(Aloísio de Toledo César)
“Num
misto de cinismo e sabedoria, o florentino Nicolau Maquiavel pareceu avançar no
tempo quando, cinco séculos atrás, produziu algumas afirmações que parecem
ajustar-se a fatos da atualidade, como se tivessem sido escritas a respeito do
tempo presente. Isso já foi dito tantas vezes e realmente é o que acontece.
Entre
suas afirmações, sempre lembradas, está a de que a sorte controla metade do
nosso destino, mas permite que a gente controle a outra metade. Quem o lê fica
às vezes com a impressão de que ele se divertia com o que afirmava. Assim,
dizia, como a sorte é mulher, precisa apanhar bastante para aprender a
obedecer. E sempre insistia no pensamento de que é mesmo possível controlar uma
parte do nosso destino, ensinando a sorte a nos ajudar.
Maquiavel
dava como exemplo um rio caudaloso que, em sua fúria, avança de forma
incontrolada, inunda a superfície da terra e causa estragos que a força humana
não consegue impedir naqueles momentos. Mas, acrescentava, aos homens
cautelosos não é vedada, em termos de calmaria, a possibilidade de agir
preventivamente com a construção de diques e barragens. Com isso procurava
demonstrar que os incautos, os que confiam unicamente na sorte, acabarão
afogados pela inundação. Por isso seria necessário não perder de vista que a
fortuna é inconstante como uma mulher e, por ser mulher, é sempre mais amiga
dos jovens (o que é novo tem mesmo a finalidade de substituir o que é velho).
Não há
filosofia que não desabe diante de um prato de feijoada, mas, pensando nos dias
presentes e na campanha eleitoral em curso no Brasil, é curioso observar como a
sorte alcança de forma distinta as duas mulheres que se enfrentam na disputa, a
presidente Dilma Rousseff e a postulante Marina Silva.
Sim, a
lamentável e triste morte do candidato Eduardo Campos apresenta claros reflexos
na atuação política e eleitoral de ambas. Percebe-se claramente que a
presidente Dilma, por não ter enfrentado de forma adequada a impetuosidade dos
rios caudalosos que abalaram a economia do País, não tendo construído os
necessários diques e barragens, sofre um desgaste que não viveu quando da
campanha anterior. Naquele momento a sorte soprava a seu favor e a beneficiou
ao extremo, permitindo-lhe chegar à Presidência da República sem que antes
tivesse disputado uma eleição. Já no cargo, passada a euforia dos primeiros
meses, ela realmente não teve a cautela de produzir as modificações de que o
País necessitava.
Há uma
grande diferença entre a forma como se governa e a forma como se deve governar.
Agora, em plena campanha eleitoral, a candidata Dilma passou a falar na
necessidade de mudanças, e isso é verdadeiro, mas quem sabe se torne um pouco
inadequado para ela própria, porque grande parte dos seus eleitores, aqueles que
a apoiam, assim agem porque desejam que as coisas permaneçam da maneira com que
estão postas. As mudanças seriam coisa da elite branca e da grande imprensa,
sempre acusada de estar controlada por reacionários que não aceitam ver o povo
no poder.
Em razão
da ausência de vigor na promoção de mudanças - sobretudo na gestão pública, na
economia e no controle da corrupção, permitindo deixar como tudo está (afinal,
foi assim que se elegeu da primeira vez) -, é possível que a candidata Dilma
esteja agora vivendo uma insegurança que não esperava. É até mesmo admissível
que esteja um pouco assustada com a surpresa que o destino lhe preparou: a
morte de seu concorrente Eduardo Campos e o crescimento da posição de candidata
de Marina Silva.
Sim, a
sorte referida por Maquiavel, que influi no destino de cada um de nós, alcança
Dilma e Marina de formas diferentes. A candidata Marina Silva parecia até dias
atrás estar condenada a figurar na disputa eleitoral apenas na posição de vice,
nada mais. Por força do destino, que de nós levou tão cedo a juventude e o
talento de Eduardo Campos, a sua condição de acomodada candidata a
vice-presidente agora é outra, diante de uma possibilidade inesperada, que a
favorece em todos os sentidos.
Uma
enorme estrada se abre aos seus passos e, conforme promova a caminhada, poderá
surpreender a Nação e a ela mesma. Parece claro que a morte súbita de Eduardo
Campos produz forte impacto na população brasileira, tornando plausível a
presunção de que será capaz de apresentar efeitos no pleito presidencial.
Enfim, o
mesmo fato, que a sorte não foi capaz de prever, atinge diretamente as duas
candidatas. Não há dúvidas de que a comoção provocada pela morte do
pernambucano, tão chocante e tão sofrida, poderá influir nos votos tanto de uma
como de outra. É algo, enfim, capaz de alterar a posição dos três principais
candidatos à Presidência da República.
Curioso
lembrar o que dizia Magalhães Pinto, com a sua conhecida mineirice: "A
política é feita de fatos novos". De repente, no curso de uma caminhada, acontece
um fato inesperado e tudo o que estava feito parece desmanchar-se, como agora.
É
normal, portanto, que as pessoas se perguntem: na corrida sucessória, quem mais
se beneficia com o triste fim de Eduardo Campos? Talvez seja possível presumir
que Marina Silva seja a mais beneficiada, porque, afinal, mesmo sem o impulso
desse fato novo, na eleição passada teve votação expressiva de cerca de 20
milhões de votos.
Daqui
pra frente ela vai ter a sua figura humilde destacada perante os olhos das
pessoas que votam, com uma particularidade: trata-se da sua segunda candidatura
presidencial, agora impulsionada por um fato novo que ninguém esperava, muito
menos ela própria. Vamos ver se Marina será capaz de ajudar a sorte”.
Aloísio de Toledo César é desembargador aposentado do TJ de São Paulo.
E-mail: aloisio.parana@gmail.com.