Deixo Brasília com a sensação de que nada muito importante
acontecerá antes do carnaval. Mas a crise sempre pode surpreender. Muitos ainda
não sabem se vão receber a visita de Papai Noel ou do japonês da Federal. Mas a
verdade é que o cerco se está fechando sobre o PT e seus aliados.
A semana foi marcada por manifestações contra o impeachment.
Foram menores que as outras. E os analistas se apressaram a concluir que o
governo respira. O interessante é que há uma sensação de alívio nesta frase: o
governo respira. O pensamento político brasileiro se estreitou. Respirar apenas
passa a ser uma qualidade do governo.
Governos existem para resolver problemas atuais e encaminhar
soluções futuras. As previsões de queda do PIB aproximam-se de 4% em 2015.
Somadas às crises política, ambiental e sanitária, é preciso ser um analista
panglossiano para achar tranquilidade nesta frase: o governo respira.
Um pouco escondido pelos
empurrões e cotoveladas no Congresso, o cerco policial continua a fechar-se em
várias frentes. Duas novas investigações avançam. Uma delas é sobre a
transposição do Rio São Francisco, megaobra muito combatida na sua origem. A
Polícia Federal encontrou indícios de desvios de R$ 200 milhões em apenas dois
trechos da obra. Há mais uma dezena deles.
A escolha da transposição nasceu mais da vontade de Lula de se
inscrever na História do que do próprio exame das alternativas. A Agência
Nacional de Águas (ANA) produziu um estudo sobre a região e um projeto bem mais
barato de cisternas e melhoria da distribuição água. Independentemente da
escolha, a verdade é que estão roubando o dinheiro que matará a sede das
pessoas, dos animais e irrigará as plantações numa das áreas mais pobres do
Brasil.
Outra frente: investigações na Hemobrás. Em Pernambuco
produziram o espetáculo dantesco de maços de notas voando pela janela. Somente
os médicos parecem ter-se dado conta da gravidade e lançaram uma nota cobrando
transparência na Hemobrás.
Estão roubando a água e o sangue de populações pobres. Quem se
apresenta para defender isso em nome da causa, da esquerda ou do diabo a
quatro?
O governo respira. O que inalam seus pulmões comprometidos? A
Polícia Federal apresentou um manuscrito de José Carlos Bumlai, o amigo de
Lula. O título é:2010, o
Ano Dourado.
As cifras dos negócios de Bumlai estão lá. BNDES, Petrobrás,
milhões pra cá, milhões pra lá, a página amarelada em que Bumlai contabiliza os
ganhos do ano é uma peça histórica, se examinada no contexto de um empresário
que tinha entrada livre no Planalto.
Outro anel do cerco foi a
revelação das contas da Agência Pepper, que atende ao PT. Transferências
diretas da Andrade Gutierrez para a Pepper foram registradas: R$ 6,8 milhões no
ano em que a agência cuidava da conta de Dilma nas redes sociais. De outra
empreiteira, a Queiroz Galvão, a Pepper recebia grana numa conta da Suíça.
O governo respira os gases envenenados da corrupção que emanam a
cada investida da Polícia Federal, a cada novo documento revelado.
Os que veem com tranquilidade o governo num balão de oxigênio
deveriam calcular um pouco melhor a quantidade do gás e o tamanho do percurso.
E enfrentar a questão crucial: no horizonte de outro ano depressivo, com os
problemas se agravando, um governo que apenas respira é um obstáculo. O ato de
respirar, que hoje parece uma qualidade, pode tornar-se um lamento: apenas
respira, coitado.
Leio e, às vezes, entrevisto pessoas contrárias ao impeachment.
Na maioria são afirmações de respeito ao resultado das eleições. Quase não
tenho visto argumentos demonstrando que Dilma tem capacidade de conduzir o País
para fora da crise. Poucas pessoas acreditam nisso. Talvez nem a própria Dilma
acredite. O governo não atrai quase ninguém para sua esfera. Seu principal
esforço é evitar que o grande aliado, o PMDB, o abandone.
A falta de credibilidade, os impasses no Parlamento, tudo
contribuiu, por exemplo, para que o mercado se animasse com a possibilidade da
queda de Dilma. Nem todas as posições do mercado são racionais. Num caso
arrastado como esse, tiveram tempo de avaliar e parecem ter concluído que com
Dilma não dá.
Apesar dos tumultos na Câmara,
a semana revelou forte tendência pelo impeachment, com a vitória da chapa da
oposição para conduzir o processo. Uma visão temerosa conduziu ao voto secreto.
Minha impressão é que mesmo com voto aberto o resultado seria animador. O que
importam alguns votos a menos, se isso é um processo?
Para os teóricos do balão de oxigênio, os deputados e senadores
podem ter-se impressionado com a queda das manifestações. Francamente, o que
decidiria agora uma grande manifestação? Os parlamentares vão para o recesso.
Uma parte deles viaja, outra fica aqui, no Brasil: a influência cotidiana dos
eleitores será muito mais forte.
Alguns observadores acham eles que voltarão com a faca nos
dentes. Não sei se tanto. Com um palito não voltarão.
Independentemente das surpresas
que dezembro ainda nos possa trazer, caminhamos para um novo ano sem resolver
as questões essenciais da crise.
Um olhar externo ao Brasil diria que a performance nacional foi
débil. O ponto culminante da crise foi o pedido do impeachment. Não importa o
que o Supremo decida, é uma realidade no calendário do ano que vem.
Por ironia, um pedido aceito por Eduardo Cunha, uma das pessoas
que não sabem se vão receber o Papai Noel ou o japonês da Federal.
Mas o calendário independe de Cunha. O processo vai rolar num
clima de inflação, desemprego galopante, desastres ambientais e epidemias.
Alguns passam até em branco, como o incêndio que destrói parte da Chapada
Diamantina.
As nossas colunas avançadas que observam o Palácio do Planalto
continuarão dizendo da porta do gabinete presidencial: ainda respira. E nós,
por acaso, ainda respiramos?