(PUBLICADO EM 02/09/18 - no jornal OTEMPO)
"No ensinamento das artes marciais, já na primeira aula o aluno aprende que
deixar de prestar atenção à defesa é muito perigoso. Quando se decide atacar,
esse esquecimento costuma ser fatal.
O entrevistado de quarta-feira pelo
Jornal Nacional, Jair Bolsonaro, estudou numa escola superior de guerra, teve
acesso ao que se precisa no enfrentamento e, bem por isso, nunca poderia ser
subestimado.
Ainda mais depois da apresentação do início do mês passado
na GloboNews, que deixou estonteados seus nove entrevistadores ao longo de duas
horas e meia de sabatina, que respondeu como nunca se tinha visto numa rede de
tamanha importância.
Desde Lao-Tze, três são os requisitos para a
vitória, e o bom guerreiro, quando entende que lhe falta um desses, não se joga
ao ataque.
Primeiro, conhecer o campo de batalha; segundo, conhecer bem o
adversário; e terceiro, conhecer completamente a si próprio nos limites e
fragilidades. A vitória será assim garantida.
O bom combatente pode se
sujeitar a uma aparente derrota inicial, a um recuo, para confundir os planos do
adversário e deixá-lo refém num campo que não lhe dá possibilidade de
resistir.
Ousar, sem cálculo, contra um adversário desconhecido é confiar
no azar. Subestimar o adversário deu no que deu com a apresentadora do JN,
Renata Vasconcellos, na entrevista com o cadete das Agulhas Negras.
Na
Itália se diz “sapato grosso, cérebro fino”. As botas de Bolsonaro confundiram a
sutileza de seu plano e geraram o maior apuro de todos os tempos no templo mais
temido do jornalismo nacional, que não costuma receber pedradas ao
vivo.
Não serviu de alerta, nem foi levada a sério, a entrevista no canal
GloboNews com o candidato do PSL. Repetiram-se, e com sucesso ainda maior, as
perguntas e as respostas, com Bolsonaro se defendendo ao atacar os
entrevistadores. Aplicou três seguidos golpes na entrevistadora e intimidou
William Bonner, que não sabia para onde dirigir seu olhar.
Renata
Vasconcellos não deve ter assistido à entrevista na GloboNews e partiu para
cima. Cobrou, “indignada”, a paridade de salário entre homem e mulher, sobre a
qual o presidenciável tem outra opinião, e recebeu a resposta de que há
disparidade entre o salário dela e o de William Bonner.
Renata
empalideceu e retrucou que isso não dizia a respeito ao entrevistado, já que ele
recebe dinheiro público proveniente de contribuintes. Nessa, Bolsonaro disparou
não haver diferença entre ele e Renata, já que a rede de televisão que a
contrata recebe altas verbas do setor público, e nisso, portanto, se equiparam.
Voltou com o tema homofobia, e dessa vez Bolsonaro abriu o livro, segundo ele,
distribuído pelo MEC nas salas de aulas, com o qual discorda por ser endereçado
a menores. Seguindo a trilha de sucesso anterior na Globo News, Renata
relacionou Bolsonaro à ditadura, e ele, como já tinha respondido no começo do
mês, declamou um editorial de Roberto Marinho, de 1964, que considerava o golpe
militar “necessário”.
Pois é. Esse episódio, assistido ao vivo por 30
milhões de pessoas, em seguida reproduzido em milhões de postagens e
compartilhamentos nas redes sociais, se concretiza até aqui como o grande fato
dessa campanha presidencial, dando a Bolsonaro passaporte para o segundo
turno.
Isso porque, num ambiente crivado de candidatos interpretando
personagens, Bolsonaro se diferenciou como “novidade”. Sagaz e atento como a
personagem mítica de Davi, que com uma pedra certeira derruba o
gigante.
O jornalismo não pode ser alimentado de certezas e preconceitos,
mas de análises e dúvidas, de olhares lançados de diferentes pontos
contraditórios.
Tirar do conforto os políticos frente aos holofotes e
microfones é mais do que justo, especialmente contrastando as platitudes e as
formas rebuscadas de fugir de respostas precisas.
Bolsonaro, na descrença
do “político tradicional”, mostrou contra-atacar sem medo e ter estudado
detalhadamente as fraquezas do entrevistador, guardando no colete munições de
sobra para colocar em apuros quem quer acuá-lo.
Nesse caso a
entrevistadora subestimou amplamente o entrevistado, não teve o tempo ou o
cuidado de analisar a mais recente entrevista de Bolsonaro, levantou-lhe a bola
para gols de placa, emprestou-lhe um momento de “glória” frente a um universo de
eleitores 30 vezes superior àquele da GloboNews.
Esse episódio se ergue
na categoria dos “históricos”. Provavelmente consagra um Bolsonaro que não
esperava tanto “apoio” para entrar no segundo turno, enquanto a outra vaga tem
meia dúzia de aspirantes."