quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

MUTILAÇÃO FEMININA (Publicado, modificado, em O Tempo, de 10/02/2011)

Vistosa delegação brasileira compareceu ao Fórum Social Mundial que está sendo realizado no Senegal, entre os dias 6 e 11, sob o comando oficial do ministro Gilberto Carvalho, secretário geral da Presidência da República, e a liderança de fato do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, contando, ainda, com a presença das ministras (ora, ora) encarregadas das questões de gênero, dos direitos humanos e de etnia no governo brasileiro, além de outras personalidades ornamentais em eventos da espécie.

Em vez de repetir o tolo pedido de desculpas aos africanos pela escravidão sofrida por eles em séculos passados (sem nenhum sentido histórico, dado que o comércio de carne humana era um dos negócios mais rendosos praticados pelos chefetes tribais de todas as latitudes da África), as autoridades do Brasil deveriam se ater a situações mais dramáticas e que marcam a ferro e fogo a realidade contemporânea naquele continente. É o caso, por exemplo, da mutilação genital feminina que é largamente praticada em dezenas de países africanos, além de outros na Ásia e, até mesmo, em comunidades da Europa, América do Norte e Austrália.

O dia 6 de fevereiro, aliás, data do início do tal Fórum Social Mundial, marca coincidentemente o Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina. Melhor momento para uma tomada de posição não existiria, se a preocupação com o "social" efetivamente existisse.

A mutilação genital feminina (MGF) é uma prática em que parte, ou a totalidade, dos órgãos sexuais de mulheres e crianças são removidos. Há vários tipos de mutilações, com gravidades diferentes em suas consequências. Segundo as várias tradições (vá lá a expressão) dos castradores de mulheres, são removidos o clitóris ou os lábios vaginais. Uma das práticas de maior gravidade - chamada infibulação - consiste na costura dos lábios vaginais ou do clitóris, deixando uma abertura pequena para a saída da urina e da menstruação.

Para se ter uma ideia da extensão da violência, segundo dados da Anistia Internacional portuguesa, seguem alguns números sobre a prevalência de casos de mutilação genital feminina em diferentes lugares: Somália - prevalência de 99%; Sudão, Gâmbia, Djibuti e Etiópia - prevalência de 90%; Serra Leoa - prevalência de 80% a 90%; Burkina Faso - prevalência de 78%; Nigéria e Guiné - prevalência de 60%; Mauritânia e Libéria - prevalência de 55%. Isso sem falar naqueles países (Benin, República Centro Africana, Chade, Gana, Guiné Bissau, Mali, Senegal, Uganda etc), onde a mutilação se dá em proporções que variam de 20% a 45% do total de mulheres nativas.

Nos países civilizados, hoje, há um largo consenso de que a mutilação genital feminina é uma ofensa grave aos direitos humanos, em geral, e aos direitos da mulher e da criança, em especial. Melhor fariam os que querem dar barretadas a ditadores africanos, ou vivem a proclamar platitudes dignas de nefelibatas, se aproveitassem a oportunidade de um evento internacional para um chamamento à razão e à solidariedade efetivas que devem existir entre todos os povos do mundo. Os olhos enevoados e os ouvidos moucos talvez o sejam por não poderem estabelecer vínculos entre as perversões, de que são vítimas tantas mulheres, e o modo de produção capitalista. Verdade seja dita que o silêncio sepulcral também se nota no tocante ao casamento de frágeis meninas de cinco a 10 anos com fogosos varões estabelecidos na Palestina. Ah! sim! Talvez a explicação para tantas omissões esteja no famoso "relativismo cultural", que a tudo permite e justifica. Nessa toada, brevemente serão erguidos monumentos a caçadores de cabeça e a canibais, também nossos irmãos e companheiros.