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Charleston: orando pelas vítimas |
“Na quinta-feira cedo, ao vivo na rádio
Jovem Pan, com a minha cautela habitual, eu não quis precipitar conclusões
sobre a chacina na histórica igreja metodista episcopal Emanuel em Charleston,
na Carolina do Sul. Os sinais eram de motivação racista, mas nunca me esqueço de Oklahoma City, em 19 de abril de 1995, quando a primeira
especulação era de um atentado do terror islâmico e se revelou que fora obra de
Timothy McVeigh, um extremista de direita.
O suspeito preso é o jovem Dylann
Roof, de 21 anos, dado a exibir emblemas de supremacistas brancos. De um lado,
acompanhei a história ao longo de quinta-feira com incredulidade. Qual é a
desse garoto? Por que ele matou uma senhora de 87 anos em uma igreja? E por que
o pai lhe deu uma arma de presente no seu aniversário de 21 anos em abril?
Não vou nem listar aqui os suspeitos habituais (os motivos) que podem ter
levado este garoto a fazer o que fez. Como ele chegou a tal estágio de matar
pessoas meramente por elas serem negras?
De outro lado, não há tantas surpresas em
Charleston. A chacina de nove pessoas se insere no histórico de violência
racista contra igrejas negras nos EUA. Americanos aprendem na escola sobre 15
de setembro de 1963, a tragédia na igreja da rua 16 em Birmingham, no estado de
Alabama quando a bomba dos terroristas da Ku Klux Klan matou quatro meninas.
Martin Luther King disse: “Elas morreram entre os muros sagrados da Igreja de
Deus e elas estavam discutindo o significado eterno do amor”. Na quinta-feira,
o presidente Barack Obama disse que a igreja Emanuel tem um “lugar
sagrado” na história de Charleston.
As vítimas na igreja morreram enquanto
estudavam a Bíblia. Martin Luther King falou na igreja Emanuel em 1962 em uma
exortação para que os fiéis votassem. E desde então, negros votam nos EUA, como
não podiam, especialmente no sul do país, e um negro está na presidência. No
entanto, temos ainda este racismo residual no país. O ataque contra a igreja
Emanuel mostra como locais de orações para gerações são alvos preferenciais de
racistas.
Igrejas negras sofreram ao longo do
movimento dos direitos civis nos anos 50 e 60, como acontecera um século antes.
A própria igreja Emanuel foi incendiada por supremacistas brancos depois que um
negro alforriado, Denmark Vesey, um dos seus fundadores, liderou uma revolta
contra a escravidão em 1822. Vesey e mais 34 amotinados foram sumariamente
julgados e enforcados.
A igreja Emanuel foi destruída e banida ao
longo de sua história. Nestes dias, a nação americana expressa solidariedade a
seus fiéis com o que aconteceu na noite de quarta-feira. A Carolina do Sul tem
um prontuário racista e a bandeira da Confederação (dos estados do sul na
guerra civil) ainda tremula na sua assembleia legislativa, mas sua governadora,
a republicana Nikki Haley, é de família originária da Índia. Há 50 anos, seria
inconcebível que ela liderasse o estado. Há esta tragédia em Charleston, mas
avanços; há Barack Obama e Nikki Haley, mas há os números.
Nas estatísticas mais recentes, o FBI
identificou 3.563 vítimas de crimes de ódio racialmente motivados em 2013.
Negros representaram 66% das vítimas do total, enquanto 21% eram brancos, 4,6%
asiáticos e 4.5% índios. Vale lembrar que a maioria destes crimes de ódio não
foram fatais. E ataques contra igrejas negras, especialmente na Carolina do
Sul, não fazem parte do passado remoto. Nos anos 90, foi uma onda de bombas
incendiárias. Obviamente o que aconteceu em Charleston vai além e tem
similaridade com o ataque de 2012, quando um supremacista branco matou seis
pessoas em um templo sikh no estado de Wisconsin.
Em templos, igrejas, mesquitas e sinagogas é
hora de preces pelas vítimas de Charleston. E para quem não acredita em Deus
nem segue religião, é hora de solidariedade”.