quinta-feira, 21 de julho de 2016

Marilena Chauí

Dona Marilena Chauí é professora de filosofia da USP, considerada a maior e melhor universidade do país. Fez-se famosa pela sua, aliás, bem remunerada adesão ao PT, e sua defesa de tudo que é maléfico que o petismo impôs à nação. Se pelo dedo se conhece o gigante, a conduta política da madame permite entender a sofrível reputação das instituições de ensino superior brasileiras, verdadeiros antros de doutrinação, em nada diferentes das madraçais islâmicas. 

Alguém poderia achar que a dona, em seus delírios insanos, somente está a exercer o seu direito de livre manifestação do pensamento, vá lá a concessão. Em tudo, porém, há um limite. Quem se der ao trabalho de assistir ao vídeo abaixo, verá que um pedido de interdição da professora de filosofia favorita do PT deveria ser considerado. Os pais de alunos da tia velha deveriam considerar tal hipótese, em defesa da saúde mental e intelectual de seus filhos. José Guilherme Merquior, por sinal, já apontara seu comportamento desonesto ao plagiar Claude Lefort. 

A possível demência cobraria das autoridades acadêmicas um laudo psiquiátrico, em prol do interesse público e da defesa do equilíbrio espiritual no ambiente universitário. 

https://youtu.be/AQXw8B0lN2c

Marilena Chauí e a lava-jato




A desculpa do "antipetismo" (Estadão)


É muito conveniente, para os petistas, atribuir suas previsíveis dificuldades eleitorais neste ano, especialmente em São Paulo, ao tal “ódio ao PT” que eles tanto vivem a denunciar. O melancólico, mas merecido, quarto lugar do prefeito Fernando Haddad na pesquisa do Datafolha de intenção de voto à Prefeitura parece dar razão aos estrategistas de sua campanha que querem descolar o alcaide da desastrosa imagem de seu partido – estigma que, segundo esse raciocínio, excita na classe média paulistana seu atávico antipetismo. 

No entanto, essa é, como de hábito, uma desculpa esfarrapada: a hostilidade ao PT realmente cresceu nos últimos anos e acentuou-se mais recentemente, mas não em razão de preconceito contra o partido, e sim por ter ficado clara a brutal incompetência administrativa dos petistas, não apenas no Município de São Paulo, mas na gestão federal.

É por esse motivo que está cada vez mais difícil encontrar eleitores que se dizem petistas ou que tenham alguma boa vontade com o partido. As últimas eleições mostraram que o grosso do voto na sigla construída por Lula da Silva começa a se concentrar onde a pobreza e o atraso limitam o senso crítico dos eleitores. Especialmente nas regiões metropolitanas, antigo reduto do Partido dos Trabalhadores, o definhamento da legenda se acelerou – a pesquisa do Datafolha mostra que a simpatia pelo PT em São Paulo, por exemplo, caiu de cerca de 25% há quatro anos para 11% agora. 

O PT ainda é o partido que tem mais eleitores cativos na capital paulista, mas nem de longe apresenta o vigor dos tempos, nem tão distantes, em que o lulopetismo se arrogava o privilégio de ditar os termos da história.

Quando questionados sobre o fenômeno, os petistas têm uma explicação na ponta da língua: trata-se do resultado de uma gigantesca orquestração promovida para difamar o PT. E tudo, é claro, para impedir que o chefão Lula vença as eleições presidenciais de 2018. Como escreveu o presidente do PT, Rui Falcão, em texto publicado pelo partido no dia 18, a “insidiosa campanha da mídia monopolizada” e a “perseguição implacável de autoridades parciais” visam a “infligir uma derrota acachapante ao PT nas eleições municipais” e a frustrar a eventual candidatura de Lula, “liderança inquestionável” nas pesquisas.

Entre os conselheiros de Haddad, o discurso é o mesmo. Já há quem diga, aqui e ali, que o prefeito, se quiser se reeleger, terá de encontrar meios de lidar com a carga da impopularidade da presidente afastada Dilma Rousseff e do PT, sem falar na do próprio Lula, que em São Paulo enfrenta grande rejeição. Isso seria, na opinião desses assessores, o maior obstáculo de Haddad.

Assim, com a desfaçatez habitual, os petistas vão construindo a fantasia segundo a qual o problema eleitoral do PT está no eleitor – instigado pela “mídia monopolista” e pela “elite golpista” a odiar os petistas – e não no próprio partido, cujos delírios de uma revolução social financiada pelo Estado resultaram na maior crise econômica da história recente, sem falar na desmoralização da política pela via da institucionalização da corrupção.

Seria realmente espantoso se a esta altura, com a exposição escancarada da incompetência dos companheiros Haddad e Dilma, os eleitores não manifestassem repúdio ao modo petista de governar. É provável que entre os que reprovam o prefeito e a presidente ora afastada haja mesmo muitos antipetistas convictos, desses que escolhem o candidato pelo potencial para derrotar o PT. 

Mas é evidente que, diante do descalabro dos governos de Dilma e de Haddad, com desemprego, recessão, contas no vermelho, ruas esburacadas, ciclovias improvisadas, saúde em pandarecos, educação vergonhosa e muitas, mas muitas promessas grandiosas não cumpridas, a decisão de desalojar o PT do poder o quanto antes seja a mais racional a ser tomada na hora de votar.


A própria Dilma reconheceu isso, ainda que por obra de evidente ato falho. Em evento em uma universidade do ABC, depois de ter sido criticada por um dos presentes, a petista, sem querer, explicou por que foi afastada da Presidência: “Uma das constatações que temos que fazer é que algo não deu certo, tanto é que eles estão lá, e nós, aqui”. Bingo.

É preciso anexar às más lembranças do passado a presidente que tentou dinamitar o caminho do futuro (Augusto Nunes)


A perda do poder, a deserção dos aliados, a diáspora dos áulicos, o sumiço dos convites e das cerimônias oficiais, a interrupção da farra aérea, os buracos na agenda agora sem serventia, a falta do que fazer no palácio assombrado — esse clima de velório que precede a queda de um governante costuma abalar o mais equilibrado dos estadistas. Era inevitável que a mente nada brilhante de Dilma Rousseff sofresse danos consideráveis, mas ninguém imaginou que o estrago chegaria às dimensões que alcançou.

Só uma cabeça severamente avariada poderia parir o falatório que atribuiu a decretação do impeachment pelo Congresso a uma conspiração urdida por deputados e senadores para submeter o Brasil a uma ditadura parlamentarista — um singularíssimo regime totalitário controlado por parlamentares eleitos diretamente pelo povo. 

Parece mentira? Pois releiam a sopa de letras que custou a Dilma mais uma internação no Sanatório Geral:

“Por trás desse golpe, tem uma ambição muito forte pelo parlamentarismo. No Brasil, todas as transformações ocorreram pelo voto majoritário para presidente. No voto proporcional, há uma imensa quantidade de filtros, oligarquias regionais, filtros de segmentos que fazem com que, na maioria das vezes, o Parlamento no Brasil seja mais conservador que o Executivo”.

Como constatou o comentário de 1 minuto para o site de VEJA, o palavrório reafirma que Dilma deveria ter sido demitida já no primeiro dia do primeiro mandato, no momento em que abriu a boca para tentar juntar sujeito e predicado. 

Não pode ser presidente da República quem não sabe falar a língua oficial do país. Tampouco se pode entregar o Brasil a uma incapaz capaz de tudo. Assassinar a História, por exemplo. Ou torturar os fatos com perturbadora selvageria.

Se, como informa um trecho do pronunciamento de hospício, existe “uma ambição muito forte pelo parlamentarismo” por trás dos procedimentos constitucionais que Dilma insiste em chamar de golpe, a declarante está obrigada a identificar os ambiciosos fantasiados de representantes do povo. 

Eduardo Cunha é carta fora do baralho. Renan Calheiros é um bom companheiro da Assombração do Alvorada. Rodrigo Maia foi apoiado pelo PT no segundo turno da eleição na Câmara. Como FHC foi senador há muito tempo, Dilma acabou de inventar o complô sem comandantes.

Desde a Proclamação da República, o Executivo só não controlou o Legislativo durante os períodos de crise que precipitaram o fim de governos sem sustentação no Congresso. Foi assim com Getúlio em 1954, com Jânio Quadros em 1961, com Fernando Collor em 1992 e com Dilma Rousseff desde o início do segundo mandato. Abstraídas tais exceções — além do Estado Novo e da ditadura militar —, quem sempre deu as cartas no Brasil republicano foi o inquilino do gabinete presidencial.

O presidencialismo imperial vigorou até mesmo entre setembro de 1961, quando o Congresso aprovou a instauração do regime parlamentarista para remover o veto dos chefes militares à posse do vice-presidente João Goulart, e janeiro de 1963, quando um plebiscito devolveu a Jango os poderes desmaiados. Formalmente, o país teve três primeiros-ministros em 17 meses. É até possível que Dilma lembre que um deles foi Tancredo Neves. Perderá dinheiro quem apostar que o neurônio solitário guarda na memória os nomes de Brochado da Rocha e Hermes Lima.

O tedioso velório da mulher condenada pelo povo à morte política é o derradeiro tapa na cara do país que ela quase destruiu. As delinquências que amparam juridicamente o impeachment são quase irrelevantes se confrontadas com as anotações em tons de cinza na alentada folha de desserviços à nação. A pior chefe de governo desde o Descobrimento conseguiu o aparentemente impossível: expandir a herança maldita que Lula legou.

O legado ampliado por Dilma inclui, entre incontáveis abjeções, o aparelhamento da máquina administrativa por liberticidas gatunos, a infestação de ladrões e ineptos disfarçados de ministros, a transformação de amigas quadrilheiras em servidoras da pátria, a entrega da chave do cofre a parceiros fora-da-lei, a inflação sem controle, o mundaréu de obras abandonadas, os 12 milhões de desempregados, a política externa da canalhice, o sistema de saúde em frangalhos, o sistema de ensino reduzido a usina de idiotas com diploma, a economia putrefata, a roubalheira institucionalizada e a agonia da Petrobras devastada pelo maior esquema corrupto de todos os tempos, fora o resto.


Dilma fez o que pôde para desonrar o cargo que ocupou e dinamitar os caminhos do futuro. É preciso abreviar os gemidos da alma penada, e anexá-la o quanto antes às más lembranças do passado.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

CONTRA FATOS NÃO HÁ ARGUMENTOS (João Berchmans C. Serra)


Nos últimos tempos, o país experimentou uma profusão de escândalos atingindo diretamente os mais diversos órgãos e empresas do governo federal, que revelam os desmandos cometidos por Dilma Rousseff. 

O envolvimento da presidente afastada provisoriamente por decisão do Senado Federal se apresenta tão manifesto que é difícil, senão impossível, negar a evidência dos fatos, independentemente de ela ter, ou não, obtido vantagens financeiras pessoais. 

Daí o processo de impeachment de conteúdo jurídico-político, que se presta a definir se a presidente afastada cometeu o crime de responsabilidade ao editar decretos que abriram créditos suplementares para o Poder Executivo a realizar gastos exorbitantes sem a prévia autorização do Congresso Nacional e, ainda, se a presidente Dilma violou a lei de responsabilidade fiscal ao lançar mão de empréstimos ilegais obtidos “artificiosamente” junto ao Banco do Brasil, do qual a União é o acionista controlador. 

Os fatos são claros e assinalam, na apuração honesta que se faz, a feição gravíssima da prática, a um só tempo, da fraude contábil e fiscal de natureza grave, assim caracterizando-se, plenamente, o crime de responsabilidade. Com efeito, a nenhuma outra conclusão pode-se chegar, senão a de que se trata de uma sequência de transgressões conscientemente consumadas pela presidente afastada, não havendo como fugir da conclusão legal e imperiosa de que seu afastamento definitivo se torne imediato. 

Em sua defesa, a presidente afastada nega ter cometido o delito que lhe é imputado e atribui aos seus subordinados a culpa pela prática das irregularidades, como se fosse razoável a um presidente da república ignorar, por exemplo, que o seu governo pedalou em cerca de R$ 60 - 2/6 - bilhões de empréstimos forçados e inadimplidos, recorrentemente junto ao Banco do Brasil, a ponto de gerar quase R$ 1.6 bilhão em remuneração de juros e atualização monetária, dado que o custo de oportunidade do BB teve que ser pago. 

Não obstante essa irrefutável constatação, insiste a presidente afastada em defender a prática rasteira adotada, dizendo-a não passível de enquadramento no conceito de operações de crédito ou a estas assemelhadas e tudo por não haver um prazo assinalado pelo BB para que realizasse a “liquidação” da dívida. 

Pobre do cidadão comum que, inadimplente frente a um banco qualquer, se valesse desse argumento... Mas Dilma Rousseff, que tanto viajou mundo afora, deveria retornar no tempo, indo até a Roma antiga, berço do direito que inspirou a civilização ocidental, onde se cunhou a locução “in re ipsa”, com ela querendo dizer os romanos que uma coisa, de tão óbvia, fala por si só. 

Os romanos não perdiam tempo quando os fatos eram evidentes. O direito brasileiro, como de resto o dos demais países do mundo civilizado, ditou que o fato notório dispensa prova e teceu o jargão de que contra fatos não há argumentos. Quando os fatos falam por si, a presunção é no sentido de que as evidências são verdadeiras até prova em contrário. 

O princípio do in re ipsa já seria suficiente para determinar a dispensa definitiva da presidente afastada Dilma Rousseff, tamanha a clareza dos fatos acerca da gravíssima prática de crime de responsabilidade. 

Gravíssimos foram efetivamente os atos por ela conscientemente consumados no exercício da presidência. Além de manifestação incontestável do TCU, a perícia feita a pedido da própria defesa de Dilma Rousseff concluiu que ela praticou ato comissivo irregular e típico do crime de responsabilidade na edição de decretos de créditos suplementares. 

Consta ainda dos autos do processo de impeachment manifestação técnica conclusiva da assistente dos - 3/6 - peritos no sentido de que as pedaladas efetivamente ocorreram e se deram, também, no firme propósito de o governo de Dilma Rousseff esconder os exorbitantes gastos feitos ao arrepio da lei de responsabilidade fiscal, configurando o que a maioria esmagadora dos senadores hoje chama de “o conjunto da obra”. 

Mas a presidente Dilma, que já havia corrompido a língua portuguesa ao cunhar um substantivo inexistente - o inoportuno e inconveniente “Presidenta” - tentou igualmente forjar um neologismo contábil para escriturar as pedaladas como sendo um alongamento da equalização de créditos a receber (vide balanço do Banco do Brasil de 2015). 

Mais do que isso, a presidente afastada usurpou a competência de um outro poder ao agir conscientemente para editar decretos que autorizavam gastos suplementares sem a outorga uxória do Congresso Nacional. A coisa fala por si só, mas Dilma Rousseff ainda tenta provar que tudo era feito sem a sua participação direta, como se fosse crível imaginar que, de repente e ao mesmo tempo, sem que existisse um comando central superior, um sem número de servidores públicos do Ministério da Fazenda, da Secretaria do Tesouro Nacional, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, do Banco Central e do BNDES, dentre outros, tivessem agido à revelia de uma presidente marcadamente autoritária e centralizadora, como sempre foi Dilma Rousseff. 

Não paira a menor sombra de dúvida: a lamentável fraude contábil-fiscal devastadora da economia do país, empreendida sob título de contabilidade criativa, contou com o apoio direto da presidente afastada e fácil é de se ver, bem à mostra, nesse ato ardiloso, o propósito de validar o estelionato eleitoral cometido em 2014. 

Hoje, ninguém duvida que a presidente Dilma àquela época bem sabia que jamais seria reeleita se a sociedade brasileira tivesse uma remota noção do verdadeiro tamanho do fosso que ela e os mais destacados colaboradores do seu partido cavaram, agindo como prepostos e mandatários da presidente afastada. 

Mas o projeto de poder traçado para durar pelo menos 30 anos foi catapultado pela sede com que alguns dos vassalos da presidente afastada se lambuzaram com o mel da onipotência que o dinheiro fácil traz e com o fel da corrupção. 

Como acreditar na tese da defesa que diz não ter havido crime de responsabilidade se, como se sabe, a Constituição Federal prescreve uma forma a ser seguida por quem exerça a presidência da república, no caso a presidente Dilma ? 

Não será absurda essa afirmação de suposta isenção do crime de responsabilidade, se a presidente afastada, passando por cima das disposições constitucionais, por prepotência e vaidade, para não dizer por abuso de autoridade, ordenou gastos suplementares sem autorização prévia do Congresso Nacional e escondeu deste Poder a verdadeira razão pela qual os gastos extraordinários seriam feitos? 

Como dizer não ter havido crime por violação da lei de responsabilidade fiscal se a presidente Dilma lançou mão de dinheiro de um banco controlado pelo governo federal para fazer frente às despesas do que se chamou “bolsa-empresário” e que já se viu ser de destinação criminosa? 

Como acolher a tese que diz ter a presidente Dilma praticado apenas atos de mera gestão administrativa, querendo fazer crer que a presidente afastada se limitava a chancelar os atos administrativos que os seus subalternos lhe submetiam, para assinatura, como se a atuação de Dilma ao validar gastos superiores a R$ 60 bilhões fosse uma questão meramente pró forma?!

In re ipsa, diriam os romanos e dizemos nós, brasileiros e brasileiras que, cansados de tanto desmando, fomos às ruas e ganhamos as praças públicas para exercer o nosso civismo e defender a Constituição Cidadã. Não é razoável querer convencer que Dilma Rousseff nada sabia ao praticar atos privativos de um presidente da república! 

Culpar apenas os seus subordinados, um deles o grande mentor e executor dessa contabilidade destrutiva e seu fiel escudeiro desde os tempos em que Dilma trabalhou para o governo do estado do Rio Grande do Sul, é fazer pouco caso do senso comum. 

Dilma Rousseff teve a chance de prestar depoimento na Comissão Especial do Impeachment e, mais uma vez, ignorou o Senado Federal valendo-se, como sempre fez, de terceiros para a prática de seus atos. É sintomático que ela, na condição de ré, acusada de graves crimes evidenciados por fatos notórios, tenha agido como sempre fez: deixou para terceiros a tarefa de falar e fazer por ela atos que o cidadão comum pratica pessoalmente. 

A sua ausência no depoimento pessoal, tarefa a rigor inderrogável, fazendo-se representar por seu advogado é a prova cabal de que a presidente afastada sempre praticou atos que lhes são próprios por meio de terceiros que em seu nome agem. Muito apropriados são os clássicos versos do célebre poeta baiano, Gregório de Matos, conhecido como “Boca do Inferno”, em que dizia: “O todo sem a parte não é todo, a parte sem o todo não é parte”. 

Dilma Rousseff, mais do que parte, era o todo nessa engenharia contábil-eleitoral criada para manter um projeto de governo que se mostrou desastroso para o país e que serviu apenas a uns poucos aproveitadores criminosos, hoje em boa hora conhecidos por força da Operação Lava-Jato que tantos e bons serviços presta à população brasileira. 

Dizer que Dilma Rousseff não sabia do ardil engendrado por seus colaboradores mais diretos faz-nos lembrar a crença pueril que Gilbert Keith Chesterton, o grande poeta e filósofo inglês, frisava no final do século XIX ao dizer que alguns ainda alimentavam a crença de que “são as árvores que causam o vento.” 

E tomando por empréstimo essa metáfora secular, pode-se afirmar sem temor que não foram os “quebra-galhos” da presidente afastada a causa dos ventos que assolam os 13 milhões de desempregados, que geraram um rombo histórico nas contas públicas e que determinaram uma queda vertiginosa da economia nacional hoje, felizmente, já com alguns leves sinais de recuperação. 

Toda a causa dessa tormenta, toda essa ventania devastadora é fruto direto de atos comissivos praticados por Dilma Rousseff que deixou para o Congresso Nacional a tarefa indeclinável de gritar pelo voto favorável ao impeachment, considerada a atitude afrontosa da presidente afastada para com o estado democrático de direito. 

Ao cometer o crime de responsabilidade, a presidente como que depôs o traje de gala de guardiã da pátria e revestiu-se das vestes usadas pelos que não se comportam bem diante da lei. Já posso ouvir o rumor dos passos do povo nas ruas cantando com Ivan Lins: “Abram alas pra minha bandeira [a verde-amarela do Brasil] já está chegando a hora”.

terça-feira, 19 de julho de 2016

A Emília que virou David (Humberto Werneck)


(Humberto Werneck é um dos maiores cronistas brasileiros, quiçá o melhor deles)

Digno de novela mexicana, horário da meia-noite, o caso foi muito bem contado por Pedro Nava em Beira-Mar. Eu próprio, modestamente, a ele acrescentei uma ou duas diminutas cerejas, fruto do gosto que tenho por bizarrias em geral, mineiras em particular. E dava o episódio por completo quando, faz uns dias, me caiu nas mãos um depoimento gravado por centenária senhora, já falecida, rico em pormenores capazes de finalmente fechar (ou não?) a história, prestes a completar um século, de Emília, a mocinha que virou David.

Vamos imaginar que você não leu o Nava, e menos ainda a prosa esquecível deste cronista, nada sabendo, portanto, acerca de um episódio que chacoalhou a modorrenta Belo Horizonte de 1917, cidade de prancheta que mal chegava aos 20 anos, mas também o Rio de Janeiro, capital da República, onde uma glória literária, o hoje esquecido Coelho Netto, tendo lido no jornal sobre a espetaculosa conversão de Emília em mancebo, nela se inspirou para escrever uma peça de sucesso, O Patinho Feio.

Mas comecemos pelo começo. O patinho em questão, ainda patinha, estudava na Escola Normal, estabelecimento cujo nome, aliás, estava em frontal contradição com aquela aluna, comprida, desajeitada e sobretudo feia, minuciosamente feia. Com efeito, podia ser tudo a Miloca, menos normal, conforme os incrédulos haveriam de constatar até visualmente, caso visitassem o caderno de imagens de meu livro O Desatino da Rapaziada, no qual, em foto de página dupla, a formidanda criatura destoa escandalosamente de suas colegas de turma.

Uma das meninas, não identificada, se chama Zaíra, e é possível que àquela altura estivesse envolvida numa história de amor com a Miloca. História não tão discreta assim: a direção da escola proibiu a entrada de mais de uma aluna nas cabines do banheiro, depois que as duas foram flagradas em suspeita intimidade. Havia mais. Numa roda em que se trocavam impressões sobre menstruação, Emília causou pasmo ao declarar que, aos 18 anos, não tinha “isso”. A certa altura, passou a vestir casaco de gola alta para camuflar um bandeiroso gogó.

Em casa, Seu Nico estava cada mais convencido de que a filhona positivamente fugia ao figurino e, em momentos de exasperação paterna, os vizinhos o ouviam berrar “Miloco” em vez de Miloca. Suas suspeitas ganharam consistência no dia em que, estando Zaíra de partida para o Rio, Miloca encasquetou despedir-se dela na estação ferroviária. De nada adiantou proibir: a moça, digamos assim, foi vista saltando o portão, às 5 da matina.

O pai decidiu levá-la ao consultório do dr. David Rabello. Quando, terminado exame, o médico abriu a porta, Seu Nico perguntou: “E então, doutor, e a minha filha?” “Filha não, meu senhor”, respondeu o doutor: “filho...” E assim soube que Emília era portadora de hipospadia, malformação em que o pênis se desenvolve, mas não sai da toca.

Para corrigir o que Nava chamou de “erro gramatical da natureza”, seria preciso operar – o que foi feito pelo próprio Dr. David, não na acanhada e mexeriqueira Belo Horizonte, mas no Rio de Janeiro. Mais uma proeza de quem já fizera em si mesmo, com auxílio de um espelho, uma cirurgia de hérnia inguinal.

Na peça de Coelho Netto, Eufêmia sai do consultório usando o terno do noivo que o bisturi tornara obsoleto. No caso da ex-Miloca, o que se sabe é que a trança foi cortada e atirada ao mar. Agora, em plena posse de sua macheza, livrou-se a criatura da obrigação de ser bonita; mas depoimentos há de que David – assim batizado em homenagem ao cirurgião –, até mesmo como varão, era um caso de clamorosa feiura.

Não se sabe o que foi feito de Zaíra. Logo David se pôs a arrastar uma asa para outra ex-colega de Escola Normal, a Rufina, com quem, ante uma unanimidade de queixos caídos, veio a se casar.

Pedro Nava fala em happy end, mas não foi assim. Nem bem minguara a lua de mel e Belo Horizonte se pôs à espera de uma prole que, mais do que assegurar o prosseguimento da espécie, atestaria o satisfatório desempenho funcional da ex-Miloca. Esperou-se em vão.

Frustrada em mais que sua vocação de mãe, Rufina mergulhou numa tristeza para a qual só viu consolo na fé religiosa. Separou-se do marido que, como num romance antigo, se acabou ainda jovem, cuspindo o sangue dos tuberculosos.

Na intimidade do confessionário, a esposa insatisfeita abriu ao padre o coração, e em seguida mais que isso – e eis a maior novidade do depoimento a que agora tive acesso: confessor e confidente não tardaram a buscar mobiliário mais acolhedor, no qual literalmente deitaram e rolaram.

Se os amantes foram felizes? Ainda não chegou a mim uma só palavra, escrita ou falada, que indique o contrário.