A perda do poder, a deserção dos aliados, a diáspora dos
áulicos, o sumiço dos convites e das cerimônias oficiais, a interrupção da
farra aérea, os buracos na agenda agora sem serventia, a falta do que fazer no
palácio assombrado — esse clima de velório que precede a queda de um governante
costuma abalar o mais equilibrado dos estadistas. Era inevitável que a mente
nada brilhante de Dilma Rousseff sofresse danos consideráveis, mas ninguém
imaginou que o estrago chegaria às dimensões que alcançou.
Só uma cabeça severamente avariada poderia parir o falatório que
atribuiu a decretação do impeachment pelo Congresso a uma conspiração urdida
por deputados e senadores para submeter o Brasil a uma ditadura parlamentarista
— um singularíssimo regime totalitário controlado por parlamentares eleitos
diretamente pelo povo.
Parece mentira? Pois releiam a sopa de letras que custou
a Dilma mais uma internação no Sanatório Geral:
“Por
trás desse golpe, tem uma ambição muito forte pelo parlamentarismo. No Brasil,
todas as transformações ocorreram pelo voto majoritário para presidente. No
voto proporcional, há uma imensa quantidade de filtros, oligarquias regionais,
filtros de segmentos que fazem com que, na maioria das vezes, o Parlamento no
Brasil seja mais conservador que o Executivo”.
Como constatou o comentário de 1
minuto para o site de VEJA, o palavrório reafirma que Dilma
deveria ter sido demitida já no primeiro dia do primeiro mandato, no momento em
que abriu a boca para tentar juntar sujeito e predicado.
Não pode ser
presidente da República quem não sabe falar a língua oficial do país. Tampouco
se pode entregar o Brasil a uma incapaz capaz de tudo. Assassinar a História,
por exemplo. Ou torturar os fatos com perturbadora selvageria.
Se,
como informa um trecho do pronunciamento de hospício, existe “uma ambição muito
forte pelo parlamentarismo” por trás dos procedimentos constitucionais que
Dilma insiste em chamar de golpe, a declarante está obrigada a identificar os
ambiciosos fantasiados de representantes do povo.
Eduardo Cunha é carta fora do
baralho. Renan Calheiros é um bom companheiro da Assombração do Alvorada.
Rodrigo Maia foi apoiado pelo PT no segundo turno da eleição na Câmara. Como
FHC foi senador há muito tempo, Dilma acabou de inventar o complô sem
comandantes.
Desde a
Proclamação da República, o Executivo só não controlou o Legislativo durante os
períodos de crise que precipitaram o fim de governos sem sustentação no
Congresso. Foi assim com Getúlio em 1954, com Jânio Quadros em 1961, com
Fernando Collor em 1992 e com Dilma Rousseff desde o início do segundo mandato.
Abstraídas tais exceções — além do Estado Novo e da ditadura militar —, quem
sempre deu as cartas no Brasil republicano foi o inquilino do gabinete
presidencial.
O presidencialismo
imperial vigorou até mesmo entre setembro de 1961, quando o Congresso aprovou a
instauração do regime parlamentarista para remover o veto dos chefes militares
à posse do vice-presidente João Goulart, e janeiro de 1963, quando um
plebiscito devolveu a Jango os poderes desmaiados. Formalmente, o país teve
três primeiros-ministros em 17 meses. É até possível que Dilma lembre que um
deles foi Tancredo Neves. Perderá dinheiro quem apostar que o neurônio
solitário guarda na memória os nomes de Brochado da Rocha e Hermes Lima.
O
tedioso velório da mulher condenada pelo povo à morte política é o derradeiro
tapa na cara do país que ela quase destruiu. As delinquências que amparam
juridicamente o impeachment são quase irrelevantes se confrontadas com as anotações
em tons de cinza na alentada folha de desserviços à nação. A pior chefe de
governo desde o Descobrimento conseguiu o aparentemente impossível: expandir a
herança maldita que Lula legou.
O
legado ampliado por Dilma inclui, entre incontáveis abjeções, o aparelhamento
da máquina administrativa por liberticidas gatunos, a infestação de ladrões e
ineptos disfarçados de ministros, a transformação de amigas quadrilheiras em
servidoras da pátria, a entrega da chave do cofre a parceiros fora-da-lei, a
inflação sem controle, o mundaréu de obras abandonadas, os 12 milhões de
desempregados, a política externa da canalhice, o sistema de saúde em
frangalhos, o sistema de ensino reduzido a usina de idiotas com diploma, a
economia putrefata, a roubalheira institucionalizada e a agonia da Petrobras
devastada pelo maior esquema corrupto de todos os tempos, fora o resto.
Dilma
fez o que pôde para desonrar o cargo que ocupou e dinamitar os caminhos do
futuro. É preciso abreviar os gemidos da alma penada, e anexá-la o quanto antes
às más lembranças do passado.
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