quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O reinado do justo rei (Isaías, 32: 5 a 8)


5 - Ao louco nunca mais se chamará
nobre, e do fraudulento jamais se dirá
que é magnânimo.

6 - Porque o louco fala loucamente,
e seu coração obra o que é iníquo,
para usar de impiedade e para pro-
ferir mentiras contra o Senhor, para
deixar o faminto na ânsia da sua fo-
me e fazer que o sedento venha a ter
falta de bebida.

7 - Também as armas do fraudulento
são más; ele maquina intrigas para
arruinar os desvalidos, com palavras
falsas, ainda quando a causa do po-
bre é justa.

8 - Mas o nobre projeta cousas no-
bres, e na sua nobreza perseverará.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

As algemas da submissão voluntária (Deonísio da Silva)


"Muitos intelectuais, dia sim, dia também, achavam o que dizer contra FHC, mas depois da assunção de Lula e de Dilma ao poder, passaram a presenteá-los com um silencio obsequioso.

O que a História ainda está por mostrar é o par de algemas de submissão voluntária com que tantos intelectuais brasileiros — sim, existe a espécie, e a maioria lê muito pouco —  prenderam a si mesmos.

Numerosos deles, dia sim, dia também, achavam o que dizer contra FHC, mas depois da assunção de Lula e de Dilma ao poder, passaram a presenteá-los com endossos irracionais e um silêncio obsequioso, que na Igreja é usado como punição. Como se o silêncio não fosse aquilo que se diz naquilo que se cala.

À beira dos 70, que faço daqui a dois anos, não publico minhas anotações, nem faço brotar minha memória ainda, pelo desgosto da náusea, pois esses intelectuais me enganaram mais e mais tempo do que Lula e Dilma. 

Só para exemplificar, lembro o cinismo da senadora Kátia Abreu, a quem coube formalizar a farsa do fatiamento do impeachment para que Dilma pudesse ganhar a sobrevivência “como professora”. E o de José Dirceu pedindo clemência ao juiz Sérgio Moro para que pudesse sustentar a filha de seis anos ganhando a vida com o seu trabalho.


O ancião sequer se poupa de lançar  sobre a própria menina, ainda na idade da inocência, a mácula desta infâmia, desta mentira, proferida diante de um juiz. A quem esse pessoal afinal respeita? A ninguém? Vamos em frente".

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Ética fugiu de Belo Horizonte


Nas grandes manifestações realizadas em Belo Horizonte contra o petismo e seus epígonos, pairava no ar o espírito da ética e do desejo de limpar as estrebarias da política local e nacional, verdadeiro trabalho de Hércules a ser encetado pelos eleitores e pelos cidadãos.

O frescor de tais desejos, no entanto, apodreceu mais rápido do que se imaginava. Parcela expressiva dos moradores de Belo Horizonte parece querer, hoje, ser governada por um prefeito candidato a ocupar, brevemente, uma cela na Penitenciária Nelson Hungria, uma espécie de Papuda, que já hospeda clientes egressos do abominável mensalão.

Intelectuais, professores, artistas e outros nomes do saber, no entanto, quedam-se em silêncio cúmplice, numa apoio tácito a Kalil, o parvenu sem escrúpulos, pretendente ao cargo de prefeito da capital mineira. Seria demasia pedir que relessem “O 18 Brumário de Luiz Bonaparte”, obra prima na qual Marx analisa a conduta de outro famoso aventureiro? Onde estão as assanhadas manifestações acadêmicas outrora tão rápidas e contundentes contra tudo e contra todos? Ah, sim, os defensores da moral e dos bons costumes estão preocupados, muito preocupados, claro, com a legalidade e legitimidade do impeachment de dona Dilma. O governo da cidade onde vivem não lhes diz respeito. 

Qual a importância ética da vitória de Kalil, o empreiteiro mais enrolado que fumo de rolo, poder-se-ia indagar. Entre um homem honesto e decente (João Leite) ou um Kalil, a elite pensante de Belo Horizonte parece que preferiu um ladrão debochado. 

Tal escolha não é surpreendente. Novidade antropológica seria o contrário dessa que fazem . Em tempos há muito idos e vividos, Anás, Caifás, o Sinédrio e seus acólitos escolheram Barrabás. Sim: "queremos Barrabás", consta no Evangelho, na primeira e trágica eleição direta da história.

Kalil, Maluf e Berlusconi


Kalil: “roubo, mas não recebo propina”. A frase sentenciosa faz lembrar Paulo Maluf: "estupra, mas não mata". 

As palavras e os conceitos se chocam dentro do cérebro confuso de Kalil, antes de explodirem nas bochechas de sua boca mole. Saem, então, aos borbotões, qual um fluxo de vômito nojento atingindo e contaminando todos os ouvintes. Em sua língua suja, igual a de Lula, o deboche é mais presente que a própria saliva.

É algo que soa surrealista, quase sem igual, se se pensar em outros casos similares e sobejamente conhecidos de gente que vive na esterqueira. Talvez o único passível de comparação direta seja o de Berlusconi, capo futebolístico da Itália, onde suas vilanias fariam os nativos de aquém mar se roerem de inveja.

Em seu bunga-bunga tropical, Kalil admite sua participação em “orgias”, mas busca relativizá-las imputando aos demais o mesmo desejo de gozo perverso. Como se assim suas perfídias se naturalizassem.

“Roubo, mas não recebo propina”, reconheceu Kalil em debate público. O velho sátiro justifica dessa maneira as surubas e estupros simbólicos praticados contra tudo e contra todos, contra pessoas e contra instituições. Nada lhe é proibido, nada deixa de receber sua baba, se estiver ao alcance de seu toque ou perdigotos.

Berlusconi, pelo visto, transferiu seus genes corruptores da fabulosa Milão para a pacata Belo Horizonte. O discípulo – Kalil – não desonra o mestre, se é que é possível alargar tanto o conceito de honorabilidade. 

Kalil confessou: é ladrão!


Um ladrão confesso, como Kalil, já deveria estar em prisão preventiva. Ele, no entanto, está por aí flanando e, possivelmente à procura de oportunidades, tal qual um descuidista circulando pelas ruas da cidade. Sua biografia criminosa, a acreditar-se em Montaigne, deve ter começado roubando alfinetes; depois, passou ao dinheiro vivo. Tal imagem construída pelo notável pensador francês sugere que roubar é uma prática que se inicia afanando coisas pequenas e de valor insignificante. Caso não haja uma política de tolerância zero com os infratores desde o início de suas carreiras, uma bola de neve se constituirá até chegar ao ponto alcançado por Kalil. 

O candidato a prefeito de Belo Horizonte é um predador igual aos petistas. Se estes roubam para financiar o partido, Kalil busca proveitos pessoais. A diferença é a mesma que há entre “corso” e “pirataria”. Petistas são corsários, os que roubam para uma causa; Kalil, ao contrário, é “pirata”, pois se apropria dos valores alheios para enriquecer a si próprio. O que os distingue, portanto, não são os métodos, porém, os objetivos. 

Na hipótese indesejável, mas possível, de vitória de Kalil e seu bando, a prefeitura da capital mineira se verá transformada na rediviva caverna onde Ali-Babá promovia, fraternalmente, a distribuição do butim: “um pra mim, um procê, um pra mim; um pra mim, um procê, um pra mim; um pra mim, um procê, um pra mim...”

Ademar de Barros e seu fiel discípulo Paulo Maluf disputavam votos em São Paulo ancorados no bordão “rouba, mas faz”. Kalil inovou, nesse sentido. Para ele basta o primeiro verbo: Kalil rouba. Fazer, que é bom, está fora de cogitação. No máximo, Kalil vai distribuir carinho, num bunga-bunga tropicalizado onde todos entram somente com a respectiva bunga, pronta para ser invadida e arrombada pelo fauno alfa.

Jeremias fala dos ladrões que se envergonham quando são apanhados. Engano do gentil profeta. Há ladrões que não se envergonham, têm a cara estanhada. Chegam, mesmo, a se vangloriar de seus atos perante Deus e perante os homens. Kalil é um exemplo de tal doentia falta de pudor.