No desespero por se manter no poder e garantir o
emprego de milhares de apaniguados, o PT bate tambores, timbrando o mantra de
ser o impeachment um golpe e de não haver crime. Todavia bastariam as
denominadas “pedaladas fiscais” para verificar ter ocorrido um grave crime,
cujos danos são extremamente sentidos pelos mais pobres.
Há um comportamento reiterado de tratar o público
como se privado fosse, tendo-se por subproduto o surgimento de nova elite, a
elite da propina, de que é exemplo o ocupar, como milionário, sítio e tríplex
na praia recebidos como benesses pelas vantagens viabilizadas ao longo do
governo.
Esse o clima prevalecente nos detentores do poder,
que dele se assenhorearam para usufruir ao máximo, sem limites, os benefícios
de viver à tripla forra à custa do bem público.
Ora, é dentro desse espírito e desse clima de
fruição e manutenção do poder a qualquer custo que se adotou o expediente das
pedaladas fiscais. Não era possível que os governantes – presidente, ministro
da Fazenda, ministro do Planejamento, secretário do Tesouro Nacional – não
soubessem, não previssem, o desastre que estavam a brevemente causar à economia
do Brasil, e ao cotidiano de milhões de trabalhadores e milhares de empresários
da indústria e do comércio.
As pedaladas fiscais constituíram perigoso e
malicioso artifício por via do qual se realizaram operações de crédito – mútuos
entre o Tesouro Nacional e as instituições financeiras controladas pela União –
para pagamento de gastos primários, como Bolsa Família, seguro-desemprego,
subvenções do Programa Minha Casa, Minha Vida, diferença entre os juros
efetivos e os privilegiados cobrados pelo BNDES das grandes empresas.
Esses mútuos não foram meros adiantamentos, fluxo
de caixa, como pode ter ocorrido nos governos passados, por breve tempo e em
valores pequenos. Dizer isso é uma falácia. Acórdão do Tribunal de Contas da
União (TCU) considera impossível ver valores dessa magnitude, em ritmo
crescente, como mero fluxo de caixa entre banco e Tesouro. Ao ver do TCU,
tratava-se de empréstimo, e não mero atraso à beira do descontrole. Os níveis
efetivamente foram elevadíssimos.
E o que é pior: essa dívida não foi registrada no
Banco Central como passivo, enquanto as instituições financeiras as anotavam
como crédito. Tal omissão dolosa de registro de dívida constitui crime de
falsidade ideológica.
Construiu-se, deliberadamente, um saldo devedor
enorme, escondido dos agentes econômicos e da população, escamoteando a
existência de um débito fiscal que só aumentava como bola de neve e cuja
consequência foi a débâcle da nossa economia. É o que o economista Marcos
Fernandes da Silva denomina “populismo fiscal eleitoral”, pois, sem caixa, se
criaram dívidas escondidas, para aparentar falsamente saúde financeira
inexistente, dando sequência a medidas populares que sangravam o Tesouro, como
desonerações tributárias, redução dos preços de eletricidade, congelamento do
preço da gasolina, incentivo ao crédito consignado, montando um cenário
paradisíaco falso para ganhar eleições.
Ao longo de 2014 e até meados de 2015, em vez de
medidas corretivas dos erros econômicos e morais visíveis, o governo adotou a
manutenção dos vícios, servindo-se das “pedaladas fiscais” como meio
artificioso “para que os gastos não fossem devidamente computados nas contas
públicas visando a mascarar o déficit fiscal,” como acentua José Roberto
Afonso, um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, aos poucos foi
se desfazendo a ilusão de crescimento de 4% com inflação controlada. A
realidade era outra: destruíram um dos fundamentos da economia, o equilíbrio
fiscal, e sequestraram a esperança.
A economia havia desandado: para obter meios o
governo teve de disponibilizar títulos no mercado, que só os adquiria a juros
mais elevados, dando início ao processo inflacionário. O preço da luz e o da
gasolina tiveram de ser colocados em níveis reais, os investimentos
reduziram-se. O governo, sem plano de ação administrativa, via suas grandes
empresas encolherem, chafurdadas na mais impressionante corrupção.
Resultado: descrença no futuro como consequência da
desconfiança absoluta na presidente e no seu governo, que agora, às vésperas da
votação do impeachment, reincide nos pecados da desonestidade ao tentar cooptar
no varejo, por meios heterodoxos, deputados a seu favor.
Mas àqueles que, à míngua de argumentos, insistem
em dizer que não há crime cabe repetir tutelar-se a responsabilidade fiscal,
valioso bem da República, por via da incriminação constante do artigo 359 A do
Código Penal, e do artigo 10, n.º 9, na Lei 1.079/50, a lei do impeachment.
A Lei de Responsabilidade Fiscal edita no artigo 36
que é proibida operação de crédito da União com instituição financeira por ela
controlada. O artigo 359 A do Código Penal, introduzido pela Lei n.º
10.028/2001, edita que constitui delito, punido com reclusão de um a dois anos,
“ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem
prévia autorização legal”. Se a lei já proíbe nem poderia haver autorização.
Por sua vez, a Lei 1079/50, no item 9 do artigo 10,
introduzido pela mesma Lei 10.028, estatui ser crime de responsabilidade
“ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de crédito com
qualquer ente da Federação, inclusive suas entidades da administração
indireta”. Pena: perda do mandato.
Sábias essas disposições. E quem responde por esses
atos contra a lei orçamentária é a presidente, seus ministros e secretários. E
a presidente era unha e carne com o mentor da pedaladas fiscais, o secretário
do Tesouro Nacional, com quem se reunia costumeiramente.
Assim, há crime de responsabilidade, sim. Dizer o
contrário, feito papagaio, é querer dar o golpe de joão sem braço, fingir-se de
desentendida. Mude o disco, Dilma: não há golpe, há impeachment.