Eu vos
escrevo do passado. Hoje é o dia D de Dilma. Como terá sido o discurso de Dilma
no Senado? Bem, fazer ‘mea culpa’, nem pensar. Eu a entendo. Ninguém sai na rua
ou vai ao Senado para bater no peito e dizer: “Eu sou um(a) incompetente, eu
sou responsável pela quebra do País!”. Tudo bem, mas a autocrítica era um
hábito recorrente durante aquele ex-socialismo que ainda viceja nas cabeças
petistas. Lembro-me da hilariante autocrítica de um alto dirigente chinês
durante a Revolução Cultural: “Eu sou um cão imperialista, eu sou o verme dos
arrozais!...”.
E, como estou no domingo passado, me pergunto: como terá sido o
discurso? Sem dúvida, Dilma falou com sinceridade total (não é ironia), falou
de sua alma revolucionária.
O discurso de Dilma é para ela
mesma. Para se convencer fundamente de que não cometeu erro algum. Vocês já
viram. Eu imagino: “Começo dizendo que minha
consciência está em paz. Quando entrei em 2010, o Brasil estava ameaçado por
ideologias reacionárias: a social-democracia, neoliberalismo, mas eu restaurei
o essencial: a luta contra o imperialismo norte-americano, contra a
desnacionalização de nossas riquezas, contra essa sociedade de empresários
irresponsáveis e também contra o lucro.
Fiz o fundamental: coloquei o Estado no
topo, no centro de tudo, pois de lá emana a verdade para essa sociedade de
ignorantes, essa classe média reacionária, como bem acusou nossa filosofa. O
Brasil é tão frágil que só um grande Estado provedor pode proteger as massas
nas lutas sociais, que elas nem sabem que estão travando; mas eu sei, porque
nós somos a consciência do povo.
Sou acusada de ter dilapidado as
contas do País, rompendo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rompi, sim. Pois eu
tive orgulho de usar o Estado e seu tesouro acumulado para estimular o consumo
tão ansiado pelos pobres-diabos, sim, mesmo que os cofres públicos tenham
ficado vazios para investir.
Populismo? Eu chamo de catequese, conquista de
adeptos para o grande futuro que virá! Gasto público é vida! Eu não podia ficar
aprisionada naquela leizinha de responsabilidade neoliberal que o FHC inventou.
Fiz isso, sim, porque meus fins justificavam esse meio; o fim era garantir
apoio para próximas eleições do nosso PT, para ficarmos no poder desse país
alienado, até a chegada do futuro socialista.
Eu fiz tudo certo. Distribuí cargos sem fim, dei verbas gordas
para seus currais, nobres senadores. Fiz isso porque sei que, às vezes, é
preciso praticar o mal para atingir o bem. Será que o Maquiavel disse
isso?
Eu sabia de tudo, eu sabia que a
compra da refinaria de Pasadena ia ser um rombo pavoroso, confesso, mas como
conseguir dinheiro para minha reeleição sem propinas? Propinas de esquerda, é
claro. Por isso, fiz vista grossa, sim, quando aquele Cerveró me entregou uma
página solta, com uma piscadinha do olhinho vesgo.
Tenho orgulho de tudo que fiz.
Menti na campanha, dizendo que não ia ter comida no prato do povo, menti nos
bilhões que arranquei dos bancos para esconder o déficit público. Mas foram
mentiras que chamo de ‘corrupção revolucionária’. Ahh, esse meu povo, tão
ignorante, desvalido. A miséria me fazia feliz. Explico: denunciar a miséria
era um alívio para minha consciência.
Desculpem a emoção (chora), mas há uma
pureza doce na miséria que me comove muito (lágrimas). Mas, nós do PT, somos os
sujeitos da História e, apesar de vossa injustiça contra nós, vamos construir o
paraíso social.
Meus fins uniram o País. Sim, uni
vocês até mesmo contra mim, porque confundiram minha sutileza ideológica com
incompetência, acharam que eu errava, sem saber que meu acerto era no futuro.
Nunca errei. Não me arrependo de nada. Houve corrupção? Sim, mas adstrita a
alguns elementos desonestos, que traíram nossa missão. Dizem que roubamos; não,
a palavra não é essa – é apenas a ‘desapropriação’ de um tesouro comprometido
com metas neoliberais... isso é que fizemos.
É muito difícil desenvolver esse
país de merda, desculpem o termo. Por isso, temos de destruir o capitalismo por
dentro, já que não dá mais pé uma revolução russa. Mesmo uma avacalhação é mais
revolucionária – seria uma espécie de ‘esculhambação criativa’ para arrasar
administrações de direita.
Foi isso que fez nosso líder
Chávez, assassinado pelos imperialistas, que lhe injetaram câncer no corpo, e,
depois que ele virou passarinho, passaram a roubar até os alimentos do povo,
botando a culpa em nossos irmãos bolivarianos.
Nosso povo também não sabe se
governar. Por isso, digo, democracia clássica como? Para nós, ‘democracia’
sempre foi uma estratégia para tomada do poder. E não era hipocrisia; era
dialética histórica. Tínhamos de apoiar a democracia burguesa para depois fazer
o centralismo democrático, que tanto usou nosso grande irmão Stalin,
injustiçado por aqueles dois fascistas Kruchev e Gorbachev.
Eu sou inocente, pura, não tenho
dinheiro na Suíça e toda minha paixão lancinante pelo povo brasileiro foi
confundida com desonestidade e incompetência. As massas ainda vão sentir a
minha falta, debaixo de um governo neoliberal que só pensa em
contabilidade.
Vocês hoje me baniram, mas vão se
arrepender no futuro, pois o Brasil nasceu torto e nunca será consertado nem
por Temer nem por ninguém.
Arrependei-vos, fariseus do
templo, pois, como disse a querida Gleisi Hoffmann: esse Senado não tem moral
para me julgar.
Estou sofrendo um golpe. Sim, não
adiantam rituais, votações; repito, sim, que é golpe tramado por essas
instituições de direita, como o STF, o Congresso, o Ministério Público, a OAB,
a Polícia Federal.
Estou orgulhosa de mim. Como
Getúlio, saio da presidência para entrar na História. E, para terminar, cito o
líder maoista João Pedro Stédile, quando disse aos camponeses: ‘Tenham filhos –
eles conhecerão o socialismo!’. E eu acrescento: Seus filhos vão respeitar
minha imagem no futuro. Adeus!”
Estou no passado, amigos leitores, mas deve ter
sido algo mais ou menos assim. Que acham?