judeus. Informado da queima de seus livros pelos nazistas (juntos com os de outros notáveis pensadores e cientistas como Einstein, Mann, Kafka, etc.), Freud ponderou que o incidente não foi tão mal assim; antigamente, continuou o pai da psicanálise, era pior; eles costumavam queimar os autores, não os livros. Freud não o soube, pois morreu antes, mas o holocausto acabou chegando. Heine, sim, já o profetizara um século antes (em um lugar onde se queimam livros, dizia, depois se passa a queimar pessoas).

Sempre é bom relembrar fatos do tipo que ajudem a entender condutas extravagantes e esquecidas, principalmente da parte de autoridades circunstanciais. Por não dar atenção à memória (certamente por esquecimento dos idos nos anos 30 do século passado), professores da rede pública de São Paulo, em fevereiro de 2010, tiveram também um ataque de fúria piromaníaca, incinerando livros em plena avenida Paulista, sob o comando de notória dirigente sindical partícipe de espantoso Conselho Nacional de Educação, o mesmo que quis censurar Monteiro Lobato por racismo.  Esse tal conselho, aliás, ainda será objeto de estudo num futuro não muito distante como provável tipo do fascismo do bem.

Em fotos do trote referido acima, jovens usando bigodes iguais aos de Hitler aparecem erguendo o braço direito numa referência a uma saudação nazista. Ao lado deles aparecia um calouro amarrado em uma pilastra. Em outra imagem uma estudante pintada de preto estava acorrentada por um veterano com a inscrição "caloura Chica da Silva". Assim está retratada a situação que acarretou as punições, conforme publicado no jornal O Tempo, de Belo Horizonte, de 13 de agosto de 2014. O clima refletido pelas fotos da festa era de farra etílica e de molecagem: zombarias de gosto discutível, próprias de gente com mentalidade em formação. Segundo o mesmo jornal, os julgadores da patuscada estudantil entenderam, porém, que "as imagens são repulsivas e remontam a situações simbólicas de discriminação histórica" e que "o trote atenta contra as conquistas da liberdade, igualdade e diversidade garantidas juridicamente". Daí, sentenciou o Magnífico Reitor da universidade, "atos como esses não podem ser tolerados; por isso a punição imposta aos estudantes foi totalmente adequada". Sua Magnificência deve ter se esquecido que liberdade de opinião é liberdade para a opinião dos outros, por mais detestável que ela seja. Vi e ouvi alunos, naquele deplorável 11 de setembro, aplaudindo a destruição e as mortes inumeráveis nas torres gêmeas em Nova York. Deveria tê-los expulsado da sala de aula? Ouvi inúmeras vezes comentários em defesa do Hamas, pregando a destruição de Israel. Deveria punir os autores de tal opinião pela granítica estupidez demonstrada? Não é incomum encontrar no mundo universitário gente que defende, com unhas e dentes, a validade do terrorismo do passado, do presente e do que ainda vai acontecer. Qual a solução para este caso?

Eventuais resultados positivos das punições que estigmatizaram alguns podem vir a ocorrer, espera-se. É possível que, a partir de agora, manifestações estudantis que evoquem figuras caricatas e criminosas (Che Guevara, Fidel, Mao Tsé Tung e outros), bem como outros símbolos usuais do totalitarismo contemporâneo venham a ser reprimidas também. Nos corredores das universidades, e nas entidades estudantis, as paredes e as roupas costumam ostentar tais repulsivas imagens sem quaisquer censuras institucionais. O lixo da suástica e o lixo da foice e do martelo têm ambos os mesmos fundamentos e geram resultados equiparáveis. Todos são inimigos da democracia constitucional virtuosa. A eles podem ser agregados, presentemente, os símbolos que nascem sob as barbas dos aiatolás atômicos (homofóbicos e misóginos), e seus aliados.

Medidas outras - igualmente relevantes para garantir as conquistas da liberdade, igualdade e diversidade - são esperadas, reprimindo transgressões que atentem contra a cidadania e contra a legislação vigente, e que, no entanto, são solenemente negligenciadas pelas mesmas autoridades, implacáveis contra alunos imaturos. Fuzarcas em posse de diretoria de unidade acadêmica, com farta distribuição de bebida alcoólica aos presentes (foi noticiado pela imprensa da capital mineira), além de violações acintosas de normas legais que vedam a utilização de patrimônio público em favor de partidos políticos são públicas e notórias. Mas aqui não se vê a mesma dureza com que foram tratados jovens de comportamento destrambelhado; aqui só se vê complacência e cumplicidade. Tolices de estudantes, que deveriam ser educados - afinal é esta a missão de uma escola - são sancionadas com a ferocidade de justiceiros. Nem a turma de mensaleiros foi tratada com rigor equivalente; tiveram, e têm, todos os atenuantes possíveis. Para criminosos que atentam contra a probidade administrativa - os bons companheiros - lhes cabe a doce e silenciosa compreensão. Já se chegou, por exemplo, a condescender com o uso de veículo institucional de comunicação da UFMG para acintosa campanha em favor da candidatura presidencial de dona Dilma. A grande imprensa noticiou o fato. Trouxe alguma consequência? Nenhuma. Em suma como se diz no popular: aos inimigos, os rigores da lei; aos indiferentes, a lei; aos amigos, os favores da lei.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A estética de Pimentel

A campanha de Fernando Pimentel - ex-ministro de dona Dilma - ao governo de Minas vai se atrelando, cada vez mais, à campanha de Aécio à presidência da república. Os tucanos têm um nó estratégico a desatar, ou cortar, ao estilo de Alexandre, o grande, em Górdio. Aécio tem baseado sua pretensão na crítica à nefasta continuidade dos governos petistas nos últimos doze anos. Pimentel faz o mesmo: questiona os últimos doze anos de hegemonia do PSDB na política mineira. Aécio e Pimentel batem na mesma tecla. As palavras de um podem ser substituídas perfeitamente pelas do outro. Pimenta da Veiga perde-se em platitudes - parece até que é dona Dilma falando - num discurso vazio frente à ofensividade de Pimentel. De fato, é uma situação esquizofrênica: apoiar a continuidade de Dilma e a mudança em Minas Gerais ou, ao contrário, apoiar a mudança no nível federal e a concomitante permanência do quadro regional. Tão estranha antinomia cria para, o eleitor comum, uma situação de perplexidade.

Pimenta da Veiga ainda não encontrou a manobra para sair do curé em que se encontra. Pimentel, sempre mais velhaco, constrói  um pano de fundo que o possibilite pegar uma carona na provável vitória de Aécio em Minas Gerais. Já lançou dona Dima ao mar, omitindo seu nome em peças publicitárias, situação confirmada, apesar de negada, pelo uso de uma estética de campanha que apela mais para o azul e amarelo que para o vermelho e branco tradicionais. O agressivo rubro do PT vai-se dissolvendo em tons do ouro e do azul peculiares dos tucanos. É algo insidioso, como o veneno que se administra gradativamente, através de um contrabando no imaginário popular. Pimentel vai, assim, parasitando o projeto nacional de Aécio, qual uma rêmora que se agarra junto às guelras do tubarão.