sábado, 11 de dezembro de 2010

"Lula e a psiquiatria" - Professor Roberto Romano

O artigo abaixo - do professor Roberto Romano - é um refrigério nestes tempos bicudos em que vivemos. Serve para nos ajudar na compreensão do sentido das perseguições e outras violências sofridas por aqueles que incomodam e chegam, até, no caso limite, ao assassinato de professores. Stalin morreu, o stalinismo, não.

"No imaginário sobre o Estado, a prudência aparece com a alegoria das três faces: a do ancião, a do homem maduro e a de um jovem. Presente, passado e porvir são unidos para o domínio do instante oportuno, o kayrós grego. Os feitos dos legisladores ou governantes devem ser definidos com meticulosa sapiência, mas executados na hora exata. Um minuto antes, ou depois, a medida salutar transforma-se em crime contra a sociedade. A obra de Maquiavel se alicerça na prudência: o que foi dito, se negado pela mesma pessoa, joga ilegitimidade sobre o seu poder.

O site WikiLeaks atualiza a lógica que norteia a máquina do Estado. A guerra entre imprensa e poder existe desde o século 17. As duas frentes – a oficial e a crítica – usam armas perigosas. É o caso da propaganda que gera o culto dos governantes. Quanto maior a censura estatal, mais eficientes as técnicas de manipulação popular. O poder moderno fundamenta-se no binômio de segredo e propaganda. A censura garante o primeiro e os escritores venais aprimoram a segunda (*).

Norberto Bobbio mostra o quanto é antigo o disfarce político. “Que o poder tenda a usar máscara para não ser reconhecido e agir longe de olhares indiscretos, é uma velha história. Tal velha história tem mesmo um nome célebre que, somente com sua pronúncia, dá calafrios na espinha: “arcana imperii”. Em análise magistral, escreveu Elias Canetti: “O segredo está no mais íntimo núcleo do poder” (Massa e Poder). Os fundadores da democracia pretenderam dar vida à forma de governo sem máscara, na qual os segredos do domínio fossem abolidos definitivamente e destruído aquele “núcleo interior”.” Da tese extrai Bobbio o corolário ignorado no Brasil pelos que controlam o Estado: “O poder oculto não transforma a democracia, perverte-a. Não a golpeia mais ou menos gravemente nos seus órgãos vitais, extermina-a.” Entre os “órgãos vitais” da alma democrática encontra-se a liberdade de pensamento e de expressão (**).

Em dias recentes, o sr. Luiz Inácio da Silva retomou uma faceta de sua figura pública, o vezo autoritário de esconder práticas políticas usando, para tal fim, ataques à imprensa. Recordo um fato da sua campanha vitoriosa de 2002. A Folha de S.Paulo realizou debate com ele, quando perguntei: “Governos eleitos na América do Sul enfrentam pesadas críticas da imprensa (…), isso ocasiona choques que chegam a ameaçar a estabilidade institucional, como no caso da Venezuela. Qual será a sua política para a mídia internacional e brasileira, como pretende Vossa Senhoria se relacionar com os formadores de opinião?”

O candidato afirmou ser “preciso acertar na política, ou seja, esse negócio de o presidente da República ficar dizendo que não conversa com A, com B, não cabe ao presidente da República (…), ele é presidente de todos.” Disse mais: “Ou você estabelece uma negociação com a sociedade, com os empresários, mesmo com aqueles que são mais duros contra você, com os donos dos canais de televisão, com os donos dos jornais, para que se estabeleça a possibilidade de governar este país (…). Eu sou tão negociador que em 1975, quando Petrônio Portella disse “vai começar o processo de negociação”, me chamou, tinha muita gente que dizia: Lula, não vá. Eu falei: eu vou. Por que você vai? Porque eu tenho o que dizer. Eu fui lá. Então a minha vida inteira só fiz isso, (…) fazer acordos, fazer negociações (…)”. Mesmo com certo general houve acordo: “Fui lá, conversei três horas com ele e cumpri o que ele disse para mim. Fiquei no sindicato e o Exército não se meteu nas nossas greves. Depois, então, veio o Miltinho e botou o Exército para bater na gente.” E Lula defendeu o diálogo com jornalistas: “Até porque se o cara não quiser conversar comigo eu vou em cima dele para conversar.” A matéria, na íntegra, pode ser lida em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u35797.shtml.

Ao ser perguntado, na semana passada, sobre o apoio que recebe da oligarquia Sarney, que exigiu (e obteve) a censura deste jornal, Lula foi “em cima” do repórter: “Pergunta preconceituosa como esta é grave para quem está há oito anos cobrindo Brasília. Demonstra que você não evoluiu nada. O presidente Sarney é presidente do Senado… Preconceito é uma doença. O Senado é uma instituição autônoma diante do Poder Executivo, da mesma forma, o Poder Judiciário. O Sarney colaborou muito para a institucionalidade. E ademais é o seguinte: o Sarney foi eleito pelo Amapá, eu não sei por que o preconceito. Você tem de se tratar, quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito.”

A conveniência política que rende segredo e censura em favor de quem o apoia se justifica, segundo o presidente, pela “institucionalidade”. Tragicômica e nada original razão de Estado. Hospícios para intelectuais independentes e jornalistas surgiram no século 19. Hölderlin foi internado por suas posições jacobinas, acusado de loucura. Depois dele, o tratamento psiquiátrico foi a solução contra a crítica na Alemanha, na Itália e na União Soviética. O silêncio sobre tais medidas durou o tempo em que a propaganda enganou as massas, gerando a “popularidade” dos governantes. Mas os “loucos” venceram. Caíram as paredes dos manicômios totalitários com o Muro. O pêndulo, hoje, retorna ao poder e à propaganda. Devemos agradecer ao WikiLeaks.

(*) Burke, Peter: A Fabricação do Rei (RJ, Zahar Ed.) e Thuau, E.: Raison d”État et Pensée Politique à l”Époque de Richelieu (Paris, Armand Colin Ed.).

(**) Il Potere in Maschera, in L”Utopia Capovolta.
(Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 08/12/2010)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

"Professor é morto na Faculdade"

(Matéria publicada em O Tempo, de 8/12/2010)

"Um crime trágico em um cenário improvável: um professor assassinado em uma escola particular localizada na região Centro-Sul de Belo Horizonte. No início da noite de ontem, o mestre em educação física Kássio Vinícius de Castro Gomes, 39, foi esfaqueado em um dos corredores do Instituto Metodista Izabela Hendrix, na rua da Bahia, no bairro de Lourdes, por um aluno.
O crime foi filmado pelas câmeras do circuito interno de segurança da instituição de ensino. Segundo o delegado Wagner Pinto, as imagens flagraram o estudante Amilton Loyola Caires, 23, golpeando o docente no tórax.
O jovem cursava diferentes períodos da graduação e teria ingressado no Izabela Hendrix após ter sido transferido de uma outra faculdade privada da capital. Uma das testemunhas contou que o suspeito teria sido expulso da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), justamente por um caso de agressão contra funcionários.
Por volta de 18h40 de ontem, antes do início das aulas da noite, o suspeito teria discutido com o professor e deixado a faculdade. Minutos depois, ele retornou e reiniciou a briga. Amilton fugiu em uma moto e deixou a faca usada no crime jogada no corredor.
Motivação. Segundo colegas, a discussão começou porque Amilton não teria aceitado o fato de ter sido reprovado na primeira etapa de um trabalho. "Tínhamos um trabalho marcado com o professor hoje (ontem). Pelo que ouvi dizer, o Kássio estava se dirigindo para o outro prédio da faculdade quando foi atacado no corredor", contou Luiz Henrique Rodrigues Souza, aluno do 2º período do curso de educação física.
Segundo testemunhas, três alunos cercaram o professor, mas apenas Amilton o esfaqueou. "Estou indignado. Ele era um professor experiente e uma pessoa muito boa", lamentou Luiz Henrique. De acordo com os colegas de Amilton, o suspeito é morador do bairro União, na região Leste da capital.
Representantes da instituição de ensino confirmaram que as imagens já foram colocadas à disposição da Polícia Civil. Segundo eles, a segurança conta com 52 vigilantes e 53 câmeras.
A instituição foi fechada ontem para a perícia da Polícia Civil, mas a escola divulgou nota informando que as aulas serão retomadas normalmente amanhã."

"A violência nas escolas é uma realidade" - Júnia Paixão

(Publicado no Jornal OTEMPO em 07/12/2010"


"A violência nas escolas contra professores, ao contrário do que dizem as autoridades da educação, não é feita por casos isolados, mas se configura como uma prática comum nos dias de hoje. Vivemos numa situação de constante tensão, pois nossos alunos estão cada dia mais sem limites e sem noção de certo e errado.

Não prego a hierarquia autoritária, mas um mínimo de respeito à autoridade do mestre, dentro da sala de aula, tem que ser cobrada. Se educamos adolescentes e jovens para a vida, como será quando eles tiverem que enfrentar o mundo fora dos muros da escola? Não podemos fazer vista grossa às atrocidades vividas todos os dias pelos educadores, com agressões verbais, porque, na maioria dos casos de violência física, a agressão sofrida é o cume de um processo que já começou há muito tempo.

Infelizmente, somos a parte mais frágil dessa corda. Os alunos têm direitos demais e nem sequer podemos cobrar-lhes seus deveres de estudantes com rigor, pois o insucesso de todos os alunos, mesmo os mais indolentes, recai sobre os ombros do professor. Nossa avaliação de desempenho, tão alardeada pelo governo como meritocracia, está atrelada ao número de alunos evadidos da escola e à quantidade de baixo desempenho dos estudantes, mesmo que tudo tenha sido tentado.

E o mais interessante é que não vemos nenhum movimento do governo em melhorar o atendimento a essa clientela. As escolas não contam com nenhum profissional que possa auxiliar no diagnóstico de problemas sociais, envolvimento com drogas e outros fatores de risco social. Projetos são lançados sem a mínima preocupação com a infraestrutura das escolas, como a escola de tempo integral. Alunos especiais são jogados em instituições sem a menor capacidade de acolhê-los adequadamente.

A violência sofrida por profissionais de educação é o resultado de uma política educacional equivocada e incoerente, que privilegia números, abarrota as escolas de papéis a serem preenchidos, cobra condescendência dos educadores para com os educandos, tira a autonomia das escolas e culpa os professores por todo o mal, inclusive das agressões das quais são vítimas.

O magistério é uma profissão em extinção. Os jovens que vão enfrentar o mercado de trabalho hoje têm um leque de opções muito amplo e muito promissor. Quem vai querer entrar numa escola com vários ideais e passar toda a sua vida profissional brigando pelo mínimo de dignidade?"