sábado, 31 de dezembro de 2016

Sobral Pinto, o petrolão e a advocacia (Augusto Nunes)

Sobral Pinto



Os mentores do manifesto dos advogados a favor da bandidagem do Petrolão deveriam ter promovido a primeiro signatário, in memoriam, o mestre Márcio Thomaz Bastos, morto em novembro de 2014. Todos sempre foram discípulos do jurista que transformou o gabinete de ministro da Justiça em fábrica de truques concebidos para eternizar a impunidade dos quadrilheiros do Mensalão. Todos são devotos do criminalista que, desde que o freguês topasse pagar os honorários cobrados em dólares por hora trabalhada, enxergava filhos extremosos até em parricidas juramentados.

Coerentemente, o manifesto dos bacharéis, na forma e no conteúdo, é uma sequência de exumações da fórmula aperfeiçoada por Márcio para defender o indefensável. À falta de munição jurídica, seu tresoitão retórico alvejava a verdade com tapeações, falácias e chicanas. Em artigos, entrevistas ou discurseiras, ele primeiro descrevia o calvário imposto a outro cidadão sem culpas por policiais perversos, promotores desalmados e juízes sem coração. Depois, fazia o diabo para absolver culpados e condenar à execração perpétua os defensores da lei. Foi o que fizeram os parteiros do manifesto abjeto.

Os pupilos hoje liderados por um codinome famoso ─ Kakay ─ certamente guardam cópias do texto do mestre publicado na Folha em junho de 2012. “Serei eu o juiz do meu cliente?”, perguntou Márcio no título do artigo que clamava pela imediata libertação do cliente Carlinhos Cachoeira (” Carlos Augusto Ramos, chamado de Cachoeira”, corrigiu o autor). “Não o conhecia, embora tivesse ouvido falar dele”, explicou. Ouviu o suficiente para cobrar R$15 milhões pela missão de garantir que o superbandido da vez envelhecesse em liberdade.

A pergunta do título foi reiterada no quinto parágrafo: “Serei eu o juiz do meu cliente?” Resposta: “Por princípio, creio que não. Sou advogado constituído num processo criminal. Como tantos, procuro defender com lealdade e vigor quem confiou a mim tal responsabilidade”. Conversa fiada, ensinara já em outubro de 1944 o grande Heráclito Fontoura Sobral Pinto, num trecho da carta endereçada ao amigo Augusto Frederico Schmidt e reproduzida pela coluna. Confira:
“O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da causa que lhe levam para patrocinar. Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição”.

“Não há exagero na velha máxima: o acusado é sempre um oprimido”, derramou-se Márcio poucas linhas depois. “Ao zelar pela independência da defesa técnica, cumprimos não só um dever de consciência, mas princípios que garantem a dignidade do ser humano no processo. Assim nos mantemos fiéis aos valores que, ao longo da vida, professamos defender. Cremos ser a melhor maneira de servir ao povo brasileiro e à Constituição livre e democrática de nosso país”.

Com quase 70 anos de antecedência, sem imaginar como seria o Brasil da segunda década do século seguinte, Sobral Pinto desmoralizou esse blá-blá-blá de porta de delegacia com um parágrafo que coloca em frangalhos também a choradeira dos marcistas voluntariamente reduzidos a carpideiras de corruptos confessos. A continuação da aula ministrada por Sobral pulveriza a vigarice:
“A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa. O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão”. 

“A pródiga história brasileira dos abusos de poder jamais conheceu publicidade tão opressiva”, fantasiou o artigo na Folha. “Aconteceu o mais amplo e sistemático vazamento de escutas confidenciais. (…) Estranhamente, a violação de sigilo não causou indignação. (…)  Trocou-se o valor constitucional da presunção de inocência pela intolerância do apedrejamento moral. Dia após dia, apareceram diálogos descontextualizados, compondo um quadro que lançou Carlos Augusto na fogueira do ódio generalizado”.


Muitos momentos do manifesto parecem psicografados por Márcio. Onde o mestre viu fogueiras do ódio, os discípulos enxergaram uma Inquisição à brasileira. Como o autor do artigo da Folha, os redatores do documento se proclamam grávidos de indignação com “o menoscabo à presunção de inocência (…), o vazamento seletivo de documentos e informações sigilosas, a sonegação de documentos às defesas dos acusados, a execração pública dos réus e a violação às prerrogativas da advocacia.


Sempre que Márcio Thomaz Bastos triunfava num tribunal, a Justiça sofria mais um desmaio, a verdade morria outra vez, gente com culpa no cartório escapava da cadeia, crescia a multidão de brasileiros convencidos de que aqui o crime compensa e batia a sensação de que lutar pela aplicação rigorosa das normas legais é a luta mais vã. A Lava Jato vem mostrando ao país, quase diariamente,  que ninguém mais deve imaginar-se acima da lei.

Neste começo de 2016, todo gatuno corre o risco de descobrir como é a vida na cadeia. O juiz Sérgio Moro, a força-tarefa de procuradores e os policiais federais engajados na operação desafiaram a arrogância dos poderosos inimputáveis ─ e venceram. O balanço da Lava Jato divulgado em dezembro atesta que, embora a ofensiva contra os corruptos da casa-grande esteja longe do fim, o Brasil mudou. E mudou para sempre.

Todo réu, insista-se, tem direito a um advogado de defesa. Mas doutor nenhum tem o direito de mentir para livrar o acusado que contratou seus serviços de ser punido por crimes que comprovadamente cometeu. O advogado é o juiz inicial da causa. Não pode agir como comparsa de cliente bandido.


quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Ativismo institucional (José Augusto Guilhon de Albuquerque)


Das crises que se sucederam desde a queda do Estado Novo, nenhuma foi tão intensa e longa como a atual. Desencadeada com a eleição de Dilma Rousseff em 2014, não se encerrou com a posse definitiva de Michel Temer, e já ingressou em seu terceiro ano. Seu desfecho e seus efeitos sobre a sobrevivência da democracia representativa e das liberdades públicas são imprevisíveis.

O atual processo de deterioração da institucionalidade política começou como uma crise da Presidência e, tal um zika vírus, foi provocando degeneração ao longo do sistema nervoso central da República. No âmbito da Presidência, a crise manifestou-se numa combinação de ativismo e paralisia, pois, embora incapaz de montar seu próprio Gabinete e dar rumo e consistência às ações de seu governo, a presidente Dilma adotou um ativismo decisório que provocou falência múltipla dos órgãos governamentais do Executivo.

Os demais Poderes e suas instituições continuaram funcionando – mal, segundo alguns –, cada um afetado por suas próprias limitações, que continuaram produzindo inevitáveis atritos, próprios da separação entre Poderes. Para além dos eventuais atritos – a exemplo da assim chamada judicialização da política –, o sistema político sobreviveu à destituição da chefe do Executivo sem maiores abalos na ordem legal, apesar da relação conflituosa entre o Legislativo – especialmente a Câmara dos Deputados – e o Executivo. 

Atribuir a queda do governo Dilma a uma paralisia decisória é um erro crasso. O que de fato ocorreu foi um ativismo decisório das instituições básicas de nosso sistema político, refletido em ações unilaterais precipitadas, inconsistentes e frequentemente contraditórias. Exemplo cabal é o da presidente, tentando corrigir o fracasso de sua receita econômica criativa, dobrando a dose sucessivamente até levar o doente à UTI. 

Outro é o festival de retaliações protagonizado por Dilma e Eduardo Cunha. Seu resultado – com a reviravolta da bancada petista a favor da cassação de Cunha por falta de decoro, e o troco de Cunha, admitindo o processo de impeachment da presidente – foi a ruptura dos limites institucionais. Isso deu salvo-conduto ao ativismo político à sombra das instituições. Não é que as instituições tivessem deixado de funcionar ou se bloqueassem mutuamente. O mais grave é que sua missão fundamental – determinar normas que estabelecem os limites da legitimidade das decisões de suas instâncias e coibir a manifestação de interesses e a prevalência de escolhas morais e políticas unilaterais – foi posta em segundo plano.

Liberados das amarras da letra da lei, entre 15 de novembro e 17 de dezembro de 2015, Teori Zavascki decidiu unilateralmente mandar prender um senador da República sem autorização prévia do Senado e sem flagrante delito; Luiz Fachin propôs-se a elaborar, “em relação ao exame da constitucionalidade, e da recepção, no todo ou em parte, da lei de 1950, um rito que vai do começo ao final do julgamento do Senado”; e Roberto Barroso, sem mais aquelas, desfigurou inteiramente – para usar um termo ao gosto do ativismo generalizado que hoje grassa – as prerrogativas constitucionais do Legislativo.

Passado um ano, já ninguém se surpreende quando, com base apenas em suas convicções morais, um grupo de procuradores usa recursos públicos para divulgar suas conclusões pessoais sobre investigações ainda em curso, ou para dar ultimatum aos legisladores. Ou, o que é pior, deixa claro que o Legislativo não tem o direito de contrariar a opinião deles sobre o que é melhor para o País. 

Tampouco surpreende que, longe de tentar a via das mútuas concessões, parte significativa do Legislativo entre numa queda de braço com o Judiciário – por mais que coberto de razões; que um líder de partido no governo peça a renúncia do presidente da República, membros do Executivo envolvam a Presidência em questiúnculas ou que um ministro “grampeie” o chefe de Estado e ainda seja tratado como herói. 

Agentes institucionais, nos mais altos escalões da República, julgam lícito atuar como ativistas justiceiros, em nome de suas convicções morais ou políticas. Já não se importam com a letra da lei, nem pestanejam diante das consequências dos seus atos, destituindo o sistema político de sua pedra angular, a segurança jurídica e política. 

Quando o conflito aberto entre as instituições básicas do sistema político torna impossível garantir que não haverá alguém, imbuído do poder de assinar uma liminar, capaz de cassar os efeitos da chamada PEC do Teto, ou reentronizar no poder Dilma Rousseff, então a democracia representativa, e as liberdades que ela garante, continuarão em risco.

Ainda existe alternativa entre cumprir a agenda de reformas – do gasto público, da Previdência, da legislação do trabalho, da remoção dos entraves seculares à dinamização das exportações e ao investimento estrangeiro –, para cuja aprovação o Executivo tem contado com amplo apoio no Congresso e na elite dirigente, ou, então, assistir à desmoralização irremediável da classe política e do Judiciário, incapazes de conter o ativismo irresponsável de muitos de seus membros. É preciso pôr um paradeiro nas pautas-bomba, que hoje são inaceitáveis, com ou sem razão, tanto para o Judiciário quanto para o Legislativo ou para o Executivo, a fim de que, mediante concessões mútuas, seja possível, pelo menos, remendar o mito da separação entre Poderes, sobre o qual se assentam a nossa República e a nossa liberdade.

Com os demais Poderes sob suspeição mútua, e como só o poder se opõe ao poder (Montesquieu), talvez um pouco de ativismo presidencial, com apoio em sua sólida base parlamentar, ouse vetar liminarmente – até que “prevaleça o bom senso” – qualquer tentativa de impor uma pauta que, caso aprovada, levará fatalmente à derrocada do regime e, com ele, de nossa liberdade.

sábado, 24 de dezembro de 2016

Quíntuplos: o milagre da vida


É comovente o milagre da vida. Cinco bebês gestados ao mesmo tempo. O nascimento se deu no estado do Arizona, nos Estados Unidos. Bem vindos ao mundo.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A crise institucional brasileira (Luiz Werneck Vianna)


 Entrevista de Luiz Werneck Vianna, cientista político e professor da PUC Rio - ao Estado de S. Paulo - 20/12.

1. ESP - Os vazamentos de delações de executivos da Odebrecht caíram como uma bomba na classe política. O que podemos esperar da crise, que parece não ter fim?
LVW - Essas coisas não estão acontecendo naturalmente. Não são processos espontâneos. A esta altura, a meu ver, não há dúvida de que há uma inteligência organizando essa balbúrdia. Essa balbúrdia é provocada e manipulada com perícia. 

  
2. ESP - Mas quem faz isso? O Ministério Público? O Judiciário? Essas corporações tomaram conta do País. Estão se sobrepondo ao sistema político?
LWV - Sim, claramente. E também ganhando mais poder. Na defesa dos interesses públicos, reforçam suas conquistas corporativas. Então não se pode mexer na questão do teto salarial. 

3. ESP - Podemos concluir que a crise se prolongará, já que isso interessaria a essas corporações?
LWV - O fato é que se criou, nesses últimos anos, uma cultura corporativa muito poderosa. Se você fizer um recenseamento dessas corporações, dos seus encontros anuais, são milhares de profissionais que anualmente se reúnem em algum canto, em geral paradisíaco, para definir a sua agenda, do ponto de vista corporativo. E os partidos não têm penetração, não têm inclusão. São figuras mantidas à margem. 
       
4. ESP - Os partidos acabaram?
LWV - Não acabaram. Estão aí. Estão muito enfraquecidos e sendo objeto deste achincalhe.

5. ESP -  Mas as posições defendidas por esses setores têm sustentação na sociedade, não?
LWV - Esse andamento não foi previsto. Foi sendo percebido ao longo do processo. Uma coisa sabiam: que a conquista da mídia era estratégica. Se você pegar os textos que embasam as ações da Lava Jato, lá nos escritos do juiz Sérgio Moro, vai ver a percepção que eles tinham a respeito da mídia como dimensão estratégica. As ruas foram o inesperado, mas que aos poucos foi se descobrindo como outra dimensão a ser trabalhada. Então, montou-se uma rede, que hoje já não atua mais espontaneamente. Esse processo é, a essa altura, governado. Imprime-se a ele uma certa direção. Agora, para quê, para onde, acredito que eles não sabem. 
      
6. ESP - O papel dessas corporações teria de ser revisto?
LWV - Só quem pode enfrentar essas corporações é o poder político organizado. Quando elas são atacadas, se defendem dizendo que na verdade quem está sendo atingindo é o interesse público. Conseguiram armar esse sistema que as tem protegido de crítica. A questão (da limitação) dos altos salários, por exemplo. Dizem que essas não são medidas corretivas, mas sim que penalizam o poder judicial. Quando eles se protegem da opinião pública mobilizando na outra mão a Lava Jato, ficam inatacáveis. 
       
7. ESP - O governo Temer sobrevive até 2018? Chegaremos às eleições?
LWV - Torço para que isso ocorra. Porque a destruição desse governo agora nos joga nas trevas. Destituí-lo para quê? Para fazer eleição direta? Mas como? Fazer eleição direta neste caos? Quem vai ganhar isso? 
        
8. ESP - Vivemos uma espécie de “Revolução dos bacharéis”?
LWV - Não, não, não. Tem uma metáfora melhor, a dos tenentes.

9. ESP - Na Constituição faltam controles sobre essas corporações?
LWV - Em princípio, não. O problema é que as instituições têm de ser “vestidas” pelos personagens. E, a partir de certo momento, os personagens começaram a ter comportamentos bizarros. E que têm essa visão iluminada que os tenentes tiveram, nos anos 20. Só que os tenentes tinham um programa econômico e social para o País. E esses tenentes de toga não têm. São portadores apenas de uma reforma moral. 
   
10. ESP - Mas o combate à corrupção não é importante?
LWV - Sem dúvida. Agora, política é política. Este Judiciário que está aí ignora a existência de Maquiavel. Ele se comporta apenas com um ímpeto virtuoso, um ímpeto de missão.

11. ESP - A atuação dessas corporações fortalece a negação da política?

LWV - Sim. Elas só existem desse jeito destravado, sem freios, porque as instituições republicanas recuaram. E o presidencialismo de coalizão teve responsabilidade nisso. Porque rebaixou os partidos, fez dos partidos centros de negócio.

sábado, 17 de dezembro de 2016

Lixo


O zelador do edifício Solaris, no Guarujá-SP, foi arrolado como testemunha no caso conhecido como "o apartamento de Lula que não é de Lula". O tal imóvel seria, como quer nos fazer crer o facinoroso ex-presidente, da empreiteira OAS e, não, dele, apesar de todas as evidências em contrário. 

Longe do lero-lero peculiar do juridiquês - que mais encobre do que desvela - o referido zelador expressou, em língua popular, a melhor definição da corriola petista. Deveria se tornar a frase do ano: "vocês são lixo".

Tais sujos e deteriorados personagens deveriam ser transportados rumo à cadeia em caminhões-caçamba, aqueles destinados a remover os detritos repugnantes dos quais aquela gente é parte indissociável. 

Lixo, vocês são lixo!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

STF e o perigoso terreno da galhofa

O STF entrou no perigoso terreno da galhofa, advertiu o ministro Gilmar Mendes a propósito de recente liminar concedida por Luiz Fux, obrigando a Câmara dos Deputados a refazer uma votação. Fux, ao que parece, compete com o ministro Marco Aurélio Mello (este, dia sim, dia não, faz uma das suas também), para ver qual dos dois protagonizará mais presepadas no Supremo Tribunal Federal. Na disputa pelo título concorre ainda, com garbo e proficiência, o ministro Luiz Barroso. Páreo duro, diria um comentarista esportivo, dada a qualidade dos participantes.  

Pela atuação vista desses varões, é possível perceber que o Supremo Tribunal Federal é parte indissociável da crise brasileira. O descrédito dos Parlamentos e dos Executivos, aliás, atinge em cheio toda essa vastidão de juízes, desembargadores, ministros, procuradores e promotores cujo bem sortido ganha-pão consiste em, supostamente, fazer prevalecer a Lei. Como se leis e Tribunais fossem sinônimos de Justiça. Pode, até, acontecer, aqui e ali, casos pontuais que, de tão extravagantes, levam o populacho a se derreter de amores por algum profissional do Direito situado fora da curva.

As vozes críticas que embalam pedidos de eleições gerais visando limpar essa imensa estrebaria - verdadeiro trabalho para muitos Hércules - deveriam incluir no pacote a renovação de todo o sistema judiciário, em especial aquela parte situada nas cúpulas. Se a muitos causa vômitos ver os Renan Calheiros, e a companheirada petista, pontificando no Parlamento, não são menos repulsivos os casos protagonizados sistematicamente por meritíssimos empavoados e esvoaçantes, tal qual suas horrendas togas negras. Para ficar mais coerente, deveriam usá-las de cores mais vivas, de preferência sacadas do arco-íris. Quando Luiz Inácio denunciou, distantes anos atrás, os 300 picaretas, incluiu na conta os membros do judiciário?

Faça-se um plebiscito. Se não for possível, ao menos uma pesquisa e lance-se nela a indagação sobre a montagem de um novo STF e outros tribunais superiores, mandando para a esterqueira tantos que lá deveriam estar. Se for para escolher novo presidente da república e novo parlamento federal, que se inclua nas opções uma limpeza do Judiciário, com novos magistrados, revigorados e com mandato a cumprir. As ruas poderão gritar, então, em alto e bom som: Fora Temer, fora Renan e seus cúmplices, bem como fora Marco Aurélio Mello, fora Barroso e fora Fux, entre outros, iguais a Janot e seus miquinhos amestrados.     

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Pimentel

O ainda governador Pimentel aproveita a confusão reinante para se escafeder de mansinho. Para fugir do confinamento ao qual está condenado, sua excelência resolveu dar um rolé no shopping. Flanar ali despreocupadamente, comprar um presentinho ou outro, tomar um sorvete, coisinhas assim desse tipo. Como não pode dar as caras em qualquer shopping de Belo Horizonte, resolveu ir para São Paulo. Azar, o dele. Sempre há um pentelho por perto com uma câmara na mão, conhecedor dos fatos e das pessoas. Foi um vexame. Assistir no youtube o chefe do executivo mineiro dando uma de distraído, e saindo covardemente de fininho sob os apupos de populares, provoca nos mineiros aquele sentimento de vergonha alheia. 

Ô, dona Carmem Lúcia, vamos ver se a senhora tem, de fato, apreço por Sua Excelência, o Povo. Mantenha a pauta e mande o Pimentel ser julgado pelo STJ. Respeite a Constituição de Minas Gerais. Ela autoriza o julgamento da sinistra figura que, ainda, governa o estado. O saco dos mineiros está cada dia mais cheio. O lero-lero do STF não pode servir para proteger alguém acusado dos mais graves crimes contra a Administração pública. Só o fato de Pimentel ser amigo de dona Dilma já é um veredito. Se ele é inocente, o judiciário saberá tomar a decisão correta.

Corrupção: as más companhias

As delações dos empreiteiros vêm atingindo lideranças do PMDB. Uma primeira conclusão se impõe frente a tal situação. A convivência com o PT e seus puxadinhos contaminou os peemedebistas. Foram muitos anos; mais de uma década. Os mais velhos, antigamente, diziam que "quem com porcos se mistura, farelos come". É o caso. O PMDB ficou emporcalhado pela proximidade com gatunos escolados em desviar dinheiro público.  Não absolve a turma do Temer, mas é um atenuante razoável. 

O retrato do Ministério Público (Estadão)


Até que ponto o Ministério Público cumpre com eficiência as atribuições de zelar pela ordem jurídica, preservar a democracia e proteger os interesses sociais e individuais indisponíveis?

Apesar de ter ampliado suas prerrogativas da área criminal para quase todas as demais áreas da vida social e econômica do País, até que ponto o Ministério Público (MP) cumpre com eficiência as atribuições de zelar pela ordem jurídica, preservar a democracia e proteger os interesses sociais e individuais indisponíveis? Ele atua como guardião de direitos ou se limita a exercer papéis acusatórios tradicionais? A população está suficientemente informada do que se pode esperar e cobrar dos promotores e procuradores? Eles estão à altura do prestígio de que desfrutam e dos altos salários que recebem?

Para responder a essas perguntas, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes realizou uma pesquisa, em parceria com o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Coordenado por Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema prisional do Rio de Janeiro, e Ludmila Ribeiro, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança da Universidade Federal de Minas Gerais, o estudo revelou que, por privilegiar algumas áreas em detrimento de outras, a atuação do MP peca por falta de foco e de limites. Apesar de sua autonomia funcional, o MP seria uma instituição “frágil”, com uma atuação aquém da que se poderia esperar. “As conclusões da pesquisa não são alvissareiras para o MP”, conclui o estudo.

A transformação institucional do MP começou em 1985, com a regulamentação da Lei da Ação Civil Pública e a criação do inquérito civil, um procedimento administrativo que possibilita a investigação e a coleta de provas e documentos que permitem aos promotores propor ações judiciais fora da área penal. Ela prosseguiu com a criação do chamado Termo de Ajustamento de Conduta, outro dispositivo extrajudicial que permite ao MP fechar acordos sem passar pelos tribunais. E chegou ao ápice em 1988, quando, pressionada por entidades de promotores e procuradores, a Assembleia Constituinte concedeu autonomia administrativa e funcional ao MP. A força institucional do órgão ficou evidenciada em 2013, quando, por pressão das ruas, a Câmara dos Deputados derrubou uma Proposta de Emenda Constitucional que limitava os poderes investigativos do MP.

Desde então, aponta a pesquisa, o MP ficou exposto a pressões partidárias e deixou-se envolver pelo ativismo político de alguns seus membros. Às vésperas das eleições presidenciais de 2002, por exemplo, alguns procuradores da República usaram suas prerrogativas para desgastar o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e fortalecer a campanha de Lula, candidato da oposição. Em alguns Estados, eles têm tentado – sem ter recebido um único voto – definir prioridades em matéria de orçamento e políticas públicas, intervindo em atos que são de competência de deputados e governadores. Também intervêm em áreas como patrimônio cultural, previdência, política fundiária, lazer e até trânsito. Por enfatizar áreas midiáticas, tendem a deixar de lado o controle das polícias, “o que explica por que temos uma das polícias mais violentas do mundo”, afirmam os pesquisadores.

Os promotores e procuradores que aceitaram responder os questionários atribuíram o mau desempenho do MP a fatores externos ao órgão, como dificuldade de realizar perícias, morosidade da Justiça e deficiências no inquérito policial. Os argumentos são procedentes, mas isso não exime a responsabilidade de uma corporação que, além de carecer de preparo sociológico para entender a sociedade e suas mazelas, se vê acima da classe política e dos dirigentes públicos. 

“A atuação do MP caracteriza-se por uma postura voluntarista e tutelar, ancorada na velha noção de que a sociedade civil é fraca, desorganizada e incapaz de defender seus direitos e de que as instituições políticas são degeneradas, tornando-se imprescindível a atuação afirmativa de um poder externo autônomo e independente, livre de controles”, dizem os pesquisadores do Cesec. E é por isso que a atuação do MP está longe de convertê-lo numa espécie de “guardião da democracia brasileira”, concluem eles.

Na educação a síntese dos fiascos brasileiros (Rolf Kuntz)


O Brasil ainda é conhecido por seus indicadores de pobreza e desigualdade, mesmo depois das alardeadas façanhas do populismo e da melhora de alguns números.

O fracasso na educação pode ser a síntese de todos os fracassos do Brasil neste começo de século, refletidos na maior recessão em muitas décadas, no baixo potencial de crescimento, na estagnação da produtividade, no escasso poder de competição internacional, no retorno humilhante à armadilha da crise fiscal e na corrupção como componente da rotina política.

A ilusão do avanço e a queda na realidade foram marcadas em duas capas famosas da revista The Economist – na primeira, o Cristo Redentor subindo como um foguete, na segunda, despencando de cabeça para baixo. Uma fantasia permanece, no entanto, em alguns discursos políticos e, talvez, na mente das pessoas mais crédulas. Ainda se fala sobre o resgate de dezenas de milhões de pessoas da pobreza.

De fato, milhões ingressaram no mercado de consumo graças a transferências de dinheiro por mecanismo fiscal e à elevação real do salário mínimo por decisão política. Quantos desses pobres, ou ex-pobres, segundo os mais otimistas, se tornaram mais capazes de ganhar a vida no mercado, em condições normais, apenas com suas habilidades e seu esforço? Ninguém respondeu ainda a essa pergunta, mas, além disso, poucos a têm formulado de modo explícito. O Brasil ainda é conhecido por seus indicadores de pobreza e desigualdade, mesmo depois das alardeadas façanhas do populismo e da melhora de alguns números. Mas houve mesmo tanta melhora?

Uma boa pista sobre essa questão foi apresentada há mais de 200 anos, na França, pelo marquês de Condorcet, filósofo, matemático, membro da Assembleia revolucionária e, como tantos outros líderes, vítima da própria Revolução. A instrução, escreveu Condorcet, é “um meio de tornar real a igualdade de direitos”. É inútil, segundo ele, proclamar essa igualdade quando a ignorância mantém um homem na dependência do saber de outros. Por isso, “a instrução pública é um dever da sociedade em relação aos cidadãos”. 

As ideias do marquês sobre educação aparecem nas suas Cinco Memórias sobre a Instrução Pública, editadas em 1791, e no Relatório sobre a Instrução Pública, lançado no ano seguinte. São propostos programas de acordo com a idade, com o tipo de ocupação procurado e com a vocação científica ou profissional do estudante.

A educação geral inclui uma etapa básica e, em seguida, como objetos de instrução comum, “um curso muito elementar de matemáticas, de história natural e de física, absolutamente dirigido para as partes dessas ciências que podem ser úteis na vida comum”. A esses ensinamentos devem acrescentar-se elementos da Constituição nacional, noções fundamentais de gramática e de metafísica, primeiros princípios de lógica e noções de história e de geografia. 

O objetivo ultrapassa a formação de competências para a vida produtiva: a ideia é formar cidadãos, pessoas capazes de participar conscientemente da vida social. A ideia da instrução como promotora da igualdade tem um amplo significado.

A mesma preocupação aparece, mais de 200 anos depois, no texto de apresentação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, conhecido pela sigla Pisa: que conhecimentos e capacidades são importantes para os cidadãos? Essa pergunta abre o relatório do exame aplicado em 2015 a 540 mil estudantes de 72 países, jovens de 15 anos, no final, portanto, da fase de educação obrigatória. Trata-se de saber, segundo o texto, se eles obtiveram os conhecimentos e competências essenciais “à plena participação em sociedades modernas”. Não se trata somente de economias modernas, embora esse ponto seja importantíssimo, mas de sociedades, algo mais amplo.

O teste incluiu, como sempre, questões de ciência, leitura e matemática. Mas neste ano o objetivo principal foi medir a qualificação para o exame de questões científicas e a capacidade de achar soluções para problemas novos. Além disso, os estudantes preencheram questionários sobre sua origem e suas condições de vida.

Os estudantes brasileiros, como sempre, foram muito mal. Conseguiram em ciências 401 pontos, muito abaixo da média geral (493) dos alunos dos países da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O grupo é formado majoritariamente por países desenvolvidos, mas com participação relevante de emergentes, incluídos México e Chile. Em leitura os brasileiros obtiveram 407 pontos. Em matemática, 377. As médias da OCDE nessas disciplinas foram 493 e 490. Acima do Brasil ficaram, entre dezenas de outros, Chile, Bulgária e Costa Rica. Além disso, Colômbia, México e Uruguai gastam menos que o Brasil por aluno e conseguem resultados melhores. O Chile, com despesa média praticamente igual, obteve 477 pontos em ciência. Enquanto isso, o debate brasileiro continua centrado no tamanho do gasto em educação.

Dois meses antes do novo relatório do Pisa, saiu o ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial. O Brasil ficou em 81.º lugar entre 138 países. Foi a pior classificação na lista publicada a partir de 1997. No relatório anterior o País estava na 75.ª posição. A 48.ª colocação, a melhor, havia sido alcançada em 2012. A recessão pode ter afetado as duas últimas notas, mas o declínio começou bem antes. Além disso, o Brasil tem sido regularmente mal classificado em questões estruturais, como tributação, infraestrutura, educação e formação de mão de obra.

Houve até um avanço no item “educação superior e treinamento”, mas da 93.ª para a 84.ª posição. Seria um dado animador num conjunto de mil países. Mas são apenas 138.

As más classificações no Pisa e no quadro de competitividade são mais que uma casualidade. Além disso, o Brasil, embora seja uma das dez maiores economias, continua em 25.º entre os exportadores. Todos esses dados se completam e, é claro, remetem a Condorcet.

É séria, no Brasil, a conversa sobre igualdade e cidadania?


sábado, 10 de dezembro de 2016

Suprema subserviência (Roberto Romano)



O Supremo Tribunal é conhecido como Corte política. Não raro se excede na faina de agradar ao Executivo e ao Legislativo. Em sua história os brasileiros encontram sentenças que envergonhariam qualquer toga do planeta.

A Constituição de 1934 proíbe tribunais de exceção no capítulo 2, 25: “não haverá foro privilegiado, nem tribunais de exceção”. Instaurado o Tribunal de Segurança Nacional, o deputado João Mangabeira apresenta recurso ao Supremo. Por voto unânime os juízes declaram o invento tirânico “em perfeito acordo com a Constituição da República”.

Um atalho na Carta permite a hermenêutica liberticida: “admitem-se, porém, Juízos especiais em razão da natureza das causas”. E a bênção dos magistrados é concedida sem data venia. O referido tribunal persegue 1.420 pessoas: 533 no Distrito Federal, 222 do Rio Grande do Norte, 165 em São Paulo, 95 em Pernambuco, 85 da Bahia. Entre os “julgados”, Armando Sales, José Antônio Flores da Cunha, João Mangabeira, Otávio Mangabeira, Luís Carlos Prestes, defendido pelo grande Sobral Pinto. No caso de João Mangabeira ocorre façanha incomum na história jurídica internacional: empatada a decisão, o presidente Barros Barreto decide contra o réu. O Supremo Tribunal Militar corrige em parte o escândalo e concede habeas corpus ao parlamentar.

Depois vêm as manobras em prol do parlamentarismo, com a demissão de Jânio Quadros. O STF se cala, apesar do notório golpe aplicado por militares. Em 1964, o mesmo silêncio tíbio quando Hermes Lima e Evandro Lins e Silva são expulsos da Excelsa Corte pelo governo de fato. Procura em vão quem busque nos anais daquele colégio uma nota mais dura contra o AI-5, que suspende o habeas corpus em casos de crime político e contra a ordem econômica, a segurança nacional, a economia popular. Tais crimes são tipificados com pressuroso auxílio de quem redige uma Constituição como a Polaca, o notório Francisco Campos. Nada relevante é dito pelo Supremo contra a censura prévia em jornais, revistas, livros, peças de teatro e músicas.

E seguimos a trajetória pouco sublime do Supremo. Por exemplo, no apagão do período FHC. Questionada a constitucionalidade da multa (os usuários não eram responsáveis pela imprudência governamental, que não providenciou melhorias na rede), os juízes do STF definem que, sem penalidades pecuniárias, os cidadãos deixam de colaborar. Logo…

Na reforma da Previdência sob Luiz Inácio da Silva, Joaquim Barbosa, o herói da futura Ação 470, decreta em seu voto que “não existem direitos adquiridos, caso contrário ainda estaríamos em regime de escravidão”. Nenhuma data venia é apresentada por seus pares contra o sofisma, de enrubescer estudantes ainda no primeiro ano acadêmico.

O que acontece na tarde de 7 de dezembro de 2016 ressuscita o velho serviçal dos outros dois Poderes, com resultado ainda pior para os togados. Sob o ultimato de Renan Calheiros e do governo – chantagem solta, pois sem a vitória de Renan surge a ameaça de não se votarem cortes orçamentários – o Supremo se coloca como trampolim para ações contrárias à cidadania que lhe paga e a quem deve servir.

Antes de continuar, uma reflexão. Illibatus, a, um, no latim maltratado pelos membros do STF, tem o sentido de algo ou alguém íntegro, inteiro, completo, ao qual nada falta, não enternecido pela perversão ética. Como o candidus, do qual se origina o atual “candidato”, o vocábulo indica a propriedade de não ser conspurcado, de seguir um parâmetro virtuoso. Illibatus designa um ser sem travestimentos, enfeites, dissimulação. Seu antônimo é o termo improbus, aplicado a quem “comete uma falta contra a fides, sendo o equivalente de iniustus. A improbitas é a ruptura da fides, é o defeito de quem não honra promessas e corresponde ao francês malhonnêteté”. (J. Hellegouarc’h: Le Vocabulaire Latin des Relations et des Partis Politiques sous la République).

No Brasil, todo cargo público exige do candidato a “ilibada reputação”. Esta lhe concede a efetividade plena do múnus encerrado no ofício. Ninguém pode exercer uma função em fatias, pois tal fato seria improbidade ética e política. Como, então, os juízes do STF guardam Renan Calheiros no cargo de presidente do Senado, mas lhe retiram o direito e o dever de substituir o chefe do Estado? Ocorre aí improbidade de alguém. Ao ser empossado como senador, aquela pessoa promete cumprir fielmente tudo o que seu cargo exige. Como não pode cumprir tal promessa, existe improbitas de sua parte. E tal coisa é autorizada, ou melhor, sacralizada pelo guardião da Carta Magna?

Outro problema: Calheiros não pode substituir o chefe do Executivo porque é réu e, portanto, sua reputação não é inteira, é quebrada por algo muito grave. Mas numa República democrática o soberano é o povo. Renan não pode assumir a Presidência, mas pode legislar para os cidadãos, obrigando-os a cumprir normas das quais ele mesmo é acusado oficialmente de se abster? Para os juízes do STF, quem é mesmo o povo? A presidente Cármen Lúcia, num rasgo agora provado como demagógico, proclama ao ser empossada algo assim como “Sua Excelência o Povo”. Triste excelência, obrigada a seguir leis definidas por quem a elas não obedece! O competente e sério jornalista José Nêumanne Pinto define a decisão do fatídico dia 7/12 como “cusparada no povão”. Ele é muito gentil com os integrantes da Suprema Corte.

No espetáculo de subserviência o STF faz mais: retoma sua amarga história de instrumentum regni. Esquecem os magistrados: quando a autoridade é perdida, um Poder deve sorver até a última gota da abjeção. A Câmara dos Deputados prepara medidas contra as sentenças do STF. A continuar o sumiço de sua própria auctoritas, aquela Corte logo terá membros seus nas penitenciárias. Por ousar a condenação de larápios do dinheiro público.

O realismo político à custa da cidadania sempre termina em tragédia. Ou comédia.


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Lição atualizada


Os últimos e notórios acontecimentos ocorridos em Brasília, envolvendo autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário (inclusive o Ministério Público), só confirmam a lucidez do antigo dirigente prussiano, Otto von Bismarck:

"Não se deve saber como são feitas nem as leis nem as salsichas". 

A última presepada do ministro Marco Aurélio demonstra, sem qualquer dúvida, que há magistrados que são fontes de permanente insegurança jurídica. O pior é que fazem merda e fica tudo por isso mesmo.

Vai pra casa, Marco Aurélio. Diz que vai fazer caca e pula fora. O Brasil vai agradecer. Ah, e não se esqueça de levar junto outros até piores.

Açodamento irresponsável (Estadão)


Por seu conhecido currículo, o senador Renan Calheiros não deveria ter sido eleito presidente do Senado. Na verdade, o interesse público aconselharia que o povo alagoano não o tivesse reeleito senador. O reconhecimento de que Renan não faz bem à vida pública nacional não modifica, no entanto, a inconveniência, a imprudência e a destemperança da decisão liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), de afastar o senador do exercício da presidência da Casa. Por todos os ângulos que se vê, a decisão do ministro Marco Aurélio causa profunda estranheza.

Trata-se, em primeiro lugar, de uma excepcionalíssima interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo para que seja feita liminarmente por um único ministro. Criou ele um conflito entre Poderes – ou ele esperava que o Senado recebesse passivamente a deposição de seu presidente? – que só desestabiliza ainda mais a já atribulada política nacional e perturba os combalidos meios de produção. E para quê?

Haja pressa para justificar uma decisão liminar desse teor. É difícil de explicar tamanho açodamento frente ao tempo que o próprio STF levou para decidir sobre o inquérito envolvendo Renan Calheiros. Foram nove anos de indecisão, nos quais a Corte mais parecia um gato a brincar com um novelo de linha de lã, num tempo absurdo para decidir sobre o destino de qualquer pessoa – nem se fale de uma investigação com tamanha repercussão sobre a vida institucional brasileira.

Além de interferir indevidamente no Legislativo, a decisão de Marco Aurélio é uma intervenção extemporânea no próprio STF, pois havia ato anterior, do ministro Dias Toffoli, a recomendar espera sobre a matéria. Trata-se de uma decisão que pode ser modificada pelo plenário da Corte.

No mesmo dia em que Marco Aurélio gerava enorme imbróglio jurídico, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, reafirmava a responsabilidade da Justiça como pacificadora dos conflitos e da sociedade. “Como não há paz sem justiça, o que se busca é exatamente que atuemos no sentido de uma pacificação num momento particularmente grave, porque aqui, como em outros lugares, nós somos servidores públicos diretamente responsáveis por resolver conflitos que estejam nos processos”, disse Cármen Lúcia. Um pouco mais de consenso, por parte dos membros do mesmo tribunal, sobre o papel do Judiciário contribuiria para a credibilidade da instituição.

Como se não bastassem os inúmeros aspectos negativos da decisão de Marco Aurélio, ela de pouco serve para a finalidade pretendida – ou declarada. Os supostos efeitos moralizadores de afastar da linha sucessória presidencial uma pessoa que é ré em processo penal tendem a zero, já que a Renan sobravam pouco mais de 15 dias na presidência do Senado – e com uma pauta legislativa já conhecida.

Logicamente, a decisão de Marco Aurélio foi aplaudida por quem, sem maiores compromissos com o interesse do País, deseja simplesmente travar a agenda de reformas do atual governo. A quem só consegue ver a realidade com as lentes da irresponsabilidade é bom lembrar que o presidente do Senado tem poderes limitados. Prova disso é a recente decisão do plenário, que barrou, por 44 votos contra 14, a manobra de Renan de tentar aprovar requerimento de urgência urgentíssima para o pacote das medidas anticorrupção. Trata-se de um alerta a quem queira tirar indevido proveito da desastrada liminar de Marco Aurélio. Sempre – e especialmente num cenário de crise econômica – brincar com a pauta do Senado é brincar com o futuro do País e o bem-estar dos brasileiros.

Tamanho foi o açodamento de sua decisão que o próprio ministro parece ter-se dado conta de que foi longe demais no exercício monocrático de suas competências. Ontem, ele submeteu em caráter de urgência sua decisão a referendo do plenário do STF. Melhor assim, ainda que esse lampejo de prudência não afaste os efeitos deletérios da liminar que concedeu.


Que a triste passagem de Renan pela presidência do Senado, ainda sem desfecho conhecido, possa ao menos somar à experiência vivida pela Câmara com o caso de Eduardo Cunha e fomente nos parlamentares um pouco mais de responsabilidade na hora de escolher quem presidirá a respectiva Casa legislativa. O que seria desnecessário, é claro, se o eleitor só votasse em candidato honesto.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Marco Aurélio para presidente


Agora se entende a razão do protagonismo ensandecido de Marco Aurélio. Ele está em plena campanha para ser presidente. Presidente do Sindicato dos Magistrados é claro. E já se sabe que a nova entidade pediu afiliação antecipada à CUT. 

Enquanto os juízes da primeira instância dão show de bola, as Cortes Superiores brasileiras se pautam pelo modelo do Desembargador Amado, célebre personagem de O Conde de Abranhos, notável e inconcluso romance de Eça de Queirós.

Marco Aurélio deve sofrer impeachment (Jorge Bastos Moreno)

Perguntado agora sobre a decisão do ministro Marco Aurélio de afastar o presidente do Senado, Renan Calheiros, o seu colega do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes respondeu ao blog do Moreno que é um caso de reconhecimento de inimputabilidade ou de impeachment de Mello. E acrescentou:
--- No Nordeste se diz que não se corre atrás de doido porque não se sabe para onde ele vai. 
Ao sugerir o impeachment de Marco Aurélio - por ter afastado do cargo o presidente do Senado, Renan Calheiros - o ministro Gilmar Mendes torna público o que vem dizendo nos bastidores sobre o colega, principalmente por ele ter tomado decisão de tamanha importância sem sequer consultar seus pares.
Em conversas reservadas, Gilmar afirmou que "não se afasta o presidente de um poder por iniciativa individual e com base em um pedido de um partido político apenas, independentemente da sua representatividade", o que acha não ser o caso da Rede.
Ontem à noite, durante encontro com políticos, Mendes chegou a chamar de "indecente" a decisão de Marco Aurélio e, nesse sentido, advertiu que, se o Tribunal quiser restaurar a decência, terá que derrubar a decisão.
Nessas conversas, também, os políticos têm perguntado a Gilmar seu palpite sobre qual será a decisão do STF sobre a liminar concedida ao pedido da Rede. Gilmar tem respondido que tudo vai depender de uma reflexão da Corte em função das reações que o Senado está tendo.
Só que, tanto no Congresso como no palácio do Planalto, a expectativa é a de que o Supremo repita a decisão que estava sendo tomada em relação à consulta também da Rede sobre a manutenção de réus na linha sucessória.
Naquela oportunidade, a votação estava em 6 a 0, até que o ministro Dias Toffoli pediu vistas ao processo, interrompendo o julgamento. Gilmar não estava na sessão e ela foi adiada pra o ano que vem. O relator da matéria foi o próprio Marco Aurélio, que, ontem, através de uma liminar, atendeu ao novo pedido da Rede, desta vez especifico sobre a nova condição de Renan, a de réu no caso Mônica Veloso.



Marco Aurélio, o tiro fixo e rápido


Ainda bem que o ministro Marco Aurélio tem bastante tempo livre para brincar de corregedor dos outros poderes da República. Em que pese sua devoção de alguém unicamente preocupado com a justiça, além de viciado em trabalho, sua excelência possui apenas 1.426 pedidos de Habeas Corpus mofando dentro de suas amplas gavetas. Há pedido não julgado do longínquo ano de 2008. 

Mas se pintar uma oportunidade de aparecer nas TV's, Marco Aurélio acorda do torpor e, imediatamente, brande sua caneta redentora. Decretou recente pedido de intervenção no Senado, mandando afastar o senador Calheiros da cadeira de presidente. 

Apesar de esperto e velhaco como só ele, Renan Calheiros cometeu um grave erro: quis mexer no bolso da magistratura e do Ministério Público. Qual líder sindical afoito e atento, Marco Aurélio caiu como um raio na jugular de Renan. 

Senado tem que resistir à decisão de Marco Aurélio (Reinaldo Azevedo)


Com todas as vênias, quem está investindo no baguncismo é o sr. Marco Aurélio, que, com um ato único, ora vejam!, viola três códigos; surfa na onda anti-Renan das ruas; dá uma piscadela para os magistrados; dá outra piscadela para o Ministério Público e, vejam que coisa, faz acenos para as esquerdas, em particular para o PT

As coisas passaram dos limites, é evidente, e a ninguém é dado desrespeitar a Constituição, o Regimento Interno do Supremo e as leis. Nem a um ministro do Supremo. E é o que Marco Aurélio está fazendo de maneira flagrante ao determinar o afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência do Senado.

Não vou aqui dar uma mera opinião; isso, convenhamos, hoje em dia, todo mundo faz. Opinião é mais prolífica que chuchu na cerca. O que me interessa são os códigos que nos regem. E vou defender aqui que a Mesa do Senado não tome nenhuma providência até que o pleno do Supremo se manifeste a respeito.

“Como, Reinaldo, você está sugerindo que a Mesa do Senado desrespeite uma ordem do Supremo?”

Não!

Estou conclamando a Mesa do Senado a seguir o Inciso II do Artigo 5º da Constituição:

“II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”

Se muitos resolveram se abestalhar e se acovardar, eu não!
TUDO ISSO EM DEFESA DE RENAN? NÃO! TUDO ISSO EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO!

É um escândalo que um ministro do Supremo opte, em decisão liminar, monocraticamente, por destituir o presidente de um Poder. Mas atenção! Não é um absurdo porque eu quero. É QUE A LEI NÃO PERMITE QUE MARCO AURÉLIO O FAÇA.

E que lei não permite? A mesma que disciplina a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que foi o recurso ao qual recorreu a Rede para pedir a destituição de Renan.

Mesmo quando se é Marco Aurélio Mello, com toda a sua particular sapiência, há que se seguir o que está no texto escrito. Aliás, ele costuma fazer o discurso de que se atém à letra fria da lei.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é regulada pela Lei 9.882. E o que traz tal lei no seu Artigo 5º? Prestem atenção!

“O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental.”

Ora, em caso de ADPF, só a maioria absoluta dos membros do Supremo pode conceder liminar. Assim, a decisão monocrática do sr. Marco Aurélio é:

– inconstitucional, pois a Carta não prevê o afastamento do presidente do Senado que se torna réu;

– fere o Regimento Interno do Supremo e a colegialidade porque esse julgamento está suspenso por um pedido de vista;

– fere a Lei 9.882, que prevê que a liminar só seja concedida pela maioria absoluta do pleno.

Mas não há uma exceção? Há, sim. No Parágrafo Primeiro, que diz o seguinte:

“§ 1° Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.”

Digam-me cá: existe, mesmo, essa urgência ou perigo de lesão grave, a ponto de Marco Aurélio decidir sem ouvir os seus pares? Decisão que, notem, afasta o presidente de um Poder?

Ainda que por outro instrumento, Teori Zavascki afastou do mandato o então deputado Eduardo Cunha, que, assim, foi impedido também de exercer a Presidência da Câmara. No mesmo dia, submeteu a decisão ao pleno do tribunal.

Com todas as vênias, quem está investindo no baguncismo é o sr. Marco Aurélio, que, com um ato único, ora vejam!, viola três códigos; surfa na onda anti-Renan das ruas; dá uma piscadela para os magistrados; dá outra piscadela para o Ministério Público e, vejam que coisa, faz acenos para as esquerdas, em particular para o PT.

Os Poderes que se respeitem!

Chega dessa pantomima!

Que a Mesa do Senado não faça nada até que a questão seja julgada pelo pleno do tribunal. Como pede a lei. O que Marco Aurélio vai fazer? Mandar a Polícia invadir o Senado em nome do descumprimento da Constituição, da Lei e do Regimento Interno do Supremo?

O Senado não pode se acovardar. Não, em defesa de Renan. Mas em defesa das instituições e de um dos Três Poderes da República.