quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Revoluções tecnológicas e impactos econômicos - parte I

"AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS E OS IMPACTOS ECONÔMICOS (parte I)"


“O primeiro problema importante decorrente da nova revolução industrial (a que nasceu no bojo da revolução informática), é o de como assegurar a manutenção de um exército de pessoas estruturalmente desempregadas, que perderam seus empregos em conseqüência da automação e da robotização da produção e dos serviços. No que se refere aos países industrializados avançados (para os países em vias de desenvolvimento a situação será ainda mais difícil, quando não inteiramente trágica, em razão de sua pobreza), isto é, países em que a renda nacional possibilita, em princípio, satisfazer as necessidades do conjunto da população num alto nível, defrontamo-nos inevitavelmente com o problema de como poderá ser distribuída esta renda numa nova situação. Por um lado, a automação e a robotização (no pressuposto de um aumento da energia utilizada pela produção em conseqüência da descoberta de novas fontes energéticas), provocarão um grande incremento da produtividade e da riqueza social; por outro lado, os mesmos processos reduzirão, às vezes de forma espetacular, a demanda de trabalho humano. Isto é inevitável, independentemente do número de esferas de trabalho que forem conservadas e do número de esferas novas que possam surgir como conseqüência do desenvolvimento da microeletrônica e dos ramos de produção a ela associados. Os especialistas de boa-fé não deixam nenhuma dúvida quanto a isso quando comentam esse tema.Citarei apenas duas opiniões, ambas dignas de crédito, em que o problema é colocado com toda a clareza. Uma é a solução dos empresários japoneses – merecedores de crédito, como tem demonstrado até agora a experiência – cujo objetivo é eliminar completamente o trabalho manual na indústria japonesa... Ainda que possa haver nisto um certo ufanismo, a exposição deste objetivo deve ser levada a sério. A outra opinião se encontra num informe especial do Science Council of Canada Report (n.º 33m de 1982), que prevê a moderada taxa de 25% de trabalhadores que perderão seu emprego no Canadá até o final do século XX em conseqüência da automação. Observe-se que neste caso se trata de um informe elaborado por uma instituição científica estatal digna de confiança. Resta-nos, pois, a opção de escolher entre 100 e 25 por cento, diferença que talvez decorra do alto grau de desenvolvimento alcançado pela eletrônica na indústria japonesa (onde já funcionam as chamadas unmanned factories). Mas não pode haver nenhuma dúvida de que o desemprego estrutural afetará massas inteiras da população. É o que indicam também as previsões americanas, segunda as quais serão eliminados 35 milhões de empregos até o final do século XX em conseqüência da automação. As atuais estatísticas de trabalho entre jovens mostram também que uma a cada três pessoas em Nova York e uma a cada duas em Chicago não têm emprego. As cifras no caso dos jovens negros norte-americanos são muito mais altas (o que parece evidente tendo em vista as relações sociais existentes nos Estados Unidos).É evidente que são impossíveis previsões precisas e confiáveis neste sentido, dado que temos de lidar com um número de variáveis muito grande que pode fazer pender a balança para um ou para o outro lado. Mas uma coisa é certa: as conclusões otimistas extraídas dos estudos empíricos das relações entre inovações tecnológicas e emprego em um determinado ramo da indústria ou dos serviços, ao longo dos últimos anos, parecem pouco confiáveis, metodologicamente erradas e (premeditadamente?) enganosas. Em primeiro lugar, porque o ritmo destas inovações vem-se intensificando continuamente; em segundo lugar, porque também o ritmo de sua implementação técnica está aumentando, o que conseqüentemente intensifica a pressão sobre o mercado de trabalho; em terceiro lugar, porque por ora ainda subsiste uma grande diferenciação entre os diversos ramos da produção e dos serviços no que diz respeito à aceitação de novas técnicas – fator que deverá mudar rapidamente; em quarto lugar, finalmente, porque o panorama é muitas vezes ofuscado pela estabilidade, ou até acompanhado por certa elevação das funções e operações, como ocorreu, por exemplo, no setor dos bancos no Ocidente – apesar da computadorização das suas funções. A tranqüilização da opinião pública e dos ramos da indústria e dos serviços interessados, contrariando a evidência dos fatos, é uma atitude socialmente prejudicial. Os males sociais que nos ameaçam só podem ser evitados com a adoção de medidas preventivas desde já e com a preparação de outras mais radicais para o futuro próximo. Neste sentido, a sociedade deve ser mobilizada para adotar tais medidas em vez de se deixar desmobilizar por falsas previsões tranqüilizadoras. Ainda que alguns acreditem que isto possa salvas seus interesses a curto prazo, tal conduta, do ponto de vista social, não faz mais que adiar decisões inevitáveis que deverão ser tomadas queiramos ou não; com isso, no entanto, ter-se-á que tomá-las em condições muito piores devido à urgência da situação.Isto se refere sobretudo às conseqüências da atual revolução industrial na esfera da estrutura econômica da sociedade, ou, utilizando uma formulação diferente, na esfera da formação econômica da sociedade. O problema de dezenas de milhões de pessoas estruturalmente desempregadas na Europa e de centenas de milhões de pessoas estruturalmente desempregadas em todo o mundo (isto é, pessoas que não estão desempregadas em conseqüência de uma conjuntura desfavorável, mas o estão em conseqüência de mudanças da estrutura de ocupação, através de substituição do trabalho humano tradicional pelo autômatos), não pode ser resolvido pelo auxílio-desemprego. Isto vale sobretudo para os jovens, aos quais a nova tendência tecnológica privará da oportunidade de trabalho, no sentido tradicional da palavra, desde o início da sua vida produtiva. É necessário que se faça aqui algo de novo. As soluções devem ser outras. Podemos dizer, em termos muito gerais, sem avançarmos nada de específico sobre o que terá de ser feito, que a solução deverá contemplar novos princípios de distribuição de renda nacional, o que não poderá ser feito sem infringir, ou pelo menos modificar, o direito de propriedade hoje dominante.Dissemos tudo isto em termo muito genéricos e com muita prudência. Como veremos, esta formulação geral admite várias versões. Apesar disso, me dou conta perfeitamente de que em determinados círculos mesmo uma formulação tão genérica pode chocar e provocar reações defensivas. Por isso sugiro que abordemos estes problemas com serenidade e objetividade; reações nervosas e uma rejeição defensiva de fatos óbvios não conduzem a nada, como testemunha a história de situações similares no passado. É evidente que estas reações nervosas estão limitadas aos países nos quais os meios de produção e as grandes instituições de serviços são de propriedade privada, isto é, os países que – apesar das grandes diferenças existentes entre eles – costumamos denominar de capitalistas. Isto que acabo de dizer não é aplicado aos países que – apesar das exceções e das diferenças – chamamos de socialistas, nos quais a propriedade dos correspondentes meios de produção e das instituições de serviços não se encontram em mãos privadas. Devido precisamente a estas diferenças nas reações de choque e nos reflexos defensivos, devemos manifestar explicitamente que o problema do desemprego estrutural resultante da atual revolução industrial é supra-sistêmica e afeta também os países socialistas. As atuais diferenças na intensidade do desemprego estrutural se devem a que os países socialistas estão atrasados muitos anos no que se refere às aplicações da microeletrônica no âmbito não militar em comparação com os países altamente industrializados. Contudo, o desenvolvimento dos países socialistas eliminará estas diferenças e fará com que também estes países se confrontem com o problema do desemprego estrutural em grande escala. O expediente atualmente muito utilizado de mascarar uma superabundância de força de trabalho não resolve de fato o problema e não faz senão confundir a situação real. A vantagem dos países socialistas não consiste em estarem livres das regularidades da tendência geral do desenvolvimento. Sua vantagem deve ser vista antes no fato de que estes países podem resolver suas dificuldades mais facilmente porque neles os meios de produção não são de propriedade privada. Todas as demais dificuldades, especialmente aquelas que vão além da esfera econômica... são supra-sistêmicas e possuem caráter geral e universal.Voltando ao problema do desemprego estrutural e de suas soluções, devemos estabelecer uma distinção entre as soluções adotadas durante o período de transição e as soluções que terão de ser adotadas quando o processo vier a adquirir toda a sua dimensão.Durante o período de transição a solução consistirá, certamente, na redistribuição do volume de trabalho existente mediante a redução da jornada de trabalho individual. Esta é até agora a solução geral e correta proposta pelos sindicatos ocidentais, que lutam por uma semana de trabalho de trinta e cinco horas, com plena consciência de que isto não é senão o início do processo de contínua redução das horas de trabalho, que prosseguirá nos próximos anos. Mas não deveríamos tentar ocultar o fato, que por enquanto é apenas vagamente mencionado em diferentes palavras de ordem, de que este é, e deve ser, o princípio de uma nova distribuição de renda nacional. Pois ao lado do problema de redução das horas de trabalho surge um novo problema: à custa de quem deve ser feita esta nova distribuição?Não cabe a menos dúvida de que, em conseqüência de lutas mais ou menos ásperas que possuem um inequívoco caráter de classe (também nos países em que pareciam ter mesmo desaparecido), os custos da nova distribuição deverão ser suportados por aqueles que desfrutam de uma porção maior da renda social, isto é, pelos empresários. É óbvio que a condição preliminar para esta solução está em que a operação seja realizada de comum acordo entre os países industrializados (OCDE e a Comunidade Européia). Medidas separatistas que neste sentido viessem a ser tomadas por um único país acarretariam sua inevitável ruína econômica em razão da perda de competitividade nos mercados internacionais. Tudo isto deverá conduzir a uma cooperação internacional mais estreita entre os sindicatos destes países, mas ao mesmo tempo à sua radicalização, fenômeno que, no caso dos países altamente industrializados, parecia já coisa do passado. Esta radicalização estará relacionada, como já foi dito, com a redistribuição da renda nacional, no sentido de tentar transferir para os ombros dos empresários o custo da redução das horas de trabalho. As massas trabalhadoras tornar-se-ão muito mais radicais ao largo deste conflito, já que não admitirão que se rebaixe seu nível de vida, enquanto as classes proprietárias deverão ser suficientemente inteligentes para aceitar este passo inevitável no sentido de um nivelamento (relativo) na participação de todos os membros da sociedade na renda social, caso queiram evitar as desagradáveis surpresas de explosões revolucionárias que, no caso dos países altamente desenvolvidos, pareciam pertencer a um passado longínquo. A nova revolução industrial traz consigo uma situação potencialmente revolucionária, que só pode ser evitada se se conseguir extrair em tempo as necessárias conclusões de suas implicações sociais. Disto devem estar cientes não apenas as classes proprietárias, mas também as direções sindicais tradicionalmente reformistas e conciliadoras, que podem ser substituídas pelos militantes de base se não se adequarem à espontânea radicalização destes. O mesmo cabe dizer dos partidos políticos, especialmente daqueles que têm sua base militante nas massas trabalhadoras. Há novas oportunidades para partidos revolucionários, mas desde que sejam inteligentes e não se mantenham aferrados a seus velhos modelos e soluções, que não podem absolutamente ser transplantados para a nova realidade. Isto trará dificuldades – ainda que por motivos distintos – aos partidos socialistas e comunistas tradicionais.Tudo o que dissemos até agora, e que é apenas um prelúdio, não pretende “assustar” ninguém nem, como poderiam pensar alguns, exortar a uma revolução; trata-se simplesmente da constatação de alguns fatos de caráter objetivo que não podem ser descartados por uma obstinada recusa que coloca em marcha o mecanismo da dissonância cognitiva. É, ao mesmo, tempo, uma advertência para que não se tratem superficialmente as conseqüências da dinâmica social que caracteriza o período atual e o futuro. Esta advertência é oportuna agora e também vale como obrigação social e moral dos representantes das ciências sociais que se ocupam dos problemas do nosso tempo e compreendem as suas regularidades. O período em questão é revolucionário no sentido das mudanças que se estão produzindo, mas não o é no sentido da existência de um inevitável cataclismo social (com o recurso à violência), dado que as suas conseqüências podem ser controladas. Do ponto de vista social, as soluções pacíficas são mais “econômicas” e por isso mais desejáveis mesmo para os defensores da revolução, caso seus objetivos possam ser alcançados por meios pacíficos. Em nossa época isto é sem dúvida possível nos países altamente desenvolvidos e, por isso, devemos nos esforçar ao máximo para alcançar este objetivo. Ao fazê-lo devemos ter presente que hoje, quando por diversas razões se fala do colapso ou pelo menos de crise do marxismo, podemos presenciar a materialização – com uma clareza quase clássica – de uma das teses fundamentais desta doutrina, a saber: que mudanças na base social produzem inevitavelmente mudanças na superestrutura. O fenômeno em questão está se manifestando diante dos nossos olhos, e mesmo aqueles que não são partidários do marxismo não podem certamente ignorar a exatidão do diagnóstico marxiano. Porém, como já dissemos, encontramo-nos ainda no prelúdio do processo propriamente dito. Esta começará quando a curva que representa a redução de horas de trabalho, para que todos tenham emprego (ou pelo menos muitos), se aproximar assintoticamente do ponto zero para as massas de pessoas estruturalmente desempregadas. Neste sentido, há que se levar em conta que este ponto zero continua ainda muito distante da situação a que se referem hoje os empresários japoneses, a saber: a situação em que o trabalho manual na produção (e o correspondente trabalho intelectual nos serviços), será eliminado em 100 por cento. A jornada de trabalho não pode ser reduzida primeiro a 35 horas semanais, depois a 25, a 20 e assim por diante, até que cheguemos à cifra de uma ou meia hora semanal. Isto seria absurdo do ponto de vista das experiências psíquicas do trabalhador: abaixo de um certo mínimo de horas de trabalho (qual mínimo?), o chamado tempo livre se converte em uma carga psíquica. Produz-se, de fato, uma “poluição” do tempo livre.Nesta situação, será necessário substituir o trabalho tradicional, no sentido de trabalho remunerado, por ocupações não remuneradas que seriam um sucedâneo do trabalho atual no que se refere ao “sentido da vida”, isto é, no que se refere à motivação das atividades humanas. É muito compreensível a necessidade de um tal “sucedâneo” do emprego remunerado de hoje, ainda que seja somente para assegurar o bem-estar psíquico dos homens que não trabalham. Comentaremos detalhadamente este problema mais adiante. Mas como o emprego remunerado não poderá assegurar ao homem seu meio de vida como ainda hoje ocorre, este meio terá de ser oferecido pela sociedade, se esta não quiser que os desempregados estruturais sejam condenados à inatividade. É óbvio que a sociedade não fará isto, mas mesmo que ocorra a alguém uma idéia tão diabólica, não poderá levá-la à prática; isto seria impedido por um levante popular que poderia inclusive ser sangrento. Mas é de se supor que não se chegará a este extremo. Quanto a isto, as classes proprietárias dos países altamente desenvolvidos são demasiado razoáveis para correrem um tal risco, além do que – numa sociedade futura que será incomparavelmente mais rica, graças à informática e à automação da produção e dos serviços – teriam muito a perder arriscando seu domínio material, ainda que reduzido, em nome de uma estúpida defesa de classe a curto prazo”. (continua)

(Schaff, Adam. A Sociedade Informática).

Revoluções tecnológicas e impactos econômicos - parte II

"As revoluções tecnológicas e os impactos econômicos (Parte II")

“Como dissemos, a manobra de transição que consiste em reduzir as horas individuais de trabalho tem limites estreitos e rígidos. Portanto, a preocupação com a manutenção do crescente exército de desempregados estruturais deve ser assumida pela sociedade, isto é, pelo Estado ou por suas instituições descentralizadas. Pois o Estado, enquanto forma de controle do homem sobre as coisas e não sobre outros homens, subsistirá inclusive na sociedade muito mais desenvolvida do futuro. A tese oposta é apenas um sonho anarquista cujo caráter absurdo pode ser facilmente demonstrado. Em todo caso, estas idéias nada têm em comum com o marxismo. A descentralização do Estado e a autonomia administrativa dos cidadãos em todos os níveis é outra questão. O problema não é abstrato do ponto de vista de uma futurologia social realista; tampouco é abstrato do ponto de vista do que deveria ser feito hoje a este respeito. A título de exemplo mencionarei The Triple Revolution, memorando preparado por um comitê especial do The Santa Barbara Center of the Study of Democratic Institutions em 1964, isto é, há quase meio século. O documento foi elaborado por um comitê ad hoc formado por 37 pessoas, entre as quais vários prêmios Nobel, representando diversos grupos sociais e escolas de pensamento. A fim de evitar mal-entendidos, deve-se ressaltar que seus membros mais “esquerdistas” eram Norman Thomas, líder do Partido Socialista, e Erich Fromm, psicólogo e filósofo, que em alguns aspectos se aproximava do marxismo, mas que não era marxista nem se considerava como tal. O memorando, dirigido ao então presidente Lyndon Johnson e aos líderes dos partidos Democrata e Republicano, é, a meu ver, um documento de importância histórica pela amplitude de sua perspectiva e pela profundidade de sua análise de fenômenos que apenas hoje podem ser avaliados em seu pleno significado, o que testemunha a clarividência dos seus autores... Pessoalmente, devo ressaltar que contraí uma “dívida” intelectual com o conteúdo do documento. Desejo agora aludir apenas a uma das idéias do memorando que tem uma relação direta com as nossas considerações. Os autores partiram da revolução cibernética (a microeletrônica e a automação ainda não eram conhecidas naquela época), e chegaram à conclusão de que a riqueza material da sociedade crescia rapidamente e era acompanhada por uma queda da demanda de mão-de-obra, substituída pelas máquinas. Em resposta à questão sobre como se poderia garantir a subsistência deste exército de desempregados, os autores do documento escreveram: “instamos a que a sociedade através das instituições jurídicas e governamentais apropriadas, se comprometa sem reservas a proporcionar, por direito, um rendimento adequado a todo indivíduo e a toda família”.Esta parece ser a única solução racional para o nosso problema: se a sociedade se enriquece com a nova revolução industrial, consequentemente ela deve arcar com os custos do incremento do desemprego estrutural derivado desta revolução. Mas como pode toda a sociedade adquirir os fundos necessários para enfrentar estas novas obrigações? Em minha opinião, não há outro caminho se não o de prosseguir aplicando aquelas medidas que, como vimos, deverão prevalecer durante o período de transição: uma nova e mais profunda distribuição da renda nacional, que será certamente muito superior a qualquer outra conhecida. Isto todavia só poderá ser realizado mediante a redução de uma parte da renda nacional que corresponde às classes proprietárias, ainda que esta redução deva ser relativa, dado que sua participação em termos absolutos, aumentará graças ao rápido aumento da produção e da renda nacional em geral. Ainda que isto não agrade aos exacerbados defensores da propriedade privada, incapazes de pensar de modo racional, trata-se de uma solução sem a qual não há alternativa realista. Existiria apenas a alternativa de a sociedade permitir a inanição das dezenas de milhões de pessoas condenadas ao desemprego estrutural. Mesmo que a sociedade consentisse (com “peso no coração”, é certo, mas em nome de princípios “mais elevados” como a defesa dos direitos civis, entre os quais se acha o direito de propriedade), não pode haver dúvida de que uma tal solução seria rechaçada – e se necessário com armas em punho – pelos “condenados” a morrer de inanição. Na realidade, esta solução não pode ser levada em consideração. E, ao responder aos exacerbados defensores do direito de propriedade, não aludirei a nenhum argumento proposto por qualquer escola de pensamento socialista, mas à encíclica papal Laborem exercens. O autor deste documento, de quem não se pode suspeitar que oculte intenções subversivas, afirma explicitamente que, se necessário, o direito de propriedade pode ser infringido... Tudo isto significa apenas que o socialismo deverá prevalecer necessariamente como resultado da nova revolução industrial? A resposta a esta pergunta depende de como interpretamos o termo “socialismo”.Não se pode excluir a possibilidade de a sociedade do futuro próximo, que será forçosamente muito diferente da nossa, recorrer a medidas econômicas como as que já estão sendo implementadas hoje na Suécia. Sem nacionalizar a indústria e os serviços (com exceção de alguns casos, como, por exemplo, o das estradas de ferro), e sem infringir formalmente o direito de propriedade, o Estado recorre a impostos progressivos, taxando em até 90 por cento as rendas e os lucros dos seus cidadãos e utilizando estes fundos para cobrir seus gastos. Desta maneira, o incentivo à iniciativa privada é preservado, ao mesmo tempo em que uma grande parte da renda nacional é apropriada pelo Estado (acima da renda individual necessária a satisfazer os padrões da vida, segundo o nível histórico das necessidades pessoais). A parte apropriada pelo Estado se destina por outro lado a cobrir todas as necessidades sociais, entre as quais pode ser arrolado o custo de manutenção do exército de pessoas estruturalmente desempregadas que exercem diversas atividades. Isto seria muito diferente do atual auxílio-desemprego, já que consistiria em uma pensão vitalícia cuja quantia poderia possivelmente ser diferenciada de acordo com o caráter e a qualidade das ocupações que teriam estas pessoas estruturalmente desempregadas. O que tornaria ainda mais nebulosa a diferença entre esta pensão e o salário. Isto continua sendo capitalismo?Tudo depende de como definimos este conceito, mas, desde logo, não é capitalismo no sentido clássico. Tanto o problema da propriedade privada quanto – e isto é particularmente importante – o da mais valia se colocam de forma diferente de como aparecem em O Capital de Marx. Ainda que se trate aqui de mais-valia, esta não permanece nas mãos dos capitalistas e à sua disposição, mas passa a ser propriedade social e é utilizada para satisfazer necessidades sociais. Ainda que conservemos o termo “mais-valia” para não nos envolvermos com problemas terminológicos, não devemos esquecer que o conteúdo deste conceito mudou e talvez tenhamos que pagar pela nossa conveniência terminológica o preço de equívocos semânticos. Desejo assinalar aos marxistas “ortodoxos” que Lênin, durante a Primeira Guerra Mundial, considerou um caminho muito concreto e pacífico para se alcançar o socialismo nos países com vizinhos socialistas (como exemplo disto mencionou a Suíça). O Estado compraria as propriedades dos capitalistas e os manteria como administradores de suas antigas fábricas e instituições de serviços, desde que soubessem realizar seu trabalho. Não há aí uma analogia com a situação de hoje acima comentada? Observe-se ainda que a atual revolução industrial é um fator tão forte que este determinado objetivo econômico poderá ser realizado até mesmo num Estado não necessariamente rodeado por países socialistas. Os problemas políticos relacionados a isso serão comentados mais adiante.Obviamente, a nacionalização ao menos da grande indústria, dos bancos e dos transportes de massa seria uma solução mais simples. Com isso estaria assentado o fundamento para a formação social socialista, e o excedente de bens produzidos passaria automaticamente para as mãos da sociedade e de seus organismos, sobretudo o Estado. Se os acontecimentos não seguirem este curso – e, a meu ver, não o seguirão nos países desenvolvidos – então isto será conseqüência dos efeitos negativos dos exemplos dos países do socialismo real, que não souberam nem resolver apropriadamente suas tarefas econômicas nem satisfazer as expectativas políticas relacionadas com o modelo ideal de sistema socialista. Consequentemente, funcionam como contrapropaganda sui generis quando se trata da capacidade do socialismo de resolver problemas que se apresentam atualmente nos países industrializados. A explicação deste fato exigiria uma digressão para se estudar a história da gênese e do desenvolvimento dos países do socialismo real, o que ultrapassaria o marco de nossas atuais reflexões. Pessoalmente estou convencido de que este obstáculo à resolução dos problemas que estamos estudando com base na formação econômica socialista da sociedade não faz senão adiar a aceitação do socialismo, e certamente apresentará um modelo diferente daquele que prevalece hoje nos países do socialismo real. Isto vale tanto para a base quanto, sobretudo, para a superestrutura daquelas sociedades.Neste caso, como definir a forma sistemática da sociedade futura, que não será nem capitalismo nem socialismo tais como os conhecemos até agora? Sugiro que se a denomine de sistema de economia coletivista, já que não me ocorre denominação melhor, embora esteja plenamente consciente da insuficiência da minha proposta. A denominação, de fato, é deliberadamente imprecisa e vaga, mas precisamente por isto permite abarcar as distintas variantes da solução proposta e as diversas quantificações de elementos que traz consigo: economia capitalista privada e economia social coletivista. Em minha opinião, esta é uma vantagem daquela denominação precisamente porque é assim que se apresentará a diferenciação de desenvolvimento nas várias condições. Ao mesmo tempo, a denominação que sugiro compreende o que caracteriza a grande mudança que a atual revolução industrial está produzindo: a infração do “sagrado” direito de propriedade em nome de interesses coletivos gerais. Esta infração se expressa numa nova e dinâmica distribuição de renda nacional em favor das classes sociais que não são proprietárias dos meios de produção.Mesmo no caso de este processo não eliminar por completo a propriedade privada e, consequentemente, deixar um amplo campo para a iniciativa privada – problema que o modelo de socialismo real não resolveu – ele é sem dúvida um passo importante no sentido de um socialismo e de um igualitarismo (relativo) interpretados em sentido amplo. (Cabe observar que o modelo chinês, de abertura econômica em uma sociedade politicamente fechada, talvez possa ser visto como uma resposta ao fracasso do modelo clássico do socialismo real).Esta é uma constatação importante, tanto mais que a evolução no sentido de um modelo de sociedade coletivista abarcaria não apenas as relações de propriedade, mas também as relações derivadas da produção e da distribuição dos bens, o que é uma conseqüência lógica das mudanças na esfera fundamental. Refiro-me à planificação econômica, talvez inclusive em escala mundial, se considerarmos as tendências integradoras da sociedade informática.Ao contrário da apar6encia, a planificação não é algo desconhecido do capitalismo nem alheio a ele. É algo que os organismos estatais fazem indiretamente, especialmente através de suas políticas financeiras e fiscais, mas também diretamente, através das encomendas do Estado às empresas privadas ou através da política econômica dos setores nacionalizados da economia, que são cada vez mais fortes em vários países (exemplos significativos são os casos da Áustria e da França). O estereótipo de um capitalismo de livre mercado deixou de ser válido há muito tempo. É verdade que alguns economistas – Milton Friedman, por exemplo – tendem a rechaçar a doutrina de Keynes, que praticamente pôs fim ao capitalismo de livre mercado, mas estas idéias não encontram confirmação na prática (basta lembrar as conseqüências catastróficas que experiências deste tipo provocaram na política econômica do Chile). O que provavelmente ocorrerá neste campo como resultado da atual revolução industrial pode ser visto como algo de qualitativamente novo. Se o Estado tiver de manter um exército de cidadãos estruturalmente desempregados, ele será forçado a intervir não só na nova distribuição da renda social, a fim de obter os meios financeiros necessários a esta operação, mas também no mercado de bens necessários à manutenção deste desempregados. Em outras palavras, terá também de influenciar a forma de produção e distribuição destes bens a fim de evitar que problemas financeiros transtornem o equilíbrio do mercado.As relações econômicas da sociedade formam um conjunto de elementos inter-relacionados, não no sentido de uma síndrome, mas no sentido de um sistema. O Estado terá de elaborar meios e métodos que permitam um controle da estabilidade geral deste sistema – deixando um amplo campo para a concorrência e a iniciativa privada – em que uma mudança importante na posição de um elemento provoca automaticamente mudanças correspondentes na posição de outros elementos.O fato de os autores do memorando a que me referi antes terem percebido claramente, e ressaltado o caráter novo desta situação, ainda que trabalhassem no mais poderoso dos Estados capitalistas, testemunha sua clarividência e a profundidade das análises que empreenderam. Em The Triple Revolution há uma passagem que diz: “o descobrimento histórico do período posterior à Segunda Guerra Mundial é que o destino econômico da nação pode ser dirigido... A essência desta direção é a planificação. O requisito democrático é a planificação a cargo de corporações públicas para o bem geral... O objetivo será a direção consciente e racional da vida econômica através das instituições planificadoras submetidas ao controle democrático”.Citei esta passagem – contrariando a minha intenção de evitar as citações e a erudição formal – não apenas por seu conteúdo, mas também, e principalmente, pelo fato de o documento em questão proceder dos Estados Unidos e por serem seus autores estranhos a uma orientação de esquerda. Não há dúvida de que a nova revolução industrial está repleta de implicações sociais e nos conduz a novos modos de formação econômica da sociedade. Para estas conseqüências acabamos aqui de chamar a atenção”.

(in, Schaff, Adam. A Sociedade Informática)