quarta-feira, 2 de abril de 2008

O FUTURO DE BELO HORIZONTE (quinta parte)

A composição entre petistas e tucanos em Minas Gerais já vem de longe. Os acertos em inúmeras cidades (algumas delas de grande valor simbólico, como São João Del Rei), configuram um plano estratégico de largo curso. Em Belo Horizonte, como já se disse anteriormente, o noivado de hoje começou com um namoro firme nas eleições de 2004, quando a cabeça do batista João Leite foi entregue em holocausto para garantir a eleição de Fernando Pimentel. O que parecia, no mínimo estranho, ao longo do processo eleitoral de 2004 ganhou pleno sentido quando visto pelo prisma de hoje. Por exemplo, as visitas constantes de Fernando Pimentel ao Palácio da Liberdade, quase que no mesmo instante em que o governador Aécio recebia o candidato João Leite que ele, governador, supostamente apoiava. O batista João alardeava seus vínculos com o governador, louvando a importância do seu apoio, e o governador, por seu lado, sinalizava para a capital mineira sua intimidade com Pimentel. O governador dizia oficialmente que seu apoio era a João Leite mas viajou para a China e pouco, ou quase nada participou de eventos de campanha. Sua única aparição pública se deu durante um ato na Praça Sete, numa presença que não passou de um quarto de hora, obedecendo àquele rito quase que oficial das campanhas em Belo Horizonte, de tomar um cafezinho com aposentados da Esquina dos Aflitos. Uma caminhada de alguns metros um alô simpático para os passantes e um retorno rápido para o palácio (que Pimentel já o esperava para coisas mais substanciais que uma xícara de café aguado).

A título de comparação e na mesma época, veja-se o comportamento de Geraldo Alkmin, então governador de São Paulo, e seu engajamento de corpo e alma para viabilizar a eleição de José Serra como prefeito da capital paulista. O plano do conchavão já estava em curso, num processo em que o “campo” petista (para usar uma expressão tão ao gosto de Pimentel e de clara extração stalinista, numa fidelidade ao amor primeiro realmente admirável), fez uso de todas as armas e de todas as artimanhas para garantir a vitória. Apenas para ficar como registro histórico, vale a pena citar dois acontecimentos: um deles, por ocasião do primeiro “debate” entre os candidatos, promovido pela Rede Bandeirantes, ainda no início da campanha. Para criar instabilidade no candidato João Leite – homem afável e incapaz de baixarias de qualquer natureza, como comprova sua trajetória como jogador de futebol profissional, ambiente onde obscenidades e gestos agressivos são a norma – Fernando Pimentel, quando o cinegrafista não o focava, ficava botando a língua para fora em direção a João Leite, tal qual fazem crianças umas para as outras (antes, claro, de aprenderem a fazer o top-top-top de que nos falou recentemente o professor Marco Aurélio Garcia).

Alguém consegue imaginar o incrível da cena? Botar a língua para fora... Francamente... Foi, no entanto, de uma imaginação atroz (provavelmente orientado por Duda Mendonça), e talvez sim, talvez não, tenha contribuído para o pífio desempenho de João Leite naquele primeiro embate de campanha. Uma personalidade mais combativa que estivesse no lugar de João Leite, no mínimo denunciaria publicamente o comportamento inadequado ou, então, o que seria mais coerente, o chamaria de palhaço e o mandaria tomar no olho do seu cu. Mas João Leite tem o temperamento de goleiro e, não, de um volante brucutu, daqueles que vão na canela do adversário sem dó nem piedade. O segundo caso refere-se ao uso desavergonhado de um discurso fascista contra os Direitos Humanos, colando em João Leite a imagem de defensor de bandidos. Que malufistas tivessem tal atitude seria compreensível mas um ataque como este a um parlamentar como o deputado João Leite – personagem de notório engajamento na luta contra as arbitrariedades e as agressões costumeiras que marcam o sistema prisional brasileiro – é algo que somente mostra a completa falta de escrúpulos do “campo” político onde se inscreve Pimentel. As armas da direita mais retrógrada foram, são e serão usadas por este tipo de gente que não conhece qualquer limite ético. Um jornaleco local de Belo Horizonte, famoso pela cor marrom de suas páginas, foi distribuído fartamente por toda a cidade, principalmente nas periferias, em tiragem de centenas de milhares de exemplares contendo as mais sórdidas referências a João Leite. Isto ajudou a derrotar João Leite? Talvez sim, talvez não, repita-se a dúvida. Mas certamente contribuiu para delinear uma imagem pública de candidato débil, sem condições de enfrentar as durezas da vida e, até, sujar as mãos caso necessário, em franca contraposição àquela que se vendia, e se vendeu, de Fernando Pimentel como um executivo realizador e “bom de serviço” (que era o mote de sua campanha).

Estas considerações precisam ser feitas para que a memória política da cidade não seja lançada aos esgotos. A turma que controla a capital mineira é a mesma daqueles que há cinco anos (desde 2003, com a eleição de Lula), transformaram a política nacional num festival de velhacarias e de corrupção. A turma do mensalão, nunca é demais insistir, teve seu centro de criação e seus braços operacionais produzidos em Belo Horizonte. Alguns dos nomes foram lançados na vala dos esquecidos e saíram da cena pública. É o caso do ex-ministro Valfrido dos Mares Guia. Este, ao que parece, deveria ser o tal candidato consensual entre tucanos e petistas a prefeito de Belo Horizonte nestas próximas eleições. Uma passo em falso seu, no entanto, atrapalhou, mas não inviabilizou, o plano geral. Com o filme de Mares Guia queimado, como se diz, os alquimistas da política inventaram o tal Márcio “Chuck” Lacerda, apesar de suspeitas legítimas que pairam sobre ele, derivadas de seus vínculos com o pessoal do mensalão (sempre ele, sempre ele). Pode-se alegar que “Chuck” Lacerda foi somente um inocente intermediário de dinheiros destinados a pagar “despesas de campanha” de Lula e/ou de Ciro Gomes, sem maiores envolvimentos com as trapalhadas de Marcos Valério, do Professor Delúbio e do lobista internacional José Dirceu.

Também o coordenador financeiro da campanha de 2004 de Fernando Pimentel - o atual assessor da Prefeitura de Belo Horizonte e antigo Secretário Municipal da Cultura, Rodrigo Barroso Fernandes – foi portador de “boas novas” monetárias provindas da inesgotável cornucópia do mensalão. Ao ter seu nome colocado na roda do escândalo nacional, Rodrigo Barroso Fernandes foi imediatamente afastado da direção da recém criada Fundação Cultural que substituiu a Secretaria Municipal de Cultura. Evidentemente, passada a tormenta e o interesse da grande imprensa (que a pequena imprensa não costuma ficar bisbilhotando estas coisas, a menos que esteja a fim de aumentar seu volume de anúncios), o amigo e irmão de fé Rodrigo Barroso Fernandes foi instalado numa suculenta assessoria especial do prefeito Pimentel, sujeito legal que não é de deixar amigos e, muito menos, irmãos de fé ao relento ou na rua da amargura, ainda mais se ele estava tão somente cumprindo ordens vindas de quem pode dá-las. Se na campanha de Pimentel entrou dinheiro “não contabilizado” (na peculiar novilíngua do Professor Delúbio, ao seguir os conselhos orwellianos), isto foi somente um “erro”, muito comum, aliás, no meio da companheirada que, distraída como ela só, costuma não ficar atenta a detalhes sem maiores importâncias. Veja-se que a campanha de Pimentel de 2004, ao contrário dos distraídos da direção nacional, contabilizou, sim, doações mesmo que o doador não pudesse fazê-lo por impedimento legal específico, que proíbe expressamente que concessionários ou permissionários de serviços públicos financiem campanhas eleitorais.

É o caso, por exemplo, da CONSITA LTDA (empresa de lixo e limpeza pública), que doou em 1º de outubro de 2004 a bagatela de R$257.000,00 conforme atesta recibo eleitoral emitido pela coordenação da campanha de Pimentel (um mês antes, em 3 de setembro do mesmo ano, a generosa CONSITA já havia doado R$243.000, perfazendo um total de contribuição de R$500.000,00). No mesmo caso da CONSITA poderia ser colocada a HAP ENGENHARIA LTDA, devotada também a atividades que incluem limpeza pública, que doou outra bagatela de R$220.000,00, conforme recibo oficial disponível na internet. Se o Professor Delúbio tivesse feito um estágio na prefeitura de Belo Horizonte ele, com certeza, aprenderia que esse negócio de dinheiro “não contabilizado” é uma grande bobagem, servindo apenas para produzir chacotas de desafetos mal humorados. Em Belo Horizonte a ilegalidade é perfeitamente contabilizada e não produz nenhum efeito punitivo. Do ponto de vista filosófico é uma forma muito superior à versão primitiva do Professor Delúbio e o método mais antigo ainda do Professor PC Farias (aquele que advertiu o então presidente Collor de que “a madame estava gastando demais”), que criou uma contabilidade paralela com fantasmas que tinham digitais, o que facilitou muito a descoberta das estripulias coloridas. Em BH isto não acontece. Aqui a fonética é outra. Muito mais limpa, muito mais clean, e muito menos trabalhosa.

(continua)