quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A vaca tossiu



Dona Dilma é, realmente, um fenômeno. Sem nunca ter lido Dante, segue-lhe inconscientemente os conselhos na maior tranquilidade ("muita promessa e pouco atendimento", recomendava Guido de Montefeltri ao papa Bonifácio VIII, em pérfido conselho). Prepara-se, agora, para lançar sobre os trabalhadores e homens comuns a conta da farra previdenciária. Com um sindicalismo desavergonhado e submisso, tornado parceiro dos grandes negócios com os empreiteiros e o capital financeiro, dificilmente haverá contestação às medidas recém adotadas pela madame. 

Se os tucanos não fossem tão parecidos com os petistas, seria a hora de fazer avançar a verdadeira reforma da previdência no Brasil. Por exemplo, propor a unificação dos diferentes regimes (geral, federal, estaduais e municipais). Acabar, definitivamente, com os privilégios, como as aposentadorias especiais, que garantem a parlamentares, magistrados, altos burocratas do executivo, judiciário e legislativo um modo de vida sem comparação com outros lugares do mundo. Jogadores de truco sabem qual a resposta ao desafio recebido: retrucam dando seis na cara dos blefadores.

Se a vaca tossiu, que ela acabe ficando louca. O Brasil talvez se salve com a metamorfose.  

domingo, 28 de dezembro de 2014

Um gesto pode mudar o mundo (Vittorio Medioli)

(Publicado no jornal  O TEMPO, EM 28/12/14)


"Devido ao engarrafamento, desviamos por um bairro de Contagem. Uma mulher de 50 anos, com seus 20 kg a mais, rodopia o braço e arremessa o saco de lixo, além do arame farpado, num lote vazio.

Sem pudor algum. Sem ao menos deixar nosso carro passar. Atitude que já tomou infinitas vezes. O local onde o embrulho aterrissa já é coberto de entulhos e imundices depositados ali por livre escolha de seres que ainda não fazem jus ao atributo de humanos.

No bairro existe coleta municipal de lixo, não se explica, assim, a escolha de despejar a esmo o que poderia ser levado sem custo para o aterro sanitário.

O gesto da mulher se volta como bumerangue sobre ela. Ela já perdeu seus encantos exteriores apesar de ser mais moça que Sharon Stone. Ela é o retrato traçado por Schopenhauer da fêmea que perdeu os atributos da atração.

Como explica o cabalista Eliphas Levi, “a beleza exterior da mulher é um reflexo de sua virtude interior”. Bem por isso as megeras ficam precocemente enrugadas, lábios finos, impróprios para beijar. Já as cinderelas são angelicais. Umas preparam venenos e jogam sacos de lixos, outras sabem cultivar flores.

A atitude antissocial é bastante comum, já que canteiros e espaços baldios em nossa Minas Gerais são devastados pelo lixo. Disso se explica a relação sutil com biótipos deformados.

Nada a ver com Katrina Kaif, do filme indiano “Te Amarei até Morrer” (passará no Cinemax, canal 678, no dia 31, às 10h35).

Além de contaminar o meio ambiente, desperdiçam-se materiais recicláveis e geram-se focos de dengue e doenças. O aviltamento visual provoca mais perda de autoestima dos moradores, já que o ambiente, de certa forma, não merece respeito: “Eu, que moro neste local, também não mereço respeito”. Já uma personalidade holística vai além de seu bairro e de sua cidade e pensa: “O que posso fazer para criar um mundo melhor...?”

O indivíduo é castigado pela degradação do ambiente, passa a conviver com a decomposição, baratas, ratos e insetos peçonhentos.

Voltamos a quem arremessou o saco de lixo, uma personalidade obtusa. Ela nasce da falta de regras de convivência civilizada, que a faz pensar que se livrou do lixo, sem entender que mais incômodos voltarão a ela. Planta ainda em seus filhos a semente da negatividade, ensina a desrespeitar e a subtrair dos outros uma vida melhor.

Escrevo um dia após o Natal, aguardando o surgimento de um Ano-Novo. De um mundo, ultimamente aviltado pela semeadura de males, que possa ser melhor. E alguém jogaria a pergunta: “Você se arrepende de quê?” Do que fiz, voltaria a fazer quase tudo, mas procuraria plantar mais árvores perfumadas, como o neem indiano, ou a doce graviola no meu pomar.

Confesso que, quando olho para uma árvore que plantei, sinto satisfação, “fui eu”. Árvore é uma filha. Passando, olho as minhas árvores e me deixo olhar, ficando em paz.

Algumas segurei com os dedos, minúsculas sementes, outras vi como mudas. Todas inteligentes. Basta reparar que crescem mais e melhor nos locais em que as pessoas as apreciam. Devolvem o agradecimento com a seiva, as flores, os frutos e a sombra.

O jacarandá que plantei no jardim custou a vingar. Ficou enorme. A nossa relação começou num hotel há 15 anos, e hoje ameaça com suas raízes arrebentar o corredor de casa.

A relação começou numa tarde ensolarada de março de 1999, na piscina do hotel Taj Mahal, da cadeia de Donald Trump, em Katmandu, no Nepal. As sementes caíam, entre elas escolhi dez. Embrulhei em papel laminado, tirado de um abandonado estojo de cigarros. Trouxe na mala até aqui. Dessas escolhi cinco, que plantei num canteiro de areia à frente do meu escritório. Todas brotaram. Quatro plantei em lugares inconvenientes, e acabaram sendo arrancadas. As demais cinco sementes eu perdi.

Esse jacarandá entrou na minha vida e decidi agora tirar 200 sementes, que pretendo germinar e plantar às margens da via de acesso de uma fazenda, deixando ali uma longa alameda. Sonho assim, numa próxima primavera, passar sob a sombra e me encher de alegria. Imagino ainda as pessoas se encantando com a chuva de flores violeta, agradecendo a quem as plantou. A imaginação faz voar. Suas sementes espalhando-se e dando árvores gigantescas em toda a América. Florestas de jacarandás. E, se isso vier a se realizar, foi por ter me levantado da cadeira, recolhendo em Katmandu aquela minúscula semente.

Existe em nós o potencial da felicidade e do castigo. Livres no arbítrio. E, se quiser um Ano-Novo melhor, como desejo a todos, “aproveite para plantar árvores, em qualquer lugar, elas e o mundo nunca esquecerão o gesto de quem as plantou”.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Por que as ditaduras duram tanto? (Leandro Narloch)

"Os líderes da Coreia do Norte parecem ter saído de um filme de comédia ou ficção científica, mesmo assim estão tranquilos no poder do país há 66 anos. Em Cuba, não há perspectiva de democracia mesmo se houver reformas econômicas e fim do embargo. Por que ditaduras, mesmo as mais patéticas e improducentes, são tão duradouras?
A resposta mais comum mira na capacidade do ditador de aterrorizar dissidentes ou ameaçá-los com retaliações econômicas. Norte-coreanos suspeitos de conspiração são logo executados; opositores cubanos perdem privilégios (como o emprego na universidade ou a vaga num ponto de táxi) e ganham cargos insalubres no interior do país.
Um artigo da última edição do Journal of Public Choice dá mais uma explicação – e uma explicação curiosa. Revoluções contra regimes tiranos são raras por causa do problema de ação coletiva, o mesmo fenômeno que facilita a pesca excessiva nos oceanos ou que leva moradores de condomínios com conta coletiva de água a gastarem mais.
O problema clássico da ação coletiva consiste no seguinte: diante de bens coletivos, as pessoas nem sempre agem individualmente como seria melhor para elas coletivamente.
Para os pescadores, é melhor que todos deixem de pescar durante a desova, de modo que o bem público (os cardumes) seja preservado. Individualmente, porém, é mais vantajoso pescar a qualquer hora contanto que os demais não pesquem no período de desova. Se a maior parte dos pescadores cooperar, os cardumes serão preservados também para o Gerson que pescou quando não deveria.
Do mesmo modo, para evitar sustos na conta de água do condomínio, é bom que a maior parte dos moradores economize. No entanto, se um morador passar uma hora no banho enquanto os outros se limitarem a 5 minutos, no fim do mês ele pagará a mesma parcela da conta de água que os vizinhos.
Os bens públicos costumam ser “não excludentes” – o benefício que eles fornecem é dividido entre todos os cidadãos, inclusive aqueles que não contribuíram. Por isso há pouco incentivo para cada indivíduo cooperar. Sem garantia da participação dos outros, pouca gente coopera. O resultado é a “tragédia dos comuns”. Todos pescam demais, e os peixes acabam. Todos gastam muita água, e os dígitos proliferam na conta do condomínio.
A revolução contra uma ditadura também é um bem público – e sofre do mesmo problema. Coletivamente, seria melhor se todos os cidadãos sob um regime opressor se revoltassem. Individualmente, porém, é mais vantajoso ficar em casa assistindo Sessão da Tarde enquanto os outros cidadãos arriscam a vida no movimento rebelde.

Se a revolução fracassar, quem ficou em casa não correu o risco de vida ou de retaliação econômica. Se a revolução for vitoriosa, o benefício que ela trouxer será dividido entre todos os cidadãos – inclusive aqueles que permaneceram no sofá. Como um incentivo desses, ninguém se revolta. O bem público – a revolução – desaparece. E a ditadura continua.
Para o economista alemão Thomas Apolte, autor do estudo, a tirania, a miséria ou a desigualdade social de um país não são incentivos suficientes para a queda de ditaduras. “É a estrutura dos mecanismos de comprometimento que é decisiva para explicar revoluções”, diz ele.
A análise das revoluções a partir da teoria dos jogos não é nova. Num artigo de 1971, Gordon Tullock, um dos grandes economistas do último século, chegou a afirmar que boa parte da literatura sobre revoluções precisa ser revista. Historiadores e jornalistas que escreveram sobre o assunto, diz ele, se concentraram demais na situação de um país antes da queda do regime. Mas isso, para Tullock, é pouco relevante se comparado ao balanço entre recompensas e castigos privados dos potenciais revolucionários. “Revolução é assunto de uma literatura elaborada e volumosa e, se eu estiver certo, toda essa literatura está errada”, diz ele.
Uma vítima fácil da teoria dos jogos é a ideia marxista de luta de classes. Ao acreditar que grupos ou classes agem como indivíduos, Marx caiu na falácia de composição – o erro de acreditar que o todo tem a mesma propriedade que a parte. Para a tristeza de cubanos e norte-coreanos, indivíduos nem sempre agem como seria bom para o grupo ao qual pertencem."

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Onde está a ABIN?

O anúncio de Dilma de que iria consultar o MP antes de dar sequência à reforma ministerial gerou críticas do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.  Por meio do Twitter, Joaquim Barbosa afirmou: "Que degradação institucional! Nossa presidente vai consultar órgão de persecução criminal antes de nomear um membro do seu governo!!!". O ministro aposentado também acrescentou que o Ministério Público não tem a função de assessorar o poder político.

As considerações do ex-ministro apontam para uma obviedade indiscutível. O Palácio do Planalto tem à sua disposição a famosa ABIN - Agência Brasileira de Inteligência; é simplesmente ridículo a dita presidente da república querer, agora, a opinião do Ministério Público nas nomeações para cargos de confiança do governo federal. Aliás, causa espanto que a ABIN não tenha informado as autoridades sobre a lambança que vem sendo praticada nos últimos doze anos, e não somente na Petrobrás. Ou, ao contrário, terá informado, sim, porém ninguém deu bola para os espiões palacianos? 

Francamente, uma roubalheira tão institucionalizada e ninguém sabia nada a respeito? A destruição do tecido social (os fatos e suas implicações só faltam gritar de tão evidentes), não nos colocariam frente a uma questão de segurança nacional? A subversão, que tanto preocupava os militares de outrora, levando-os aos desatinos que conhecemos, não é de natureza ideológica; a subversão de verdade é a corrupção.  

PS: Atualizando o comentário. O jornalista Elio Gaspari publicou em sua coluna semanal, um dia após esta postagem, a mesma perplexidade a respeito da ABIN. Se o serviço federal de inteligência e informação é incapaz de detectar as coisas que ocorrem na superfície, descaradamente, teria ele condições de investigar o que se passa nos subterrâneos? Mais espantoso, ainda, é a não divulgação do futuro responsável pela Agência. Um presidente da república sério fundamentaria sua ação política tendo como base uma estrutura tão vital como a de segurança, informação e inteligência. Deveria ter sido o primeiro ministro a ser escolhido.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Alguns sinais de existência do mundo (Fernando Gabeira)

(Artigo publicado no jornal ESTADO DE SÃO PAULO, em 19 de dezembro de 2014)


“O mundo e o Brasil mudaram com a globalização. Tanto discutimos isso, todavia não prevíamos como as mudanças no mundo iriam influenciar a trajetória da corrupção no Brasil. Tratados internacionais novas leis domésticas, o panorama mudou.

De duas empresas europeias, Siemens e SBM, vieram dados sobre a corrupção na venda de trens e plataformas marinhas; de uma empresa americana, Dallas Airmotive, dados sobre a corrupção de oficiais da FAB e do governo de Roraima. A Suíça recebeu procuradores brasileiros que rastreiam parte da grana do petrolão. Colabora muito mais do que antes, nos tempos em que se fechava em copas para tranquilizar as grandes fortunas estrangeiras. Nos EUA investigam-se a Petrobrás e a compra de Pasadena, que não passa e não passará incólume às lentes americanas.

O Brasil mudou. Ampliaram-se as ferramentas de investigação, e-mails são recuperados, câmeras estão por toda parte, ampliou-se a troca de informações com o mundo, tudo isso é um sinal de que a corrupção endêmica no País não é eterna, como pensam alguns. O universo petista parece ignorar essas mudanças: embora sempre afirme que as investigações cresceram com o governo, o que cresceu foi a autonomia da Polícia Federal, muitas vezes esquecida.

Lembro-me de uma demonstração de policiais federais em Brasília. Estavam nas ruas porque queriam produzir mais e havia uma queda nas investigações. Isso foi no fim de 2013.

Uma prova de que o PT não compreendeu essas mudanças foi o relatório do deputado Marco Maia afirmando que Pasadena foi um bom negócio.
"Vocês querem bacalhau?", perguntava o Chacrinha. Tome macarrão, responde o governo, instituindo o Dia do Macarrão.

Como é possível afirmar que Pasadena foi um bom negócio? Ainda mais num momento em que a Operação Lavo Jato rastreia propinas recebidas por intermediários brasileiros. Diante dessas evidências, só restaria aos defensores da compra de Pasadena, que nos deu um prejuízo de cerca de US$ 700 milhões, afirmar: foi um negócio tão bom que até nossos corruptos ganharam algum dinheiro.

Não há o que argumentar diante de tanto cinismo. O governo arruinou a Petrobrás, reduzindo em R$ 600 bilhões o seu valor, de 2008 até agora.
Vi pátios de equipamentos ociosos no Sul e leio agora que unidade de nafta, de R$ 32 milhões, será perdida no Rio. É superfaturada e antieconômica.

Quando é que Dilma vai sentar à mesa e dar o balanço desse vendaval? Revelações de uma alta funcionária mostram que o esquema de corrupção era antigo e os diretores foram dele informados. O governo pretende atravessar essa tormenta com o mesmo time que permitiu o processo de saque na Petrobrás. E diante de uma conjuntura internacional com baixos preços do óleo, o que reduz a competitividade do pré-sal.

Apesar da dimensão gigantesca do escândalo na Petrobrás, o que vazou até agora indica irregularidades em vários campos: dos fundos de pensão às hidrelétricas, de aeroportos ao BNDES. O contexto é de crise econômica, mas esses fatores morais não se limitam à política. A própria credibilidade internacional do Brasil está em jogo. O que devem pensar os americanos diante de um deputado que disse que Pasadena foi um bom negócio? O próprio barão belga que nos vendeu a refinaria deve ter reagido com uma gargalhada.

O governo conta historinhas aqui e ignora o mundo. Pena que a oposição também ignore. Numa articulação com parlamentares europeus e americanos poderia saber mais, perguntar mais.

O esquecimento do mundo é daqueles fatores que entristecem no Brasil de hoje. Dilma aniquilou a diplomacia presidencial e parece querer aniquilar a própria diplomacia, subestimando um núcleo de profissionais competentes.

Talvez nosso papel não seja tão importante como se supôs. Entre superestimar o próprio papel e simplesmente sair de cena há uma diferença, que não tem peso eleitoral, mas vai produzir suas consequências.

Não importa que governo e oposição ignorem o mundo. Ele sempre nos vai chegar, sobretudo nesse movimento que força as grandes empresas a se reconciliarem com a lei e a sociedade. Os dados vêm de fora, brotam aqui dentro, nada mais vai deter o processo de transparência que a própria tecnologia potencializa.

O PT e seus aliados deveriam ler Fim de Jogo, de Samuel Beckett, no trecho em que o personagem diz: "Acabou, Clov, acabamos". Não é possível assaltar as estatais para financiar campanhas e enriquecer. Um ramo sofisticado caiu por terra na Petrobrás. Outros cairão.

Não sei o que virá adiante. Suspeito que criem o dia da maionese. Lula elaborou a palavra de ordem ao PT: cabeça erguida. Melhor seria bunda na parede. Não vão soterrar esse turbilhão de dados com historinhas como a de Marco Maia e sua CPI. Se depois de arruinar a Petrobrás o PT escolheu a cabeça erguida, confirma um pouco minhas suspeitas: depois dos punhos erguidos no mensalão, cabeça erguida no petrolão.

Quanta autoestima! Enrolam-se na Bandeira do Brasil, arrasam a maior empresa pública, comprometem a credibilidade internacional e acham que está tudo bem, exceto para uma elite mal-humorada e articulistas de direita.

O governo vive um bloqueio do tamanho do petrolão. Não tem outro caminho futuro exceto explicar suas responsabilidades. Até o momento, está dando velhas respostas para novas perguntas.

Com o braço numa tipoia azul, Marco Maia parecia vir de um combate físico com as próprias evidências da corrupção. Pasadena foi um bom negócio, parecia dizer, sofremos algumas escoriações, mas está tudo bem. Boa imagem de fim de ano para quem acredita em Papai Noel. Ou para quem desconfia que os combatentes estão chegando à exaustão ante os fatos.

P.S.: Este artigo estava pronto quando Marco Maia voltou atrás sobre Pasadena”

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Roda Viva

O excelente programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, apresentou na última segunda feira uma entrevista com o professor Modesto Carvalhosa. O ilustre jurista trouxe a debate a legislação existente no Brasil (e em outros lugares) para combater a corrupção. O caso da Petrobrás, evidentemente, esteve no centro das considerações de todos os participantes. Vale a pena assistir. O vídeo está disponível no youtube.

O professor Modesto Carvalhosa chamou a atenção para o obsequioso silêncio da OAB, da CNBB e outras entidades a respeito dos escândalos continuados que avassalam a administração pública brasileira. Mais espantoso, no entanto, é o silêncio da Academia. As universidades brasileiras - ao menos aquelas que podem assim ser denominadas, em vista da vasta picaretagem no setor - comportam-se como se nada de mais estivesse acontecendo. Elas estão preocupadas, aí sim, de forma cabal, é com disputas ideológicas subalternas. Incivilidades costumeiras como injúrias trocadas por adultos, ou mesmo, explicitação de preconceitos variados em momentos de conflito, transformam-se em causas maiores a merecer os cuidados de reitores pusilânimes e omissos, isso quando não são cúmplices de práticas que em nada diferem das estripulias da facinorosa turma da Petrobrás e outras entidades públicas.  

Equivocam-se os que pensam ser a clientela da bolsa família a maior responsável pela continuidade do regime petista. Há setores amplos das classes médias tributárias do emprego público muito mais responsáveis pela tragédia Dilma, que os frágeis e miseravelmente pobres habitantes das periferias urbanas e rurais. O espírito bolseiro também se espraia nas instituições escolares mais respeitáveis, este é um fato. É o dinheiro, estúpido, diria aquele marqueteiro americano! Quem quer dinheiro? Quem quer dinheiro... Aliás, tal indagação revela a notável compreensão da cobiça universal por parte do maior especialista brasileiro em alma humana, o animador dos domingos Silvio Santos. Todos no auditório levantam avidamente as mãos ao ouvir a crua e sarcástica pergunta, loucos para pegar no ar um aviãozinho feito com nota de R$50 e lançado ao léu.

O espantoso nas universidades é a submissão, a aceitação voluntária da canga sobre o pescoço. Não o fazem por um reles pão com mortadela e um copo de tubaína, é claro, pois tão ilustres mestres não se deixam vender por tão pouco. Afinal, não auferem seu jabá provindo do Ministério do Desenvolvimento Social. Suas bolsas, isentas de imposto de renda, são tributárias do MEC, onde inumeráveis comissões companheiras fatiam e repartem para os acoelhados o capilé que lhes dará um refresco ao final do mês.

O formidável bloco acadêmico junta-se, então, ao bloco das Suas Excelências, docilmente aquarteladas na OAB à espera de uma boquinha extraída do quinto constitucional, e às Suas Eminências Reverendíssimas, mais preocupadas com as pastorais da guerra, que em questionar as extorsões que os publicanos governistas não se cansam de praticar contra os incautos que os sustentam. Será sempre educativo relembrar para os pósteros a caravana da vergonha, composta de dezenas de magníficos reitores, em beija mão subserviente no palácio do Planalto, hipotecando baboso apoio e voto à então candidata oficial à presidência da república.

Frase do ano (Claudio Tognolli)

“É IMPOSSÍVEL ESCREVER CORRUPTO SEM PT”.
 E não apenas em Português! Se não, vejamos:

Albanês - korruPTuar
Alemão - korru PT
Catalão - corru PTe
Dinamarquês - korru PTe
Espanhol - corru PTo
Esperanto - koru PTi
Galês - corru PTo
Haitiano Creole - corru PT
Holandês - corru PT
Húngaro - korru PT
Inglês - corru PT
Islandês - s Pill T
Latim - corru PT
Norueguês - corru PT
Romeno - coru PT
Sueco - corru PT
 Obs:-   PT : colaborando para a correta composição de 'CORRUPTO' em 17 ou mais idiomas, um recorde!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Destruição criativa (artigo de Rodrigo Constantino)




“O capitalismo sem bancarrota é como cristianismo sem inferno.” (Frank Borman)


No capitalismo, empresas são criadas ou fechadas de acordo com a demanda do mercado, isto é, dos consumidores. Empreendedores arriscam suas idéias e capital em um produto ou serviço ainda não testado, e a sua aceitação por parte do público é que viabiliza ou não a sobrevivência da empresa. Este é um processo dinâmico, competitivo, e que garante o melhor atendimento ao consumidor, pois seu direito de escolha é a maior arma no mercado livre. Qualquer alternativa a este modelo representa a transferência do poder do consumidor para burocratas do governo. O que se segue é invariavelmente maior corrupção e ineficiência.

Em Capitalism, Socialism and Democracy, Joseph Schumpeter tratou do tema em um dos capítulos. Ele afirma que o ponto essencial ao lidar com o capitalismo é compreender que se está lidando com um processo evolucionário. O capitalismo é, por natureza, um método de mudança econômica e jamais pode ser estacionário. O impulso fundamental que mantém a máquina capitalista em ação vem dos bens novos, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados ou das novas formas de organização industrial que as empresas capitalistas criam.


Há uma constante revolução de dentro da estrutura econômica, destruindo a velha ordem e criando uma nova. “Esse processo de destruição criativa é o fato essencial sobre o capitalismo”, diz Schumpeter. Ele achava, entretanto, que esse processo poderia ter fim algum dia, e que o sucesso do capitalismo plantaria as sementes de seu fracasso, levando ao socialismo. A história vem provando, porém, que o economista austríaco estava errado nesse aspecto.

O Estado “bem-feitor” julga que seus governantes são seres iluminados e clarividentes, além de totalmente íntegros, e irão portanto defender os interesses do “povo” contra a competição predatória do capitalismo. Nada mais longe da realidade. Quando o governo interfere na livre competição, as trocas passam a ser de favores, não produtos. O que pode salvar ou matar uma empresa passa a ser a caneta do burocrata poderoso, não a satisfação do público. Logo, agradar esse burocrata passa a ser mais importante que agradar os consumidores. Empresas passam a gastar milhões com lobistas, desviando energia e recursos que poderiam estar voltados para a melhoria dos produtos. Quando o governo é o “hospital” das empresas problemáticas, o que temos é uma “socialização” dos prejuízos, distribuídos entre os pagadores de impostos, enquanto lucros ficam retidos para os empresários amigos do Estado.

Tudo isso é muito lógico, mas ainda assim inúmeras pessoas defendem tal modelo prejudicial aos próprios consumidores e pagadores de impostos. Por trás dessa contradição, encontra-se falta de conhecimento sobre os fatos, assim como um romantismo “nacionalista”, que pede proteção aos empresários locais contra a “fúria” do capitalismo global. Como se o local no mapa onde o empresário nasceu tivesse alguma ligação com o que é benéfico ou não para o usuário do produto!



Essas pessoas acabam contribuindo para a perpetuação das oligarquias nacionais, impedindo que o melhor e mais barato chegue aos consumidores. Para salvar poucos empresários que estão com problemas justamente por não estarem entregando o que o cliente deseja em custo e benefício, pedem medidas que prejudicam ainda mais esses clientes. Querem a “proteção” contra os avanços tecnológicos e acabam prejudicando todos os consumidores.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Nós sufocamos os homens (Camille Paglia)

(Entrevista concedida a Mariana Barros e publicada na revista VEJA - março/2014)


"A escritora americana diz que a prevalência dos valores femininos nas casas, nas escolas e nos governos “apagou” a masculinidade do mapa e deixou os homens perdidos
As mulheres ganharam. Ou, pelo menos, a maneira feminina de encarar o mundo vem levando a melhor – e isso não é necessariamente bom, diz Camille Paglia. Para ela, a valorização das características associadas às mulheres emparedou os homens e fez com que certas virtudes masculinas caíssem perigosamente em desuso.
Em entrevista a VEJA, a autora de Personas Sexuais mostra que, aos 66 anos, continua sendo uma fervorosa dissidente do feminismo ortodoxo dos anos 60. Segundo ela, ao priorizarem o sucesso profissional, as mulheres da sua geração deram “de cara com a parede” – e em breve verão que as felizes de verdade não são as ricas e bem-sucedidas, mas as que, em vez de correr atrás do sucesso, se dedicaram a construir grandes famílias.
As mulheres venceram?
Nosso mundo político e econômico certamente não é regido pelas mulheres. Os homens ainda são maioria, talvez porque seja mais fácil para eles trabalhar harmoniosamente em equipe.
As mulheres, porém, reinam nos domínios emocional e psicológico. Valores femininos como cooperação, sensibilidade e compromisso hoje são promovidos em todas as escolas públicas dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Fico preocupada com isso. Não é responsabilidade escolar moldar ou influenciar o caráter dos alunos. Então, sim, há uma vitória feminina no sistema de educação, e é por isso que tantos meninos se sentem sufocados ou presos nesse ambiente governado por mulheres.
Essa constatação veio da sua experiência de ser mãe de um menino?
(Camille adotou Lucien, hoje com 11 anos.) A maternidade apenas confirmou minhas opiniões. Nos meus trabalhos, sempre parti de uma observação social, e não de teorias criadas a priori. Ser mãe me permitiu outras descobertas, entre elas a existência de uma rede de mulheres com enorme poder de organização e capacidade de administrar o próprio tempo.
Mas os homens estão mais frágeis?
A masculinidade tradicional está numa encruzilhada. O que os homens podem ser? Como eles podem se diferenciar das mulheres?
Alguns não veem problema em receber ordens delas. Mas, para outros, é como se a masculinidade tivesse sido apagada, como se eles tivessem perdido sua posição dentro da família. Sentem-se sufocados e precisam estar com outros homens.
Aí entram a pornografia, os clubes de strip-tease, os esportes: é quando os homens escapam para o mundo deles.
Chutar uma bola no meio do campo é muito revigorante e bom para escapar das mulheres.

Em outras palavras, elas fazem com que eles se sintam errados o tempo todo?
Sim! Em uma palavra: sim! Houve um tempo em que homens faziam coisas que as mulheres não podiam fazer. Então, ninguém questionava se eles “eram homens” ou não.
Eu lembro que, em casa, depois do jantar, os homens ficavam na sala, falavam de carro, assistiam a algum esporte na TV. Enquanto isso, as mulheres conversavam arrumando a cozinha. Hoje, elas querem que o homem seja igual à mulher. Querem falar com ele do mesmo jeito que conversam com as amigas.
Isso é com os gays! Os gays conversam por horas, fofocam, falam sobre a vida pessoal… Os héteros não. Eles não querem aprofundar-se nos sentimentos.
Há um grande desentendimento no casamento moderno porque mulheres e homens não têm tanto em comum assim. Quando nasce uma criança, então, o homem é marginalizado. Pode escolher entre escapar de casa e ser apenas mais um dos planetas orbitando ao redor do “Sol”.
Famílias de classe média são basicamente ambientes femininos. Tudo é bom e gentil, e os homens têm de mudar seu comportamento para se encaixar nelas.
As mulheres pedem a eles que sejam o que não são e, quando eles se tornam o que não são, elas não os querem mais. “Ah, meu marido é meu terceiro filho, é meu bebê.”
Ouvimos isso o tempo todo.
O problema número 1 é que as mulheres não estão receptivas aos homens.
Elas precisam ouvi-los. O feminismo é duro demais com eles.
Ao longo do tempo, as mulheres incorporaram alguns atributos masculinos. Diz-se frequentemente que agora é hora de eles incorporarem atributos femininos. A senhora não concorda?
Não. No que diz respeito aos governos ocidentais, por exemplo, a tendência é agirem no estilo “estado-babá”, cheios de complacência e cuidados, atributos associados ao universo feminino. Só que isso está incapacitando as nações de ficar seriamente em alerta contra as ameaças do terrorismo, por exemplo. As sociedades ocidentais são ingênuas e complacentes ao imaginar que todo mundo é naturalmente benevolente.
Várias grandes civilizações entraram em colapso por se apresentar vulneráveis. A compaixão e a sensibilidade femininas são virtudes positivas, mas as maiores conquistas nas áreas de cultura e tecnologia ainda requerem certos traços masculinos, bem como planejar a defesa de uma sociedade sob ameaça de ataque.
Essa “lacuna” explicaria o fato de existirem poucas mulheres no poder?
O líder de uma nação tem de ter diferentes atributos. Precisa saber compor, comandar, controlar os nervos – precisa combinar qualidades masculinas e femininas. Falta às mulheres uma educação voltada a desenvolver visões de longo prazo, capacidade de decisão, pensamento militar.
Essa história de ser carinhosa e ter compaixão já está resolvida – vamos parar de falar disso. O que não é valorizado como deveria é a capacidade de decisão. E, do jeito que as mulheres são educadas, não vejo como essa mudança pode acontecer. Por exemplo: liderar uma nação significa cuidar também de suas questões militares. Isso requer um tipo de personalidade firme e assertiva. Por isso, em vez de estudarem questões de gênero, as mulheres que querem ascender politicamente deveriam estudar história militar e economia.
Não é fixando proporções – “as mulheres têm de representar 50% dos legisladores” – que produziremos lideranças. O Brasil não tem a mesma obsessão pela questão militar que os Estados Unidos, por isso vocês têm uma mulher presidente.
Como a senhora avalia uma eventual candidatura de Hillary Clinton à Presidência em 2016?
Hillary Clinton é completamente incompetente. Em tudo o que fez, não obteve êxito. Seu currículo segue em branco, sem nenhuma grande conquista, exceto ter se casado com Bill Clinton. É incrível como temos poucas candidatas. Sempre achei que a senadora democrata Dianne Feinstein, da Califórnia, deveria ter tentado concorrer à Presidência, e não Hillary Clinton.
O que precisamos aprender é como exercer a liderança e nos comunicar com as pessoas sem que nos sintamos diminuídas, da maneira como a Hillary Clinton faz. Ela é estridente, irritante, sempre sorrindo, sorrindo, sorrindo. E é mal-humorada, tola – o oposto do que queremos de um líder. Continuar a impulsioná-la vai atrasar a evolução feminina em décadas.

Quais as perspectivas femininas para as próximas décadas?
Eu vejo um mundo muito instável à frente, tanto política como economicamente. Acho que essa maneira de encarar as coisas baseada em gêneros está errada. É como se as mulheres tivessem respostas para tudo. E, se não estão felizes, a culpa é dos homens.
Temos de olhar para a natureza da vida moderna, para o nosso isolamento psicológico, para essa quebra da família tradicional, transformada em pequenos núcleos. Tudo isso resulta em ansiedade.
As mulheres sentem que têm de ser essas pessoas bem-sucedidas, tudo na vida delas tem de estar relacionado com o poder feminino, com “encarar obstáculos”. É um modo de vida muito estressante.
E ainda há a questão não resolvida de como conciliar carreira e vida pessoal. Por que isso continua a ser um sofrimento?
O feminismo cometeu o engano de tentar reduzir a vida feminina às conquistas profissionais. Uma coisa é exigir que se retirem as barreiras para o avanço social das mulheres e que se ofereçam a elas oportunidades, promoções, salário etc. Outra é supor que essas conquistas suprirão as demandas da vida pessoal – não suprirão.
Questões pessoais são de uma natureza diferente das profissionais: têm a ver com sexo, procriação e viver a vida. Essas feministas anglo-americanas dos anos 60 têm uma visão mecânica do que é viver. Há ainda um grande problema com o sistema de carreira moderno.
O modo de progredir profissionalmente faz com que seja difícil para elas lidar com os homens em pé de igualdade. A mulher precisa ter uma vida dupla: ser ambiciosa e dominadora no escritório, mas adaptar-se em casa para ser sexualmente desejada e emocionalmente carinhosa.
Minha prioridade sempre foi esta: temos de parar de culpar os homens e começar a olhar o sistema e as mudanças ocorridas no trabalho e nos lares no último século.
Quais seriam as transformações mais significativas?
Uma das que mais merecem atenção é o isolamento feminino. As pessoas amam ter privacidade, ter sua própria casa. O resultado disso é uma quantidade tremenda de trabalho doméstico que recai sobre as mulheres e do qual elas têm de dar conta sem a ajuda de outras mulheres.
Não muito tempo atrás, as pessoas viviam em uma espécie de tribo, em que umas olhavam pelas outras. Minha mãe se lembra disso em sua infância na Itália. As mulheres reuniam-se, pegavam suas crianças e iam lavar roupa nas pedras. Havia uma comunidade de mulheres, uma vida social construída a partir dessas atividades.
Hoje estamos muito felizes com as nossas máquinas de lavar e secar, mas o que isso significa? Isolamento total! A mulher está isolada, desconectada do mundo feminino. Quando você é parte de um grupo, você sabe quem você é, não precisa ir descobrir.
Recentemente, a senhora foi criticada por declarar que as mulheres deveriam pensar melhor no que vestem para não ficar tão vulneráveis. O que quis dizer?
Eu apoio totalmente as mulheres que se vestem de maneira sexy. Mas quem faz isso tem de compreender que sinais está enviando. Quando disse isso, estava me referindo às garotas americanas brancas de classe alta, que frequentaram as melhores universidades e terão os melhores empregos. Elas usam roupas sexy, mas seu corpo está morto, sua mente está morta. Elas nem entendem o que estão vestindo.
Por que esse diagnóstico se restringe às americanas?
Mulheres na Itália, França, Espanha, Brasil e outros países da América do Sul comunicam melhor sua sexualidade, estão mais confortáveis com seu corpo. Afro-ame­ricanas também sabem fazer isso. Mas as mulheres americanas brancas que estão cursando as melhores universidades… oh! Bom, você deve se lembrar de Sex and the City. Elas são espertas e ambiciosas, mas vivem uma situação em que fazem sexo com uma incrível quantidade de homens e de repente é o homem quem escolhe com quem vai ficar e quando é a hora de casar. E, quando resolvem casar, querem as de 20 anos. É muito difícil. Antigamente não se fazia sexo antes de casar. Mas hoje… as mulheres são tediosas.


Tediosas?
Quando eu vou a Nova York vejo essas mulheres nas ruas: bem cuidadas, lindas, bem-sucedidas, graduadas em Harvard, Yale e… tediosas! Te-di-o-sas. Não têm nenhuma mística erótica. Acho que o número de homens gays vem aumentando porque os homens são mais interessantes do que as mulheres.
Onde elas deveriam buscar a felicidade?
Bem, achar que as mulheres profissionalmente bem-sucedidas são o ponto máximo da raça humana é ridículo. Vejo tantas delas sem filhos porque acreditaram que podiam ter tudo: ser bem-sucedidas e mães aos 40 anos. Minha geração inteira deu de cara com a parede. Quando chegarmos aos 70, 80 anos, acredito que a felicidade não estará com as ricas e poderosas, mas com as mulheres de classe média que conseguiram produzir grandes famílias."

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Paulo Francis e a Petrobrás

Paulo Francis foi um dos maiores intelectuais brasileiros. Extremamento inteligente e bem informado (e bem formado, também), era um polemista temível e respeitado, especialmente no papel de jornalista, figurino que vestiu na maior parte de sua vida.

Foi processado pela Petrobrás nos Estados Unidos. Em virtude da condenação recebida (derivada de crimes contra a honra que teria praticado contra  os dirigentes daquela multinacional), entrou em tão elevado nível de angústia, conforme relatos dos que conviviam com ele, que sofreu um infarto fulminante que resultou em sua morte.

Paulo Francis foi condenado, pela Justiça americana, a pagar a indenização de U$100 milhões de dólares aos dirigentes da Petrobrás que ele teria ofendido, difamado e caluniado. 

E qual foi a calúnia perpetrada contra tais figurões que os deixou tão ofendidos na sua honorabilidade? Foi dizer que havia um tal nível de corrupção na cúpula dirigente, que suas contas secretas na Suiça se mediam em alguns milhões de dólares. Doce ilusão do quase sempre bem informado jornalista. O capilé é muito mais robusto.

Pois bem, um dos capos da quadrilha que assaltou a Petrobrás nos últimos anos - somente ele, mero estafeta de 4° escalão - confessou tudo e se prontificou a devolver quase U$100 milhões, frutos de propina diligentemente acumulada. Quanto não terão levado os de nível mais elevado? E não se diga que o problema está nas indicações políticas de estranhos ao ninho para as diretorias da empresa. Todos, ou praticamente todos os diretores, provém dos funcionários de carreira da mastodôntica criatura. A Petrobrás, pelo que se vê, não pertence ao povo brasileiro. Ela é, de fato, uma empresa privada dos funcionários da Petrobrás. 

O Brasil está a ver por quais razões os "patriotas" não querem nem pensar num processo honesto de privatização da Petrossauro, como a chamava outro sábio, o ex-embaixador Roberto Campos. Nenhuma empresa privada se deixaria saquear dessa maneira, como fizeram, e fazem, os que controlam seus cofres: uma verdadeira casa da mãe Joana. Ou mãe Graça, ou mãe Dilma, como queiram. Metaforicamente, é parte de seu DNA institucional.

A Petrobrás, entre suas incontáveis dívidas, tem a de pedir perdão à memória de Paulo Francis. Fizeram com ele uma cafagestada digna dos mais truculentos beleguins da ditadura militar. Uma empresa privada séria jamais aceitaria indicação, para qualquer cargo, advinda de gente da estirpe de Severino Cavalcanti (que reivindicava outrora a famosa e estratégica diretoria "que fura poços"). A Petrobrás, porém, aceitou; enfeitou-se com dirigentes dignos de uma multinacional cucaracha, ao estilo bolivariano da petrolífera Venezuelana.     

Auditoria independente e corrupção

O ex-blog de Cesar Maia faz importantes reparos quanto às responsabilidades pelos sucessivos escândalos envolvendo as estatais. É o caso dos auditores independentes que fiscalizam os balanços de tais empresas. Seguem abaixo os comentários do ex-prefeito do Rio de Janeiro, publicados hoje, 24 de novembro de 2014.

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"LAVA JATO: E OS “AUDITORES INDEPENDENTES” NÃO TÊM NADA A DIZER? NÃO TÊM RESPONSABILIDADE?
            
1. A operação Lava Jato cobre um período de nove anos. São nove anos de balanços e demonstrações contábeis-financeiras da Petrobras, auditadas por empresas privadas de auditoria. Empresas têm dois sistemas de controle: um interno –da própria empresa- e outro externo –de empresas de auditoria independentes. No caso de empresas estatais federais, a CGU –do governo federal- pode fazer sua própria auditoria externa. E tem feito.
            
2. No entanto, por mais que a CGU se empenhe nesses levantamentos, não tem os instrumentos e o pessoal para cobrir a rotina de uma megaempresa como a Petrobras. O Controle Interno da empresa e os Auditores de seus balanços atuam com seus auditores de forma permanente, diuturnamente. Têm muito mais condições de identificar desvios.
            
3. Especialmente um mega-desvio como esse da Petrobras, que já está classificado entre os dez maiores de todos os tempos envolvendo governos. Só agora, na publicação do balanço do terceiro trimestre, é que os auditores independentes se declararam não inteiramente informados e não quiseram assinar o balanço desse trimestre. E antes. Estava tudo normal?
            
4. É claro que as empresas de auditoria independente devem ser chamadas a depor e comprovar por que não tinham como detectar os escândalos na Petrobras. Ou..., serem responsabilizadas como em outros casos em que grandes empresas de auditoria tiveram que fechar ao serem responsabilizadas por omissão em suas auditorias externas. Quantas e quais foram as ressalvas apresentadas pelos auditores independentes da Petrobras?
            
5. Lembremos –apenas como exemplos- dois casos importantes e recentes:
        
5.1. Arthur Andersen. No início dos anos 2000, a Arthur Andersen era uma das “Big Five”, o grupo das cinco grandes empresas de auditoria financeira do mundo. A tradição da Andersen, fundada em 1913, no entanto, não evitou sua ruína. A empresa foi tragada pelo escândalo financeiro da distribuidora de energia Enron, da qual ela era auditora. O caso Enron foi o mais emblemático na série de escândalos financeiros que assolaram os EUA no começo da década. Sob a esteira desses episódios, foi criada a Lei Sarbanes-Oxley, nascida para tentar coibir fraudes contábeis.
        
5.2. Lehman Brothers. A empresa Ernst & Young, responsável pela auditoria da empresa deu parecer sem reservas. Até que ponto deve-se responsabilizar a auditoria, e os gestores da empresa? O trabalho demonstra que houve de fato uma gestão fraudulenta e a empresa de auditoria nada detectou, ficando demonstrado ao final a responsabilidade da Ernst & Young no caso, trazendo mais uma vez a questão da independência dos auditores. O Lehman Brothers era o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos – e o mais antigo. Fundado em 1850, mas não conseguiu passar incólume pela crise financeira internacional de 2008. A quebra do banco foi o momento mais emblemático das turbulências: o dia 15 de setembro de 2008, quando o Lehman pediu concordata, é considerado o marco zero da mais recente crise financeira global". 

domingo, 23 de novembro de 2014

A Lei Anticorrupção aqui e agora (Professor Modesto Carvalhosa)

(Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO de 22 Novembro de 2014)

"Extraordinário é o momento histórico que estamos vivendo com o implacável desenrolar da Operação Lava Jato, que tem exibido a fratura exposta da corrupção no seio do poder público em concurso com empreiteiras e fornecedoras, por meio da mãe de todas as virtudes - a Petrobrás. Essas medidas muito se assemelham às da Operação Mãos Limpas, realizada na Itália nos anos 90 do século passado, que dizimou, mediante o instrumento da delação premiada, núcleos seculares da máfia incrustados no governo, no Legislativo e no Judiciário, a ponto do seu primeiro-ministro, muito prestigiado na Europa, Giulio Andreotti - até ele - ter-se envolvido por décadas com a Cosa Nostra.

Entre nós, essa torrente de "malfeitos" que somam, mediante superfaturamento, dezenas de bilhões de reais provocam manobras diversionistas do governo, das empreiteiras implicadas e da própria Petrobrás, tentando, todas elas, evitar a aplicação da Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em fins de janeiro deste ano.

A propósito, as empreiteiras estão dizendo que a Lei Anticorrupção não está em vigor, por faltar a sua regulamentação. Trata-se de uma falácia, pois o seu artigo 31 determina: "Esta Lei entrara em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação" - que se deu em 1.º de agosto de 2013. Portanto, está vigendo desde 1.º de fevereiro do corrente ano de 2014. A regulamentação restringe-se a um simples parágrafo do artigo 7.º, que trata de critérios a serem estabelecidos pela Controladoria-Geral da União (CGU) que poderão ser adotadas pelas empresas que quiserem instituir o regime de compliance, que não é obrigatório e apenas serve para, eventualmente, atenuar as penas advindas do processo penal-administrativo.

Outro argumento é que a Lei Anticorrupção não seria aplicável à Petrobrás e às empreiteiras envolvidas, pois a sua vigência é posterior aos fatos levantados na Operação Lava Jato. Nada mais enganoso. Os contratos firmados com a estatal estão em plena vigência e execução e são eles o instrumento utilizado para a prática do delito de corrupção, ao longo do tempo, na medida em que não foram, em nenhum momento, cancelados ou mesmo suspensos, apesar das recomendações veementes do Tribunal de Contas da União (TCU).

Da parte do governo temos declaração do vice-presidente da República, do presidente do Tribunal de Contas e do líder parlamentar do PT, que em seminário recente, afirmaram não poderem a Petrobrás, as empreiteiras e as fornecedoras ser processadas pela Lei Anticorrupção porque se não o País para (sic). Tais declarações desses ilustres próceres ensejam desde logo crime de responsabilidade, pois incitam a prevaricação dos agentes públicos encarregados de instaurar os processos administrativos contra as empresas superfaturadoras e a estatal, sob a alegação que são elas grandes demais para ser imputadas. Pasmem!

Não obstante tais "recomendações", devem, imediatamente, a CGU e o TCU requisitar cópia integral dos autos ao juízo federal do Paraná - como já o fez e obteve a própria Petrobrás - para, logo em seguida, se instaurarem os processos penal-administrativos contra as pessoas jurídicas implicadas.
Nesses processos administrativos, as empreiteiras e as fornecedoras vão se apresentar como vítimas... de si mesmas. Isso porque o monstruoso produto dos superfaturamentos resultantes dos contratos e aditivos fraudados são por elas embolsados, restando para os parlamentares, partidos, membros do Executivo, diretores da estatal e intermediários uma parte desse mega-assalto aos cofres públicos, via estatal. Anote-se que as propinas pagas aos múltiplos beneficiários do crime saíram diretamente dos cofres das empreiteiras e das fornecedoras.

Cabe à CGU, na pessoa de seu ministro-chefe, instaurar os processos administrativos contra as empreiteiras e as fornecedoras, que, de acordo com a Lei Anticorrupção, respondem autonomamente pelos delitos corruptivos, independentemente das pessoas físicas envolvidas na operação criminosa. São elas que usufruem a quase totalidade desse mesmo superfaturamento e pagam, de seu caixa, as propinas. E o crime de corrupção caracteriza-se pelos contratos fraudados em pleno vigor e execução, estando, por isso, plenamente abrangidos pela Lei Anticorrupção.

Quanto à Petrobrás, compete a abertura do processo penal-administrativo ao TCU, por sua Secretaria de Controle Externo de Estatais (SCEE), à qual cabem as representações necessárias à imputação dos delitos de corrupção praticados pelas empresas controladas pelo governo. São, portanto, esses dois órgãos da administração federal que deverão, agora, processar as empresas corruptoras e a Petrobrás. Esta última é que fez e faz a triangulação do sistema de corrupção: superfatura os contratos, paga esse superfaturamento às empreiteiras e fornecedoras e estas repassam uma parte do produto do butim aos políticos, aos partidos, aos intermediários e aos diretores da outrora respeitável estatal.

Se a CGU e a SCEE do Tribunal de Contas fizerem corpo mole e não ingressarem - como sugerem o vice-presidente, o presidente do próprio TCU e o líder do PT - com as ações penal-administrativas contra a Petrobrás e as pessoas jurídicas empreiteiras e fornecedoras, serão processados criminal, administrativa e civilmente na pessoa de seus titulares - o ministro-chefe da CGU e o presidente do TCU, conforme estabelece a própria Lei Anticorrupção.

Nessa hipótese de prevaricação instigada, caberá - sempre conforme a Lei Anticorrupção - ao Ministério Público, por delegação legal, assumir o processo penal-administrativo contra a estatal e a grande "famiglia", simpaticamente chamada de "clube" por seus "capi-regimes".
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O autor é jurista e autor, dentre outros, do livro "CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI ANTICORRUPÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS", editado pela Ed. Revista dos Tribunais.