Em 17 de junho de 2013, cerca de 2 milhões de brasileiros protestaram
nas ruas contra o status quo. Em 15 de março deste ano, cidadãos em
número similar queixaram-se de Dilma, Lula e do PT deles. Em 12 de abril, 660
mil. Em 16 de agosto, 790 mil. Neste domingo, 73 mil exigiram impeachment,
cassação, deposição ou renúncia da presidente Dilma Rousseff. O povo está se
calando? Ou já se cansou de berrar o óbvio, à toa?
Para entender o esvaziamento progressivo das ruas este ano convém,
primeiro, ouvir o que dizia quem saiu de casa e relatar como a elite política
dirigente do País lhe respondeu. Em 2013, o Movimento Passe Livre (MPL)
convocou protestos contra o aumento de tarifas de transporte urbano e evoluiu
para reivindicar a gratuidade. A multidão aproveitou para exigir direitos que a
Constituição garante e os três Poderes da República lhe negam: segurança
pública, saúde e educação, principalmente.
Quem, em sã consciência, garante que o povo foi atendido? Fingindo só
ter percebido o pedido de dispensa de R$ 0,20, governadores, entre eles o
paulista Geraldo Alckmin, do PSDB, e prefeitos de grandes cidades, incluído o
paulistano Fernando Haddad, do PT, adiaram o aumento, fingindo que assim
eliminariam a causa da revolta. Mitigariam a ira popular por R$ 0,20 a cabeça?
Ledo e Ivo engano, dir-se-ia na minha adolescência em Campina Grande,
quando grande parte dos adolescentes sabia ler. O PT no poder, sob a égide de
Dilma Rousseff, fez ouvidos surdos ao clamor e prometeu Constituinte exclusiva
para reforma política, com financiamento das milionárias campanhas eleitorais
dos políticos pelo suado dinheirinho escasso do cidadão. Mera embromation, diz-se
na pré-adolescência de meu neto. E a oposição prometeu dar o que o povo pedia e
o governo não atendia. Só que não contou como. Um ano e meio depois, Dilma e o
PT venceram Aécio e o PSDB. Se o pleito foi fraudado, como muitos desconfiam,
ninguém na rua jamais saberá, pois é impossível recontar votos.
O que qualquer cidadão que protestou contra gregos e baianos no inverno
de 2013 e contra o 13 petista nas quatro estações no primeiro ano do segundo
desgoverno Dilma viu foi tudo piorar muito nestes 30 meses. Inocentes morrem em
tiroteios nos bairros pobres de grandes cidades em maior número do que antes. E
a saúde pública, totalmente sucateada, não honra seu patrono, Oswaldo Cruz, que
expulsou o Aedes aegypti, transmissor da febre amarela, destes tristes
trópicos há cem anos. Mas este voltou para ficar em pleno século 21,
transmitindo dengue, zika e chikungunya antes mesmo de o ovo virar inseto,
segundo explicação da douta presidenta no ápice de sua sesquipedal ignorância
sobre todos e tudo.
O símbolo da educação desbaratada são sem-teto organizados, black blocs
alucinados e partidecos de extrema esquerda sem eleitores que, beneficiados
pelo aparelhamento generalizado dos Poderes republicanos, invadem escolas
públicas no Estado mais rico da Federação. Enquanto o governo tucano brinca de
fechar e reabrir escolas ao sabor da queda nos índices de popularidade
Essa explicação não é única. Há outra, além da falta de líderes à altura
da crise, do curto prazo da organização e da proximidade das festas de fim de
ano: é que todos concordam quanto ao diagnóstico da situação, mas falta
consenso sobre o que fazer para lhe dar o xeque-mate. A solução para a crise,
ulula o óbvio (apud Nelson Rodrigues), será tirar de Dilma qualquer poder.
Todos sabem que ela condescendeu com a metástase do câncer moral que nos
assola, erigiu tijolo por tijolo a ruína econômica, como o faz na transposição
do Véio Chico, e afagou a fera política com as garras da arrogância e da
ignorância que formam sua personalidade. E é incapaz de debelá-las pelas mesmas
deficiências próprias que as produziram: como poderá liderar a conciliação se
não convive em paz sequer com o seu vice?
A carta de desamor de Michel Temer a Dilma é criticada por explicitar o
fisiologismo reinante no presidencialismo de coalizão, que vira de colisão – o
caso no momento. Nunca antes na História tantas queixas pessoais exibiram com
tanta crueza as mazelas deste sistema que \joga o público na privada.
Três processos dentro dos conformes do Estado Democrático de Direito se
propõem a remover o obstáculo à pacificação nacional e à entrega da
administração a gestores com QI de mais de dois dígitos. Impeachment, ação no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) investigando uso de propina no financiamento
da campanha presidencial e votação no Congresso da violação explícita da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que a presidente jurou cumprir, não são lana caprina.
Mas talvez nem a divulgação pelo Valor Econômico de
documento obtido por Leandra Peres, revelando o que os “juristas” vassalos do
Planalto não conseguirão provar que ela “jura” que não sabia, tenha o condão de
evitar que 5.600 trabalhadores percam o emprego no Brasil diariamente sob o
jugo de uma chefe de governo que tem provado diuturna, noturna e madrugadurnamente
não saber de nada em geral.
A Nação suporta o Legislativo contaminado por presidentes da Câmara e do
Senado investigados por corrupção milionária. E a oposição muda ao capricho do
vento, só que na direção contrária, não sendo alternativa de poder e só gemendo
no muro das lamentações.
Tardando a enquadrar os maganões, a Procuradoria-Geral da República
(PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF) negam à cidadania o tratamento igual
dado pelo juiz Sergio Moro, pela PF e pelo MPF na Lava Jato, que processam
ricos e pobres sem distinção. Ao distinguir quem tem mandato de quem não tem,
PGR e STF tornam letra morta a igualdade de todos perante a lei. Nesta
democracia capenga, em que uns são mais iguais que outros e não se ouve o
cidadão, é o caso de trocar o Hino Nacional pela canção do Ultraje a Rigor:
“Inútil! A gente somos inútil!”.
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