Estudei e me formei na Faculdade de Direito da USP (1960-1964) e
passei a lecionar nas suas Arcadas em 1971, na sequência da pós-graduação e do
doutorado em Ciência Política na Universidade Cornell, nos EUA. A minha
atividade de professor da faculdade estendeu-se até 2011, quando fui alcançado
pela compulsória.
Foram 40 anos que fizeram do
ensino e da pesquisa eixos centrais da minha vida, generosamente reconhecidos
quando recebi o Prêmio Professor Emérito Guerreiro da Educação Ruy Mesquita de
2015, concedido pelo CIEE e pelo jornal O Estado de S. Paulo. Passei, assim, a
integrar um honroso rol de eminentes educadores, muitos dos quais tiveram papel
importante na minha própria formação, como Ruth Cardoso, Miguel Reale e Antonio
Candido.
Para esse reconhecimento
seguramente contribuiu o fecho privilegiado da minha trajetória de professor
que foram os oito anos de presidência da Fapesp, encerrados em setembro. A
Fapesp deu-me a oportunidade de cumprir outra relevante missão da vida
universitária: a prestação de serviços à comunidade, no caso, respaldando em
nosso Estado a formação de quadros e apoiando a pesquisa de qualidade em todos
os campos do conhecimento.
Na faculdade dediquei-me ao
ensino e à pesquisa do Direito Internacional e da Filosofia do Direito, duas
disciplinas afins na minha visão e experiência. Ao fazer um balanço da minha
produção acadêmica no âmbito do Direito, verifico que parte significativa é
constituída por estudos, permeados por temas recorrentes e transversais, que
são por sua vez a expressão de um contínuo work in progress. Este resulta de um
esforço de ir esclarecendo por meio de aproximações sucessivas as inquietações
de um intelectual preocupado com os grandes problemas do Direito e do seu papel
na sociedade.
Por essa razão, e com a
aspiração de apresentar uma atualizada prestação de contas do work in progress,
reuni sob o título geral Um Percurso no Direito no Século XXI meus trabalhos
mais recentes, organizados tematicamente em três volumes, Direitos Humanos,
Direito Internacional, Filosofia e Teoria Geral do Direito, que acabam de ser
publicados pela Atlas/GEN.
Verifico que as linhas da minha
reflexão acabaram antecipando tendências e estão em sintonia com a importância
que vem sendo atribuída à tutela dos direitos humanos, tanto no plano interno,
à luz da Constituição de 1988, quanto no plano externo, por obra da política do
Direito traçada pela Declaração Universal de 1948. Também estão em sintonia com
a crescente relevância da agenda do Direito Internacional Econômico, que, por
obra da interdependência, vem ampliando o repertório e o escopo de normas de
mútua colaboração, reguladoras da transferência internacional de recursos. Daí
a importância tanto do regionalismo de múltiplos processos do Direito de
Integração quanto do alcance de multilateralismo comercial, de que a OMC e o
seu Sistema de Solução de Controvérsias são uma expressão e em conjunto são
parte do fenômeno mais amplo da globalização do Direito.
As janelas do espírito se abrem
por dentro, como dizia o professor Miguel Reale, e foram suas aulas e as do
professor Goffredo Telles Jr. que abriram as janelas do meu interesse pela
Filosofia do Direito. A Filosofia do Direito coloca o problema epistemológico
de um apropriado equilíbrio na determinação do alcance e extensão dos seus
campos de investigação. Enquanto filosofia, não pode deixar de lado
preocupações teóricas, mas enquanto Direito diz respeito à práxis. É por essa
razão que a Filosofia do Direito, no meu entender, é um campo do conhecimento
construído e elaborado por juristas com interesses filosóficos voltado para um
parar para pensar problemas que não encontram adequado encaminhamento no âmbito
estrito do Direito Positivo. Os estudos de Filosofia e Teoria Geral do Direito
reunidos na trilogia são, no seu pluralismo, representativos de um work in
progress que parte desta perspectiva organizadora.
A Filosofia do Direito comporta
também, como diria Bobbio, uma funzione civile voltada para a reflexão sobre os
grandes problemas do Estado e do Direito. O Direito não é só experiência, mas
não pode ser entendido sem ela. Foram os eventos da experiência vivida do
regime autoritário de 1964 que me levaram a refletir sobre os méritos do
governo das leis como superior ao dos homens e na especificidade da relação
governantes/governados a indispensabilidade para a qualidade da convivência coletiva
da tutela dos direitos humanos. Os direitos humanos consagram a democrática
perspectiva ex parte populi representativa da passagem do dever dos súditos
para os direitos dos seres humanos e são uma expressão do tema arendtiano do
direito a ter direitos. Daí, na trilogia, a complementaridade entre o volume 3,
com estudos da Filosofia do Direito, e o volume 1, com os de Direitos Humanos,
que transita igualmente sobre os desafios do processo da sua crescente
internacionalização. Daí também a complementaridade com o volume 2, com os
trabalhos sobre Direito Internacional.
Meu interesse, desde moço,
pelas relações internacionais e pelas modalidades da inserção do Brasil no
mundo me levou naturalmente ao estudo do Direito Internacional. O Direito
Internacional é um Direito em movimento. Por isso, como observa Bobbio, são
relevantes as contribuições dos internacionalistas à Teoria Geral do Direito,
posto que lidam com o fenômeno jurídico, não se circunscrevendo à predominante
estabilidade dos direitos internos. O movimento do Direito Internacional
contemporâneo que promove a interpenetração dos ordenamentos transita pela
internacionalização dos direitos humanos e pela crescente incidência e
amplitude espacial das normas do Direito Internacional Econômico, lastreada da
reciprocidade dos interesses.
Os
textos reunidos no volume 2 são igualmente a expressão de um work in progress
nesse campo que foi adquirindo a densidade proveniente de um conhecimento “de
dentro” da diplomacia econômica, nos períodos em que chefiei o Itamaraty e fui
o embaixador do Brasil junto à OMC, em Genebra.