sexta-feira, 15 de abril de 2016

Cereja com veneno (José Nêumanne)


Hoje de manhã fui à sede da Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast) para uma conversa com seus dirigentes do Brasil inteiro. Os executivos que foram conversar comigo transmitiram uma perplexidade geral em todo o País quanto à situação surrealista que estamos vivendo neste momento histórico duro, mas estimulante.

Comunguei com eles esta sensação de absurdo abandono que nos rodeia, baseada em fatos recentes que só não espantam pessoas absolutamente desprovidas de quaisquer laivos de sensibilidade e compaixão.

Abordamos, por exemplo, a dolorosa notícia de que o governo do Estado do Rio suspendeu o pagamento das aposentadorias de seus servidores. Não se trata apenas de solidariedade de aposentado com outros, mas de uma percepção exata e precisa da desumanidade da situação de cidadãos pobres que passaram a vida inteira trabalhando duro e não recebem mais o dinheiro de que precisam para comer e viver com decência. Têm, para tanto, de comprar remédios, cada dia mais caros na situação de crise econômica pela qual ora o País passa.

No entanto, com seu desgoverno morto, à espera da hora de marcar o enterro, Dilma Vana Rousseff Linhares não foi capaz sequer de chamar o governador fluminense em exercício, Francisco Dornelles para se inteirar da causa desse despautério. Ela só pensa em como evitar ir para a cadeia depois que a Câmara dos Deputados despejá-la da Presidência da República e do foro privilegiado do cargo, que ela nada faz para merecer. Em vez disso, continua sua cruzada contra o óbvio ululante.

Chamei a atenção dos presentes no auditório da Avenida Paulista para o cálculo que ela anunciou aos dez jornalistas que recebeu no Palácio na manhã de ontem. Segundo Sua Insolência Isoladíssima, é positivo o saldo de empregos nestes cinco anos e três e meio meses de indigestão.

Como se vê, nunca sequer levou em mínima conta a situação de 200 brasileiros que perdem a ocupação remunerada todo dia, atingindo o patamar impressionante de 10 milhões de desempregados.

A cereja envenenada desse bolo podre, contudo, foi sua frase mais reproduzida nos jornais hoje: se passar incólume pelo impeachment, ela proporá um pacto à Nação, que é composta por políticos, empresários e o povo em geral – todos eles execrados por ela na condição de golpistas contra a democracia. Como se sabe, esta se resume segundo Dilma à apertada vitória eleitoral que ela, o PT, Michel Temer e o PMDB tiveram sobre o tucano Aécio Neves em outubro do ano passado.

Contei-lhes também que não é correto chamar de corrupção o que aconteceu na Petrobrás, no BNDES e, pelo que já se sabe até agora, em praticamente toda a máquina pública federal nos 12 anos, três meses e meio dos desgovernos Lula e Dilma.

Corrupção era o que havia antes. O que se passou desde as denúncias de Paulo de Tarso Venceslau sobre o descalabro ocorrido com as finanças das prefeituras petistas ao Jornal da Tarde até hoje foi o maior assalto aos cofres públicos da história da humanidade. Corruptos históricos e célebres como Lupion, Adhemar e Maluf não praticavam tal modalidade.

O que houve aqui ultimamente foi um crime comum, com furto seguido de mortes, praticado por uma enorme e complexa organização criminosa que nem sequer pode ser definida como de colarinho branco. São os criminosos em que até os colarinhos são sórdidos.

Conversamos por duas horas, o mesmo tempo que Dilma usou para mostrar que nada tem a fazer, porque, diante de tudo, ela achou mesmo fundamental foi propor aos jornalistas um acordo de convívio entre uma presidente eleita, que trocou o poder pela burrice e pela ignorante arrogância, com mais de uma centena de milhões de brasileiros que ela se apraz em detestar. Macacos nos mordam!


Ficou faltando alguém que dela arrancasse a resposta para a pergunta que não quer calar: como Dilma conseguirá pactuar, melhorar a economia e governar contra dois terços do Congresso, 61% da população e praticamente todo o empresariado brasileiro, se conseguir passar pela barreira do impeachment? Esta seria a única forma que lhe resta de ressuscitar dos mortos, em cuja companhia hoje está o seu desgoverno. Ah, pois!

A comuna de Brasília (Cesar Maia)

       
1. Quando aceito o pedido de Impeachment de Dilma e aberto o varejo de cargos, se esperava que Dilma, Lula e seu núcleo duro suavizassem sua comunicação e seus discursos, de forma a não gerar insegurança nos deputados do baixo clero que procurava atrair.
     
2. Ou seja, para ter votos suficientes, deveriam caminhar em direção ao Centro. Mas fizeram exatamente o contrário. Se encantaram pelo slogan que seus comunicadores criaram, "não vai ter golpe", e subiram o tom.
    
3. Se alguns deles imaginavam que esse slogan apontaria para um debate suave e jurídico sobre questões de constitucionalidade, o que ocorreu foi exatamente o contrário. O slogan "não vai ter golpe" foi sendo interpretado como algo do tipo "se for necessário pegaremos em armas para defender o mandato de Dilma".
    
4. Os dois lados interpretaram assim, a começar pelos apoiadores de Dilma, deputados, senadores, ministros da casa, lideranças do PT, da CUT e por aí foi. Os discursos no Planalto, no Congresso e nos Comícios subiram o tom como um slogan latino-americano das esquerdas em diversas situações: "Não passarão". Ou parafraseando: "Governo Dilma ou morte".
    
5. As caras e bocas dos deputados escalados para falar, ministros da casa, de Dilma, Lula, parlamentares do núcleo duro, etc., foram ganhando feições e expressões crescentemente raivosas. As fotos e vídeos mostravam isso todos os dias. Era como se fosse um alerta de "guerra civil". Claro, um blefe, mas que os militantes exaltados acreditaram.
   
6. Os que defendiam o impeachment de Dilma passaram a ser chamados de golpistas, fascistas, nazistas e coisas no estilo.
   
7. Toda essa coreografia foi percebida pela opinião pública difusa, pelos deputados e senadores que estão fora da esgrima ideológica como se, não passando o impeachment, nos dois e meio últimos anos de governo, Dilma radicalizaria à esquerda. A distribuição de cargos não seria redistribuição de poder, muito pelo contrário.
   
8. O poder estaria mais centralizado ainda e sob a batuta dos raivosos oradores, na ópera bufa do "não vai ter golpe". Ao tempo que convenceu os seus, assustou os demais. Nem precisava mais de argumentos para que os deputados -acompanhando e presenciando esta escalada- se assustassem. E comentassem: É, desse jeito virá um novo governo, mas agora sem cooptação, sem coalizão e sem pactuação alguma, nem no último escalão. Será a integração completa governo-partido.
   
9. E lembraram os conselhos de Chávez a Lula: “Rompa logo esse impasse e radicalize em defesa do povo”. Esse é o entusiasmo dos lulistas e é o pânico dos demais.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

A queda de Dilma



Em seu famoso filme sobre Hitler, o diretor Oliver Hirschbiegel retrata as últimas horas do tirano. Recolhido em seu bunker, cercado apenas por um reduzido número de fâmulos, o abominável chanceler destila até o fim sua sociopatia primordial. O melhor do filme, no entanto, é servir de base para paródias diariamente divulgadas pela internet. Dona Dilma parece seguir pelo mesmo caminho de Hitler, numa cabal demonstração de que a vida pode imitar a arte. Entrincheirada no palácio de Planalto, a madame ensandecida vê demônios, golpistas e inimigos por todos os lados querendo ocupar seu trono.

Quem duvidar de que algo estranho se passa com ela, basta observar seus olhos sempre esbugalhados e a postura corporal canina, desafiadora, como a chamar qualquer um, por qualquer dá cá esta palha, para uma briga de tapas e unhadas. Alguém teria coragem de entrar num elevador junto com ela? Pois é esta senhora, com a tampa do caixão já a lhe ser pregada, que se debate furiosamente querendo fugir ao destino que ela mesma traçou. Suas escolhas, pelo terrorismo armado, ontem, e pela violação das leis do país, hoje, notadamente a Constituição Federal de 1988, são as causas únicas do processo de impeachment a que está sendo submetida pelo Congresso da República.

Cercada de tipos os mais extravagantes – basta conferir as figuras que ocupam, ou já ocuparam, seu exótico ministério – a implausível senhora revela, à medida que se aproxima do final o seu show macabro, a mais absoluta falta de compostura política: “daqui não saio, daqui ninguém me tira”, em retórica mambembe mal parodiando o clássico samba de Zé Kety. As lideranças majoritárias do Brasil, no entanto, cobram sua saída imediata. Realmente, é difícil suportá-la. Nas pessoas decentes ela só causa gastura. Só apoiam sua permanência no governo os parasitas costumeiros, que vivem de adjutórios extraídos da vasta cornucópia do erário: sindicalistas, professores, artistas e intelectuais chapas brancas, gente agraciada pelas bolsas de diferentes tipos e dimensões. Marx diria que, cevados à base de “salsichão e alho”, custam  um preço até que bem baratinho. Na falta do agrado clássico a esses comensais, pode-se apelar para a mortadela de carne de cavalo e para a tropical tubaína.

O Brasil passará pelo necessário processo de purificação; anos e anos, talvez décadas. A grande lição a ser aprendida, e cultivada, é não deixar a hidra sobreviver com suas inumeráveis cabeças. A complacência com os crimes e transgressões petistas, que não começaram agora quando chegaram ao poder, mas vem de muito longe, desde seu nascedouro como partido, deve ser uma política pública, uma decisão de Estado. A Constituição alemã proíbe a existência de partidos que atentem contra a Federação, pelo conteúdo de seus programas partidários ou pela conduta de seus membros. Eis aí um bom exemplo para nós. Reduziria, e muito, o banditismo político nacional. Veja, a seguir, o artigo a respeito:

Artigo 21

[Partidos]

(1) Os partidos colaboram na formação da vontade política
do povo. A sua fundação é livre. A sua organização interna
tem de ser condizente com os princípios democráticos.
Eles têm de prestar contas publicamente sobre a origem e
a aplicação de seus recursos financeiros, bem como sobre
seu patrimônio.

(2) São inconstitucionais os partidos que, pelos seus objetivos
ou pelas atitudes dos seus adeptos, tentarem prejudicar ou
eliminar a ordem fundamental livre e democrática ou por
em perigo a existência da República Federal da Alemanha.
Cabe ao Tribunal Constitucional Federal decidir sobre a
questão da inconstitucionalidade.

(3) A matéria será regulamentada por leis federais.


terça-feira, 12 de abril de 2016

Mangabeira-Unger (Entrevista, em 12-04-2016)


Contrário ao impeachment, o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Roberto Mangabeira Unger, 69, afirma que a corrupção é um problema sério, porém localizado e que não deveria ser usada para desviar o foco dos desafios reais do país.

Apesar de defender a continuidade do atual mandato presidencial, o filósofo, que em setembro deixou a extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos, diz que os erros cometidos por Dilma são graves e numerosos. Ele disse que a política educacional não se tornou prioritária e criticou a dependência econômica das commodities e o loteamento dos ministérios –práticas estas que, segundo ele, unem os governos do PT e o PSDB.

De volta à Universidade Harvard, onde ministra quatro cursos neste semestre, Mangabeira Unger defende uma agenda que priorize a flexibilização do Orçamento, a produção, uma ampla reforma educacional e a reinvenção do federalismo. Em novembro, ele trocou o PMDB pelo PDT e agora trabalha pela candidatura de Ciro Gomes.

A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha em seu escritório, na faculdade de direito de Harvard:
*

Impeachment

Não, não e não. Práticas fiscais usadas por todos os presidentes recentes não podem servir para derrubar presidente. Qualificação progressiva e prospectiva das práticas fiscais, sim. Utilização casuística dessa qualificação para mudar o poder, não. Não há qualquer indício tampouco de que a presidente tenha tentado obstruir a Justiça.

Conheço Dilma Rousseff há mais de 30 anos. Como todos nós, ela é cheia de defeitos, mas é uma pessoa íntegra e ilibada. Desde Prudente de Morais (1894-1898), não vemos tanta severidade moral na pessoa do chefe de Estado.

Eu espero que o impedimento seja derrotado na Câmara dos Deputados e, se não for derrotado na Câmara, derrotado no Senado.

Renúncia

A renúncia é muito menos danosa do que o impedimento, porque não significaria por si só uma perversão constitucional. Mas não é a solução melhor. O melhor para o país, e eu digo como crítico severo dos erros do governo Dilma, é que a presidente seja resguardada no exercício do seu mandato, mas que, em seguida, reoriente radicalmente o seu governo. Que se supere a si mesma. Que faça uma autocrítica profunda. Que chame os melhores.

Corrupção localizada

A tentativa de impedimento nasce de um processo e de um contexto que ameaçam a democracia brasileira. O ponto de partida é a preocupação com a corrupção no Brasil. A corrupção é um problema nacional sério, porém localizado.

A sua causa principal está na relação entre os políticos e as empresas que financiam as campanhas eleitorais. É um problema solucionável pela mudança das regras de financiamento da política.
O Brasil é, de longe, o menos corrupto dos grandes países emergentes. Embora a corrupção tanto nos aborreça, é nada em comparação com o que existe, por exemplo, na China, na Rússia ou na Índia. E não pode servir para nos desviar do enfrentamento de nossos problemas reais.

Onda contra Dilma

Criou-se uma onda no Brasil. Embrulhamos o ódio e a frustração no manto do moralismo. A onda passará e deixará gosto amargo na boca da nação. Não há atalhos para construir o Brasil. A polícia, os procuradores e a grande mídia se associaram para construir essa onda e conseguiram sensibilizar a imprensa internacional. A onda utilizou o instituto perigoso das prisões preventivas, num verdadeiro assalto às liberdades públicas no país.

Uma parte da elite jurídica e judicial abdicou de sua responsabilidade de por freio às paixões do momento. Temos de enfrentar a corrupção, sim, mas não a custo de fragilizar a democracia brasileira ou de eximir de enfrentar os verdadeiros problemas nacionais.

Imprensa e a crise

A imprensa entrou na onda [do impeachment]. Com isso, também abdicou a sua responsabilidade. A responsabilidade essencial da imprensa, numa democracia, é aprofundar o entendimento da realidade, ampliando a imaginação do possível. Não do possível remoto, mas do possível adjacente.

A imprensa se deixou contaminar pelas paixões da onda. Isso nos deve lembrar da necessidade de reconstruir também o contexto institucional da própria mídia. Desfazer os oligopólios da mídia no Brasil e fomentar a multiplicação de formas de iniciativa e de propriedade nos meios de comunicação. Nada de regulação da imprensa, nada de monitoramento. É o contrário, radicalizar a diversidade.

Paralelo com os EUA

Alguns compararam a situação com o impeachment do presidente Richard Nixon (1969-74). Se fizermos uma comparação com a experiência americana, a mais pertinente é com a tentativa de impedir o presidente Andrew Johnson, em 1868, pouco após o fim da Guerra Civil.

Ele era teimoso e impopular e tentou reverter algumas das conquistas da Guerra Civil no Sul. Houve uma tentativa de impedimento. O impedimento acabou sendo derrotado por um único voto no julgamento do Senado americano. Inclusive pelos votos dos adversários políticos de Johnson.

Embora o presidente Johnson continue a ser considerado um péssimo presidente, até hoje a derrota de seu impedimento é comemorada como um marco na evolução constitucional do país. Os americanos compreenderam que a tarefa do processo do impeachment não é salvar o país ou os Poderes dos seus erros políticos e converter impopularidade em mudança de governo.

Erros da presidente

Ao condenar a tentativa de impedimento nestas circunstâncias, afirmo ao mesmo tempo a importância de registrar graves e numerosos erros de seu governo. A fonte maior de todos esses erros é não haver reconhecido a necessidade de mudar o nosso caminho nacional.

Não me conformo com o abandono da suposta prioridade do governo: a qualificação do ensino público, a pretexto da falta de dinheiro e da necessidade de tratar, dia e noite, da cooptação dos políticos. Exemplifica, de maneira candente, a observação de André Gide de que o erro mais comum em política é confundir o urgente com importante.

Nós temos tido, pelo menos desde os governos dos mandatos de FHC, o mesmo projeto no poder, liderado primeiro pelo PSDB e depois pelo PT. E é um projeto hoje exaurido. Os seus traços são os seguintes: na política econômica, a dependência das commodities, dos recursos naturais como o motor do nosso crescimento. E a tentativa de democratizar a economia do lado da demanda sem uma democratização correspondente do lado da oferta e da produção.
Os interesses do trabalho e da produção foram subordinados aos interesses do rentismo financeiro. E as commodities pagaram a conta. Estes governos todos aceitaram o nível muito baixo de poupança nacional e de consequente dependência de poupança externa.

A prática política que acompanha essa persistência no rumo errado foi a prática de dividir o governo em duas partes: entre o círculo íntimo, o presidente cercado pelos seus amigos e tecnocratas confiáveis, e o resto do governo, usado para saciar os apetites dos partidos políticos nesse nosso monstruoso presidencialismo de coalizão, que é a combinação dos piores defeitos do presidencialismo americano clássico copiado no Brasil e do regime parlamentar europeu.

Mudança de rumo

Entendo que a alternativa nacional a ser construída, se possível, no resto do mandato da atual presidente e de qualquer forma a partir da sucessão presidencial passa por quatro grandes eixos: o primeiro eixo é a reorganização das finanças públicas como preliminar de uma nova estratégia nacional de desenvolvimento. Não podemos reorganizar as finanças públicas mexendo apenas nos 10% de orçamento de gasto discricionário. Temos de enfrentar os 90%, que são gasto compulsório. Inclusive as vinculações constitucionais.
Mas o país só aceitará este sacrifício se vier no bojo de um projeto de democratização das oportunidades econômicas e das capacitações educacionais. Não pode ser uma iniciativa tecnocrática. Tem de ser uma condição antecedente de uma mudança de rumo no interesse da maioria. Portanto, que sirva aos interesses da produção e do trabalho e que permita em seguida começar a aprofundar a democracia brasileira.

O segundo eixo é organizar no nosso país um produtivismo includente. Fazer aquilo que o modelo vigente até agora não fez, democratizar a economia do lado da produção, e não apenas do lado da demanda e do consumo.

O terceiro eixo é uma revolução na qualidade da educação pública. Novamente, começa em dois conjuntos de ações que não custam dinheiro, custam ideias e inovações institucionais. Um conjunto é a organização da cooperação federativa em educação, a maneira do governo federal trabalhar com Estados e municípios. Não podemos permitir que a qualidade da educação que um jovem brasileiro recebe dependa do acaso do lugar onde ele nasce.

O segundo conjunto de ações na revolução educacional é o currículo nacional, que determina aquilo que cada jovem brasileiro tem o direito de aprender. Uma nova educação capacitadora e analítica, que substitua de vez o enciclopedismo raso e passivo que sempre predominou entre nós.

O quarto eixo é a reinvenção do nosso federalismo. Uma estratégia nacional, como esta que estou propondo, só se efetiva quando toca o chão da realidade nas grandes regiões do país. Uma nova política regional focada em vir ao encontro das vanguardas já emergentes em cada região do país para lhes dar o equipamento econômico e educacional necessário para construir novas vantagens comparativas. Uma política regional que, em vez de ser formulada em Brasília e imposta a partir do centro, seja construída pelas próprias regiões e microrregiões, com apoio do governo central. Já está acontecendo na notável auto-organização do Centro-Oeste brasileiro, que passou a se chamar Brasil Central. O Brasil não está esperando ser salvo, está se levantando na escuridão por sua própria conta.

Agora, esses quatro eixos precisam ser complementados pela reconstrução do Estado e da política, com uma cautela: é comum, entre a elite reformadora do Brasil, imaginar que a reforma do Estado e da política sejam a mãe de todas as reformas. Uma condição anterior à reorientação do rumo. A verdade é oposta. Nenhum país muda a sua política e o seu Estado para só depois decidir o que fazer com o Estado e a política reformada. A reforma do Estado e da política só ocorre de fato no meio do caminho de uma luta para reorientar o rumo social e econômico e assim terá de ser entre nós.

Do PMDB ao PDT

Sou fundador do PMDB e, mais do que isso, o autor do manifesto de fundação do partido. Concebi o PMDB como um instrumento político de uma grande coalizão majoritária a favor da predominância dos interesses do trabalho e da produção. E o PMDB tem um recurso precioso, a sua incomparável base municipal. Mas os atos recentes, culminando no lançamento do documento "Uma Ponte para o Futuro", demonstraram o fechamento dos grupos que hoje controlam o partido à construção de uma alternativa como a que proponho.

Saí do PMDB e voltei ao meu partido histórico, o PDT. E lá vou trabalhar para apoiar a candidatura de Ciro Gomes, que vejo como o melhor instrumento na sucessão presidencial da alternativa que defendo. Ele demonstra a necessária capacidade de enfrentamento, tem clareza intelectual, e esse casamento é daquilo que precisamos hoje na liderança do país. 

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Impeachment: caça aos picaretas (Ricardo Noblat)

Lula, Dilma e o séquito de picaretas


Quantos picaretas haverá em um Congresso de 513 deputados federais e 81 senadores?

Nos anos 80 do século passado, o então deputado Luiz Inácio da Silva acusou o Congresso de abrigar, pelo menos, 300 picaretas.
Triste ironia! Pois foi com o apoio de uma maioria deles que Lula governou duas vezes.
E é a eles que Lula novamente pede socorro para evitar, desta vez, a interrupção do mandato de Dilma.
Aquele que se apresenta como “a alma mais honesta do país” recebeu plena delegação de poderes de Dilma para empenhar o que for preciso em troca de votos capazes de barrar a aprovação do impeachment na Câmara dos Deputados – de ministérios a cargos com orçamentos milionários; de liberação de dinheiro para pequenas obras a dinheiro vivo para financiar futuras campanhas.
De zica e de outros doenças, Dilma deixou de falar, reparou?
Neste momento, o estado de São Paulo vive um surto da gripe H1N1, com 534 casos confirmados e 70 mortes relacionadas ao vírus. Falta vacina nos postos médicos.
Uma multidão apinhou-se à porta de uma concessionária da BMW na capital paulista atraída por 1,5 mil doses de vacina oferecidas de graça. Cadê Dilma?
O Brasil está desgovernado desde que ela foi reeleita sem saber direito o que fazer. No primeiro mandato, parecia saber. Mandou sete ministros embora em nome do combate à corrupção.
Depois, aconselhada por Lula, trouxe-os de volta. No mais, fez tudo errado e afundou o país como se vê.
Errou até quando promoveu Lula a ministro na tentativa criminosa de salvá-lo da Lava-Jato – e de salvar-se.
O trabalho sujo, agora, desempenhado por Lula, liberou Dilma para ficar rouca de tanto apregoar que os corruptos jamais a derrubarão – logo ela, de biografia imaculada.
Procede assim em comícios país a fora e Palácio do Planalto adentro, animados pela palavra de ordem repetida por militantes amestrados de que “impeachment é golpe”.
Virou uma figura patética. Uma caricatura sem graça dela mesma.
Falta estimar o número de picaretas com direito a assento no plenário da Câmara. Mas muitos estão divididos entre aceitar pagamentos à vista ou a prazo.
À vista é o que Lula lhes promete desde que entreguem primeiro seus votos. A prazo é o que lhes prometem os que dizem falar em nome do vice-presidente Michel Temer.
Por enquanto, o vice está recolhido ao silêncio. Faz acenos à distância.
Esta tarde, salvo uma surpresa na qual nem o governo acredita, a Comissão Especial da Câmara aprovará o relatório que recomenda a abertura do processo de impeachment contra Dilma.
O relatório será votado no plenário da Câmara entre a próxima sexta-feira e o domingo. Ali, para que o pedido possa ser encaminhado ao Senado, serão necessários os votos de 342 de um total de 513 deputados.
Os defensores do impeachment admitem não ter os 342 votos. Mas dizem dispor de 330 a 335. Será?
No fim de semana, a maioria dos deputados voou aos seus Estados para encontrar parentes, amigos e eleitores. No Recife, Jorge Corte Real (PTB-PE) reafirmou ao pai que votará a favor do impeachment como ele lhe pedira.
Convidado para ser ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR) surpreendeu o governo no sábado com o anúncio de que está indeciso quanto ao impeachment. A filha dele, deputada estadual pelo PP, é a favor.
Espera-se para breve uma nova fase da Lava-Jato. Fora outras coisinhas (alô, alô, Lula!).

O impeachment e o caso do neto assassino (Rolf Kuntz)


Um jovem matou o avô para herdar seus bens. Seu nome estava escrito no testamento do avô. Que fazer, se nenhuma lei proíbe a transmissão da herança, em casos como esse? Em 1889 um tribunal de Nova York precisou responder a essa questão. Se a lei fosse interpretada literalmente, admitiu a corte, seria preciso entregar os bens ao assassino. 

Mas a decisão do caso, conhecido como Riggs v. Palmer, foi outra. Segundo a sentença, “todas as leis, assim como todos os contratos, têm de ser controlados em sua operação e em seus efeitos por máximas gerais e fundamentais do direito comum”. Em seguida: “A ninguém será permitido lucrar com a própria fraude, tirar vantagem de seu malfeito, reclamar direito com base na própria iniquidade ou adquirir propriedade por seu crime”. Ronald Dworkin, um dos grandes nomes contemporâneos da Filosofia do Direito, cita esse caso num dos ensaios incluídos no livro Taking Rights Seriously, de 1976, num esforço para esclarecer a diferença entre regra e princípio.

As noções de regras primárias e secundárias, estabelecidas pelo britânico Herbert L. A. Hart, permitiam incluir num amplo conceito de lei tanto a norma penal (caso mais óbvio da velha concepção de lei como comando) quanto a norma de procedimento (definidora, por exemplo, das condições de validade de um testamento ou mesmo do ritual e do alcance da função legislativa). Nem toda lei corresponde a comando, em sentido próprio, ou estabelece penas para certos comportamentos. A própria norma de reconhecimento (uma regra secundária), vinculada ao conceito de validade, escapa da velha e venerada noção positivista da lei como comando emitido por um ente soberano dotado de poder repressor.

Dworkin reconhece a importância dos conceitos de regra primária e secundária e sua utilidade para o esclarecimento da noção de lei. Mas o avanço conseguido com a introdução dessas noções, segundo ele, foi insuficiente. É preciso, argumentou, mais que isso para dar conta do significado e da operação do sistema legal. Esse algo mais, a ideia de princípio, é essencial para entender a decisão do caso Riggs v. Palmer e de outros também complexos. Dworkin vai além e defende a consideração do princípio como parte do sistema de leis. 

Passando ao problema brasileiro: qual teria sido o efeito se o princípio adotado no caso do neto assassino fosse aplicado, preliminarmente, ao processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff? Uma limitação importante foi aceita logo no começo das discussões. Para evitar uma provável contestação na Justiça o relator do processo na comissão especial, deputado Jovair Arantes, limitou o debate aos atos cometidos no segundo mandato, a partir, portanto, de 1.º de janeiro de 2015. Na prática, ele aceitou uma interpretação quase literal – mesmo este detalhe é discutível – do parágrafo 4.º do artigo 86 da Constituição: “O presidente da República, na vigência do seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. 
“Mandato”, nesse caso, tem sido entendido como o atual. 

Admitido esse ponto, livra-se o presidente, ou a presidente, em caso de reeleição, de responder por crimes de responsabilidade cometidos no período anterior. Os defensores da presidente Dilma Rousseff têm dado muita importância a esse ponto e isso é compreensível. Essa interpretação é muito favorável à acusada, embora as pedaladas de 2014 tenham obviamente continuado em 2015. Afinal, a liquidação dos desembolsos devidos a instituições federais só se completou no fim do ano passado. 

As consequências daquela interpretação vão muito além, no entanto, do atual processo de impedimento. Se nenhum presidente reeleito deve responder pelos desmandos cometidos no mandato anterior, a norma constitucional passa a garantir um prêmio pelo crime – exatamente como teria ocorrido, no caso Riggs v. Palmer, se o tribunal houvesse autorizado a entrega da herança ao neto assassino. No caso dos crimes de responsabilidade, o prêmio dependeria do sucesso da campanha, isto é, da reeleição do governante. Vitorioso, o presidente reeleito ficaria livre de acusações e, mais que isso, colheria sem maiores preocupações os benefícios de suas lambanças. 

Mantida essa interpretação, todos os presidentes com razoável chance de reeleição serão estimulados a violar a lei para continuar no posto. A resistência ao estímulo dependerá de suas qualidades morais e, além disso, de seu controle sobre as iniciativas de assessores e companheiros mais dispostos a recorrer a quaisquer meios para garantir a vitória. A prevalência dessa interpretação, neste caso, será um desserviço à decência política e à democracia, pouco importando, quanto a esse ponto, o resultado do atual processo. 

Ao criticar a interpretação favorável ao crime, algumas pessoas têm chamado a atenção para um problema de datas. A Constituição foi promulgada em outubro de 1988. A reeleição só foi instituída alguns anos mais tarde. Segundo o argumento, seria preciso levar em conta esse detalhe ao interpretar o texto constitucional. É um ponto interessante, mas por que desprezar a questão de princípio? O estímulo ao crime estaria entre as intenções do constituinte? Quem sustentaria uma resposta positiva? Quanto ao estímulo, é inegável, se for mantida aquela interpretação: cometa o crime, garanta sua reeleição e seja feliz. 


Último ponto: mesmo a ideia de uma interpretação literal é discutível. Não há por que entender os atos cometidos pelo presidente em mandato anterior como “estranhos ao exercício de suas funções”, se tiverem sido praticados como atos de governo. Todas as pedaladas, assim como outras lambanças fiscais, foram cometidas no exercício das funções presidenciais. Quem, afinal, autorizou as decisões mais discutíveis da equipe econômica e apoiou a implantação da famigerada contabilidade criativa?

O papel do Supremo (Editorial do Estadão)


Têm sido perturbadoras as mais recentes atitudes do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Sendo a instituição à qual cabe a palavra final sobre a interpretação da Constituição, o STF é responsável por fazer valer o princípio constitucional da separação dos Poderes. No entanto, eis que o próprio Supremo se imiscui em decisões exclusivas do Congresso, ajudando a agravar a perigosa crise institucional que o País atravessa.

Com seu ativismo, o Supremo começou por interferir na delimitação do próprio rito do impeachment, afetando atribuição exclusiva do Congresso. Decidiu como deve se dar a formação das comissões responsáveis pelo processo, quem pode e quem não pode se candidatar a integrá-las e como deve ser o voto em cada caso, entre outras definições.

Ao fazê-lo, o STF pode até ter dado ao processo o necessário carimbo da legitimidade, desautorizando acusações de que estaria em curso um “golpe”, como quer fazer acreditar a presidente Dilma, mas o fato é que somente o Legislativo pode estabelecer de que forma realiza suas votações e organiza suas comissões. Como está claro na Constituição, cada Poder tem suas atribuições, em respeito a suas peculiaridades e a sua natureza, e não é do Supremo o papel de estabelecer os ritos dos demais Poderes, pois isso significa usurpar a função do legislador. É a judicialização da política.

Essa deturpação das atribuições do Supremo ficou ainda mais explícita quando um de seus ministros, Marco Aurélio Mello, manifestou recentemente a opinião de que a presidente Dilma tem o direito de recorrer à Corte caso sofra o impeachment. O magistrado deixou claro que esse direito é assegurado mesmo em se tratando de um processo concluído num rito que inclui as duas Casas do Congresso e cujo julgamento final, no Senado, é presidido pelo próprio presidente do STF. Ou seja, para Marco Aurélio, a decisão soberana do Congresso a respeito do impeachment, sacramentada pelo presidente do Supremo, não tem nenhum valor, salvo se for confirmada pelo plenário desse mesmo Supremo. Trata-se de um evidente despropósito, que atropela as prerrogativas do Legislativo e o espírito da Constituição.

O mesmo Marco Aurélio também tomou a extravagante decisão monocrática de mandar a Câmara aceitar um processo de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer, que reagiu de forma irônica, dizendo que precisava voltar ao primeiro ano da faculdade de direito para entender a decisão de Marco Aurélio, e assim explicitou o risco de desmoralização do Supremo.

Esse risco é tanto maior quanto mais ávidos pelos holofotes alguns ministros do STF parecem ser neste momento de profundo impasse político. Não tem sido incomum que esses magistrados, em busca de inapropriado protagonismo, manifestem opiniões controversas fora dos autos, o que contribui para acirrar ânimos, antecipar julgamentos e, no limite, colocar em questão as decisões do Supremo. Tal comportamento em nada contribui para a solução da presente tormenta – ao contrário, pode ajudar a agravá-la.

A crise institucional é profunda e está à vista de todos. Apesar das aparências, ela não se limita ao Executivo, liderado por uma presidente sem nenhuma legitimidade, nem ao Congresso, presidido por acusados de corrupção e integrado por parlamentares com contas a acertar com a Justiça. Também o Supremo se deixou arrastar para o olho do furacão. Seus excessos não são tão escandalosos quanto os revelados pela Operação Lava Jato, mas são igualmente perniciosos, pois contribuem para que a opinião pública perca a confiança numa instituição que vive exclusivamente disso: da confiança dos cidadãos.

É hora, portanto, de os 11 ministros daquela Corte realizarem um profundo exame de consciência, avaliando a justa medida de seus atos e das consequências de suas decisões, recolocando tanto os comportamentos individuais como as diretrizes institucionais no caminho certo, que é o rigoroso cumprimento da Constituição e das leis do País.

O Supremo, afinal, não é um Poder Moderador, todo-poderoso porque irresponsável. É um Poder como os outros, com funções bem definidas e dentro das quais deve se manter.

Celso de Mello: resposta a Lula


Os meios de comunicação revelaram ontem que conhecida figura política de nosso país, em diálogo telefônico com terceira pessoa, ofendeu gravemente a dignidade institucional do Poder Judiciário, imputando a este tribunal a grosseira e injusta qualificação de ser 'uma Suprema Corte totalmente acovardada'. Esse insulto ao Poder Judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte desta corte suprema, traduz no presente contexto da profunda crise moral que envolve os altos escalões da República, uma reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e o receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes, que tanto honram a magistratura brasileira e que não hesitarão, observados os grandes princípios consagrados pelo regime democrático e respeitada a garantia constitucional do devido processo legal, em fazer recair sobre aqueles considerados culpados em regular processo judicial todo o peso e toda a autoridade das leis criminais de nosso país. A República, além de não admitir privilégios, repudia a outorga de favores especiais e rejeita a concessão de tratamentos diferenciados aos detentores do poder ou a quem quer que seja. Por isso, cumpre não desconhecer que o dogma da isonomia, que constitui uma das mais expressivas virtudes republicanas, a todos iguala, governantes e governados sem qualquer distinção, indicando que ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade das leis e da Constituição de nosso país, a significar que condutas criminosas perpetradas à sombra do poder jamais serão toleradas e os agentes que as houverem praticado, posicionados ou não nas culminâncias da hierarquia governamental, serão punidos por seu juiz natural na exata medida e na justa extensão de sua responsabilidade criminal.



Ainda há juízes em Brasília (Entrevista do ministro João Otávio de Noronha à VEJA)




Um dos decanos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde veste a toga há quase 13 anos, o mineiro João Otávio de Noronha deixou para trás no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o turbulento processo que pode levar à cassação da presidente Dilma Rousseff e do vice-presidente Michel Temer. Ex-relator da ação de impugnação de mandato eletivo (Aime), teve de insistir para que as avassaladoras provas colhidas na Operação Lava Jato pudessem embasar o caso que, se o processo de impeachment não prosperar no Congresso, é considerado a pedra de toque para a depuração da política brasileira. Ex-corregedor da Justiça eleitoral, Noronha recebeu o site de VEJA na última segunda-feira em seu gabinete em Brasília e defendeu o instituto do recall nas eleições, disse que as discussões para a retirada de Dilma do poder não podem ser classificadas como "golpe" e resumiu: "O eleitor não precisa aguentar o governo". A seguir, os principais trechos da entrevista.

O impeachment nem foi votado e o governo já fala em recorrer à Justiça. Isso é válido? 

O Brasil passa por um conflito político que há muito tempo não víamos. Há um processo de impeachment que tramita onde tem que tramitar, no Congresso Nacional, e que está baseado na Constituição Federal. A decisão dos parlamentares é soberana e não pode ser revista sequer pelo Poder Judiciário ou pelo Supremo Tribunal Federal. O impeachment nada mais é do que um processo político e constitucional de impugnação ao mandato da presidente da República.

Como avalia o discurso de que o impeachment seria golpe? 

Não é golpe de modo algum. Não pode ser golpe a aplicação dos institutos previstos na Constituição da República. O juízo de admissibilidade é político e é do Congresso Nacional. Se não sair o impeachment, ainda restarão abertas as portas do Judiciário no TSE. E nem venham me dizer que isso é golpe.

O argumento é o de que estão tentando reverter a vitória da presidente nas urnas. 

A votação obtida pela presidente Dilma Rousseff dá a ela uma presunção de legitimidade, mas não uma presunção absoluta. Isso quer dizer que, quando se prova a utilização do poder político ou quando recursos econômicos ilegítimos foram empregados para ganhar a eleição, comprovamos que a vontade popular foi viciada. Teríamos o mesmo resultado se a ética e a lei tivessem sido seguidas? A resposta sempre é negativa.

É o caso da campanha da presidente Dilma? 

Jamais vi na história do Brasil - e me aproximo dos 60 anos - uma eleição tão dividida, tão polarizada e com acusações tão graves. Fico triste de ver que as empresas estatais tenham sido utilizadas, segundo as denúncias, para financiar campanhas políticas. Isso é estarrecedor porque o poder econômico é utilizado de uma forma ilegal, com desvio de verbas de empresas controladas pelo governo. A Constituição não dá um salvo-conduto para prática de atos imorais, criminosos e ilegítimos. A presidente da República é uma cidadã e como tal deve ser responsabilizada pelos atos que pratica.

As discussões sobre o momento político são acompanhadas por críticas ao juiz Sergio Moro. O senhor acha que ele atua como justiceiro? 

Essas críticas são muito levianas. O juiz Moro é decente e correto. Não vi nenhum inocente preso até hoje por ele e quero que me apontem onde estão esses inocentes. Não vi nenhuma perseguição feita por ele. Tudo corria bem até que ele pegou um determinado figurão petista, que passou a receber o apoio de ministros dos mais variados setores no Judiciário brasileiro. Se há indícios de que ele praticou ilícitos, por que ele não pode ser tratado como os demais? Onde está escrito na Constituição que ele merece tratamento diferenciado? Um dos críticos disso, o ministro Marco Aurélio Mello, vivia dizendo no Supremo e principalmente no Tribunal Superior Eleitoral que o processo não se julga pela capa. Se não se julga pela capa ou pelo nome da parte processada, por que dar tratamento diferenciado a um ex-presidente da República? Por que nessa hora vai olhar a capa do processo e não olha a capa quando o processado é o Joaquim da Silva ou o José Pereira do interior? Tenho o maior apreço e respeito pelo trabalho que o juiz Moro está fazendo. Ele é digno de elogios.

O senhor compartilha da tese de que o petrolão foi um projeto criminoso de poder? 

Há uma coisa muito grave na República Federativa do Brasil e que envolve autoridades políticas antes intocáveis. Agora o amadurecimento da democracia nos levou a investigar a todos. De pouco tempo para cá todos respondem por aquilo que fizeram. O Brasil mostrou sua maturidade democrática quando, por exemplo, o juiz Sergio Moro teve essa coragem e precisava ter de chegar aos intocáveis. Não temos que temer ninguém. Não temos que temer o grito de ninguém, seja quem for que esteja a gritar. Ninguém pode se achar intocável ou acima da lei. Como juiz, tenho orgulho de ver que este moço teve a coragem necessária para desvendar o que subjaz atrás de todo esse esquema de corrupção. Entre os investigados, ninguém diz 'eu não fiz, eu não pratiquei'. Só se diz 'a ação foi ilegal'. Ninguém contesta os fatos e nem há como contestar fatos que restaram gravados e divulgados e cujas vozes eram publicamente conhecidas.

A recente decisão do STF de executar sentença e permitir prisões já em segunda instância ajuda no combate à corrupção? 

Temos que interpretar até onde deve ir a presunção da inocência. Quando a interpretação da presunção da inocência importa no juízo absoluto de impunidade, como vinha acontecendo, não se estava assegurando nenhuma garantia constitucional, e sim burlando a garantia constitucional. Uma decisão proferida por um juiz de primeiro grau, confirmada por um tribunal, significa que já temos dois pesos no sentido da culpabilidade. Não me parece razoável que a execução da pena possa ser postergada e retardada em razão de um simples recurso ao tribunal superior. Caberá ao Supremo e ao STJ analisar caso a caso se a prisão pode causar um dano irreparável. É um recado claro de que acabou a impunidade com fundamento em meras questões formais.

Na posse de Lula, Dilma atacou Moro e criticou as manifestações de ruas. Chegou a comparar os acontecimentos ao início do nazismo. 

A presidente Dilma deve estar muito atordoada e não sabe o que está falando. Conheço uma série de cidadãos que foram para as ruas porque estão descontentes, porque se sentiram ludibriados pela política e pelo discurso de campanha não cumprido. Eles foram às ruas porque, no dia seguinte à proclamação do resultado do segundo turno, tínhamos uma ação totalmente diferente daquela pregada. Nas manifestações pró-governo, vi notícias de ônibus vindo do interior para trazer manifestantes, manifestantes recebendo dinheiro. Há uma diferença muito grande entre uma manifestação e outra. Uma é induzida, organizada. A outra é natural. Todo mundo sabe o que foram as manifestações pró-impeachment. O povo elege e não pode tirar? Lamentavelmente a nossa Constituição não criou um instituto para isso.

O senhor defende um referendo ou recall do mandato? 

Talvez fosse o caso de o impeachment nem ser decidido pelo Congresso, mas diante de uma consulta pública à população, como um recall. Esse é o meio mais democrático de se fazer. Aí ninguém vai ter coragem de falar em golpe. Todos nós sabemos o motivo do desagrado com o governo. Temos um país em uma situação crítica. Depois de muitos anos de estabilidade econômica, temos um país economicamente em estado de desastre, com déficit orçamentário, inflação retomando, desemprego. Temos uma situação econômica desastrosa e nos últimos 20 anos não tínhamos visto isso. O eleitor não precisa aguentar isso. Como não temos um recall, o remédio previsto na Constituição é o impeachment.