sábado, 20 de junho de 2015

Entre os muros sagrados da Igreja de Deus (Caio Blinder)

Charleston: orando pelas vítimas










“Na quinta-feira cedo, ao vivo na rádio Jovem Pan, com a minha cautela habitual, eu não quis precipitar conclusões sobre a chacina na histórica igreja metodista episcopal Emanuel em Charleston, na Carolina do Sul. Os sinais eram de motivação racista, mas nunca me esqueço de Oklahoma City, em 19 de abril de 1995, quando a primeira especulação era de um atentado do terror islâmico e se revelou que fora obra de Timothy McVeigh, um extremista de direita.


O suspeito preso é o jovem Dylann Roof, de 21 anos, dado a exibir emblemas de supremacistas brancos. De um lado, acompanhei a história ao longo de quinta-feira com incredulidade. Qual é a desse garoto? Por que ele matou uma senhora de 87 anos em uma igreja? E por que o pai lhe deu uma arma de presente no seu aniversário de 21 anos em abril?  Não vou nem listar aqui os suspeitos habituais (os motivos) que podem ter levado este garoto a fazer o que fez. Como ele chegou a tal estágio de matar pessoas meramente por elas serem negras?

De outro lado, não há tantas surpresas em Charleston. A chacina de nove pessoas se insere no histórico de violência racista contra igrejas negras nos EUA. Americanos aprendem na escola sobre 15 de setembro de 1963, a tragédia na igreja da rua 16 em Birmingham, no estado de Alabama quando a bomba dos terroristas da Ku Klux Klan matou quatro meninas. Martin Luther King disse: “Elas morreram entre os muros sagrados da Igreja de Deus e elas estavam discutindo o significado eterno do amor”. Na quinta-feira, o presidente Barack Obama disse que a igreja Emanuel tem um “lugar sagrado” na história de Charleston.

As vítimas na igreja morreram enquanto estudavam a Bíblia. Martin Luther King falou na igreja Emanuel em 1962 em uma exortação para que os fiéis votassem. E desde então, negros votam nos EUA, como não podiam, especialmente no sul do país, e um negro está na presidência. No entanto, temos ainda este racismo residual no país. O ataque contra a igreja Emanuel mostra como locais de orações para gerações são alvos preferenciais de racistas.

Igrejas negras sofreram ao longo do movimento dos direitos civis nos anos 50 e 60, como acontecera um século antes. A própria igreja Emanuel foi incendiada por supremacistas brancos depois que um negro alforriado, Denmark Vesey, um dos seus fundadores, liderou uma revolta contra a escravidão em 1822. Vesey e mais 34 amotinados foram sumariamente julgados e enforcados.

A igreja Emanuel foi destruída e banida ao longo de sua história. Nestes dias, a nação americana expressa solidariedade a seus fiéis com o que aconteceu na noite de quarta-feira. A Carolina do Sul tem um prontuário racista e a bandeira da Confederação (dos estados do sul na guerra civil) ainda tremula na sua assembleia legislativa, mas sua governadora, a republicana Nikki Haley, é de família originária da Índia. Há 50 anos, seria inconcebível que ela liderasse o estado. Há esta tragédia em Charleston, mas avanços; há Barack Obama e Nikki Haley, mas há os números.

Nas estatísticas mais recentes, o FBI identificou 3.563 vítimas de crimes de ódio racialmente motivados em 2013. Negros representaram 66% das vítimas do total, enquanto 21% eram brancos, 4,6% asiáticos e 4.5% índios. Vale lembrar que a maioria destes crimes de ódio não foram fatais. E ataques contra igrejas negras, especialmente na Carolina do Sul, não fazem parte do passado remoto. Nos anos 90, foi uma onda de bombas incendiárias. Obviamente o que aconteceu em Charleston vai além e tem similaridade com o ataque de 2012, quando um supremacista branco matou seis pessoas em um templo sikh no estado de Wisconsin.

Em templos, igrejas, mesquitas e sinagogas é hora de preces pelas vítimas de Charleston. E para quem não acredita em Deus nem segue religião, é hora de solidariedade”.



Lula: a ponte entre empreiteiros e o ditador da Guiné Equatorial (Reportagem da Veja)


O alfaiate é o mesmo

















Troca de mensagens interceptadas pela Polícia Federal entre executivos da OAS revelam as relações próximas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e algumas das maiores empreiteiras do país na obtenção de contratos de obras públicas em países da África e na América Latina. Um caso emblemático revelado na 14ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta sexta-feira, é o das negociações com o ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, que governa o país a mão de ferro há 35 anos. Trata-se do mesmo governante que financiou, ao menos em parte, o desfile da escola de samba Beija Flor, campeã do carnaval 2015 do Rio de Janeiro com enredo em homenagem ao país africano - o patrocínio, afirmou na época um representante da Guiné Equatorial, foi iniciativa de empresas brasileiras que atuam no país.

Segundo os grampos obtidos pela PF, não é difícil imaginar de onde surgiu tanta generosidade. Uma das conversas se dá entre o ex- ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e o ex-diretor da área internacional da companhia, César Uzeda. A mensagem, datada de 2012, indica que a empreiteira financiaria o carnaval do bloco baiano do Ilê Aiyê, cujo tema era a Guiné Equatorial, em troca de favores. Pelo tom da mensagem, a ditadura de Obiang não havia entendido que se tratava de um toma-lá-dá-cá.

"Acho que deve haver um mal entendido. Estamos trabalhando para dividir o custo do carnaval com as empresas brasileiras que atuam na Guiné. Este é o status do processo. Vamos tentar socializar a conta, gastar pouco e ficar bem na foto. É bom esclarecer por que estamos viabilizando o carnaval dele. Para que Teodoro faça o melhor carnaval da história do Ilê", relata Uzeda.


Segundo o teor das mensagens, o ex-presidente Lula "entrou em campo" para solucionar o impasse. Os relatos evidenciam que Lula era tão amigo do ditador a ponto de ser o único a acolher o filho-enxaqueca de Obiang, Teodorín, envolvido em diversas denúncias de lavagem de dinheiro mundo afora. "Falei com o Brahma. Contou-me que quem esteve aqui com ele foi o presidente da Guiné Equatorial, pedindo-lhe apoio sobre o problema do filho. Falou também que está indo com a Camargo (Corrêa) para Moçambique x hidrelétrica x África do Sul", relata Pinheiro, em uma mensagem datada de outubro. Brahma era o apelido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo a PF.

O assunto voltou à tona no mês seguinte em outra mensagem do então presidente da OAS: "Deixa acabar as eleições para marcarmos. Ele me falou que o nosso amigo da Guiné veio só para pedir apoio ao filho. Me disse que foi um apelo de pai e que ninguém o atende. Somente o nosso Brahma lhe deu acolhida e entrou em campo para ajudá-lo". O Carnaval do Ilê Aiyê ocorreu e teve a Guiné como homenageada. Se a OAS pagou a conta sozinha, ainda é um mistério.

A relação estreita entre Lula e o ditador não é novidade. Em uma visita oficial em 2010, o ex-presidente assinou cinco acordos de cooperação com Teodoro. Não à toa. Apesar de o chefe africano ser acusado de perseguição a opositores e corrupção, o país é o terceiro maior produtor de petróleo do continente africano. Lula chegou, inclusive, a defender que o país fosse incorporado a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) - a terceira língua oficial da Guiné Equatorial é o português, depois do francês e do espanhol.

O patrocínio à Beija Flor foi estimado em 10 milhões de reais. A generosa soma remetida à escola de samba originou críticas no Brasil, sobretudo porque grande parte da população da Guiné Equatorial vive na extrema miséria e sofre com a fome e a repressão. As construtoras, no entanto, negaram a informação de que financiaram o desfile da campeã.

A proximidade entre o governo da Guiné e a OAS evoluiu a tal ponto que o presidente da empreiteira chegou a salvar o filho do ditador da extradição. Em fevereiro de 2013, Teodorín aproveitava o carnaval no Rio, quando o governo francês pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) sua extradição, por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Na ocasião, 17 carros de luxo de propriedade de Teodorín foram apreendidos no país europeu. No entanto, ele saiu do Brasil antes que o Supremo julgasse o pedido feito pela França. Pelas mensagens interceptadas na Operação Lava Jato, fica claro de quem veio a 'mãozinha': "Nós avisamos a Teodorín na quarta-feira e ele deixou o Brasil. Como a França pediu ao governo brasileiro a extradição dele, havia o risco de ele ficar impedido de deixar o Brasil. Isto é mal para os negócios brasileiros lá. Vamos ver como fica a viagem de Dilma", diz Pinheiro.

Felipe González na Venezuela (Mario Vargas Llosa)


“Engana-se quem diz que a visita do ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González à Venezuela foi um fracasso. Eu diria, ao invés disso, que constituiu em sucesso total e que nos dois escassos dias em que ele permaneceu em Caracas prestou um grande serviço à causa da liberdade.

É verdade que não conseguiu visitar o líder oposicionista Leopoldo López, preso na penitenciária militar de Ramo Verde, nem mesmo comparecer à audiência de seu julgamento nem àquela em que seria decidido se o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma (preso desde fevereiro), seria indiciado, pois ambas as convocatórias foram adiadas pelos juízes precisamente para impedir que González estivesse presente. Mas isso serviu para mostrar, de modo flagrante, a falta de independência da Justiça na Venezuela, cujos tribunais e magistrados são meros instrumentos de Maduro, a quem servem e obedecem como cãezinhos de colo.

Por outro lado, o que resultou, sim, em absoluto fracasso foram as tentativas do Governo e dos hierarcas do regime de mobilizar a opinião pública contra González. Em um ato tão ridículo como ilegal, o Parlamento, presidido por Diosdado Cabello – acusado por desertores do chavismo nos Estados Unidos de dirigir a máfia do narcotráfico na Venezuela –, declarou o líder socialista persona non grata, mas todas as manifestações de rua convocadas contra ele foram minúsculas, integradas apenas por grupos de asseclas do Governo, tanto que, em todos os lugares públicos onde González se apresentou, foi objeto de aplausos entusiasmados e de uma calorosa acolhida de um público que agradecia o apoio que sua presença significava para quem luta por salvar a Venezuela da ditadura.

Seu comportamento, nesses dois dias, foi impecável, isento de toda demagogia ou provocação. Ele se reuniu com a Mesa da Unidade Democrática, que agrupa as principais forças da oposição, às quais exortou a esquecer suas pequenas desavenças e diferenças e a permanecerem unidas perante o grande objetivo comum de ganhar as próximas eleições e ressuscitar a democracia na Venezuela, que o chavismo foi triturando sistematicamente até reduzir a escombros.

Embora todas as pesquisas digam agora que o apoio a Maduro não ultrapassa 20% da população e que os 80% restantes estão contra o regime, o triunfo da oposição não está garantido, em absoluto, devido às possibilidades de fraude e de que, em seu desespero por aferrar-se ao poder, Maduro e seus seguidores possam recorrer ao banho de sangue coletivo, do qual houve já diversos sinais desde a matança de estudantes no ano passado.

Por isso é indispensável, como disse González, que todas as forças da oposição estejam solidárias no próximo confronto eleitoral que o regime, em razão da pressão popular, prometeu para antes do fim do ano.

Mas, talvez, o efeito mais importante da visita de Felipe González à Venezuela, à parte a coragem pessoal que significou ir ali se solidarizar com a oposição democrática sabendo que seria injuriado pela imprensa e os gazetistas do regime, é o exemplo que deu à esquerda latino-americana e europeia.

Por que há nela, ainda – e não só entre os grupos e grupelhos mais radicais e antissistema–, setores que, apesar de tudo o que ocorreu nos anos que a terra de Bolívar padece sob o chavismo, alentam simpatias por esse regime e resistem a criticá-lo e a reconhecer o que é: uma crescente ditadura cuja política econômica e corrupção generalizada empobreceram terrivelmente o país, que tem hoje a inflação mais alta do mundo, índices tenebrosos de criminalidade e insegurança nas ruas, e onde praticamente desapareceu a liberdade de expressão e a cada dia se multiplicam os atropelos contra os direitos humanos.

É verdade que alguns dos defensores do regime de Maduro, como os presidentes Rafael Correa, do Equador, Evo Morales, da Bolívia, o comandante Ortega, da Nicarágua, Cristina Kirchner, da Argentina, e Dilma Rousseff, do Brasil, o fazem com hipocrisia e duplicidade, elogiando-o em discursos demagógicos, defendendo-o em organismos internacionais, mas evitando sistematicamente imitá-lo em sua própria política econômica e social, muito conscientes de que estas últimas, se seguissem o modelo chavista, precipitariam seus países em uma catástrofe semelhante à que se abate sobre a Venezuela.

Enquanto na Europa o socialismo está cada vez mais se transformando em uma social-democracia, assumindo como seus os valores liberais tradicionais de tolerância, coexistência na diversidade, respeito à liberdade de opinião e de crítica, eleições livres e uma justiça independente, e compreendendo que as nacionalizações e o dirigismo econômico são incompatíveis com o desenvolvimento e o progresso –como se vê nos esforços que a França socialista de Hollande e Valls faz para incentivar o livre mercado, estimular a empresa privada e abrir cada vez mais sua economia–, na América Latina ainda persistem os mitos coletivistas e estatizantes.

O que Hayek chamava, criticamente, de “o construtivismo” - a ideia de que um planejamento racionalmente formulado podia ser imposto a uma sociedade para fazer valer uma justiça e um progresso material que teriam no Estado seu instrumento central - apesar de a história recente mostrar o fracasso desse modelo nos casos da derrocada da URSS e da transformação da China Popular em um país capitalista (autoritário), ainda continua sendo na América Latina a ideologia de muitas forças de esquerda, um dos maiores obstáculos para que o continente, em seu conjunto, prospere e se modernize, como tem ocorrido por exemplo no continente asiático.

Felipe González prestou um enorme serviço à Espanha contribuindo para a modernização do socialismo espanhol, que, antes dele e sua equipe, estava ainda impregnado de marxismo, de “construtivismo” econômico, e não havia assumido resolutamente a cultura democrática. Curiosamente, seu adversário de sempre, José María Aznar, fez algo parecido com a direita espanhola, à qual deu impulso para se democratizar e se modernizar.

Graças a essa convergência de ambas as forças em direção ao centro, a Espanha, a uma velocidade que ninguém teria imaginado, passou de uma ditadura anacrônica a uma democracia moderna e funcional, um país cuja prosperidade, não muitos anos atrás, o mundo inteiro via com assombro. Convém recordar isso agora quando, por causa da crise, se propagou esse parricídio cívico que pretende atribuir tudo o que anda mal no país àquela transição graças à qual a Espanha se salvou de viver o horror que a Venezuela está vivendo”.

Transparência, abra as asas sobre nós! (Fernando Gabeira)


“Num dos fronts mais intensos no Brasil de hoje se trava uma luta entre a transparência e o segredo. No petrolão, na CBF e, sobretudo, no BNDES e algumas outras escaramuças.

Lula é um general do segredo e o PT, seu exército fiel. Só assim se pode interpretar a alegria coletiva que ele e o partido demonstraram, em Salvador, com a demissão de 400 jornalistas.

Na história da esquerda no Brasil, mesmo antes do PT, os jornalistas sempre foram considerados trabalhadores intelectuais. Não estavam no mesmo patamar mítico do trabalhador de macacão, e eram respeitados. Um Partido dos Trabalhadores celebrando a demissão de trabalhadores é algo que jamais imaginei na trajetória da esquerda.

Lula afirma que os jornais mentem, e parecia feliz com o impacto da crise, criada pelo governo petista, num momento da história da imprensa em que a revolução digital leva à necessidade de múltiplas plataformas. O argumento de que os jornais mentem não justifica, num universo de esquerda, festejar demissões de jornalistas. Por acaso Prestes achava que a imprensa dizia a verdade? Não creio que Prestes e o Partido Comunista fossem capazes de festejar demissões de jornalistas. O mais provável é que se solidarizassem com eles, independentemente de seu perfil político.

Gastando fortunas em hotéis de luxo, viajando em jatinhos de empreiteiras e ganhando fábulas por uma simples palestra, Lula perdeu o contato com a realidade. E a platéia do PT tende a concordar e rir com suas tiradas. Deixaram o mundo onde somos trabalhadores e mergulharam do mundo do nós contra eles, um espaço onde é preciso mentir e guardar segredos diante que algo arrasador: a transparência.

A batalha teve outro front surpreendente, desta vez no Itamaraty. O ministro diretor do Departamento de Comunicações e Documentação (DCD), João Pedro Corrêa Costa, tentou dar um drible na Lei de Acesso à Informação e proteger por mais alguns anos os documentos sobre BNDES, Lula e Odebrecht. Felizmente, o ministro fracassou. Mas no seu gesto revelou um viés partidário, até uma contradição com a lei.

Nos 16 anos de Parlamento, passei 15 e meio na oposição. O Itamaraty sempre me tratou de forma imparcial e gentil, independentemente da intensidade momentânea dos embates políticos. Agia como um órgão de Estado, e não de governo. Como as Forças Armadas, a julgar pela experiência que tive com elas.

O Itamaraty é produto de uma longa história se olharmos bem para trás, como fez Richard Sennett. Observando um quadro pintado em 1553, Sennett descreve como o surgimento da profissão de diplomata foi um avanço na História. Ele observa que com o surgimento da diplomacia se impõem novas formas de sociabilidade, fundadas não mais em código de honra ou vingança. No seu lugar entra uma espécie de sabedoria relacionai baseada nos códigos de cortesia política.

No Congresso do PT em Salvador e no Itamaraty as forças do segredo travavam batalhas distantes no espaço, mas próximas no objetivo: esconder as relações de Lula com as empreiteiras e o BNDES. Não estão unidos apenas no objetivo, mas na negação dos seus princípios. Um diplomata tentando contornar a lei para proteger

Hoje eles festejam nossas demissões e nós vamos celebrar no dia em que forem varridos do poder um grupo político, um Partido dos Trabalhadores festejando demissões em massa, tudo isso é sinal de uma época chocante, mas também reveladora.

A batalha da transparência contra o segredo estendeu-se à cultura. Venceu a transparência com a decisão do Supremo de liberar as biografias. E venceu num placar de fazer inveja à seleção alemã: 9 a 0.

Não canso de dizer como admiro alguns artistas que defenderam o segredo. Mas embarcaram numa canoa furada. E não foi somente a transparência que ganhou. A cultura ganhou novas possibilidades. Com a liberação de livros e documentários sobre brasileiros, uma nova onda produtiva pode enriquecer o debate.

Se examinarmos o comportamento do BNDES e da própria Odebrecht, constatamos que têm argumentos para defender suas operações. Por que resistir tanto à transparência, como o governo resistiu até agora? E, sobretudo, por que ainda manter alguns documentos em sigilo?

Há muita coisa estranha acontecendo no Brasil. Todos se chocaram quando se constatou o tamanho do assalto à Petrobrás. Os corruptos da Venezuela, roubando dinheiro da PDVSA, a empresa de petróleo de lá, estavam lavando dinheiro no Brasil. A julgar pelo volume de dinheiro, o assalto por lá foi tão grande quanto o daqui.

O ministro do Itamaraty que quis ocultar documentos será esquecido logo. Lula, no entanto, já passa algumas dificuldades para explicar sua relação com as empreiteiras. E quanto mais se complica, mais estimula as centenas de pesquisadores, acadêmicos, escritores e cineastas que querem mostrar a História recente do País.

A batalha pela transparência nunca será ganha de uma só vez. De qualquer forma, a lei de acesso e a liberdade para as biografias são dois instrumentos.

Mesmo as pessoas mais indiferentes à roubalheira gostam de saber o que se está passando no País. Existe nelas, como em quase todos, aquela necessidade de mostrar que, apesar de sua calma, não são ingênuas.

Lula e o PT comemoram demissões nos jornais como se fossem as únicas plataformas críticas. A internet dá aos petistas, por meio dos robôs e compartilhamento entre militantes, uma falsa sensação de alívio. Na verdade, o avanço tecnológico apenas ampliou o alcance dos jornais. E encurtou o espaço da mentira. Como dizia um personagem de Beckett, não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber. E acrescenta: desde que suportemos as dores.


As dores da transparência são mais suportáveis que os males do segredo, tramas de gabinete, truques contábeis, roubalheira no escuro, conchavos nos corredores. Com a mesma alegria com que hoje festejam nossas demissões, celebraremos o dia em que forem varridos do poder”.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

PT VAI RADICALIZAR À ESQUERDA! (Cesar Maia) - 17-06-2015


Em seu excelente ex-blog, Cesar Maia publicou os comentários abaixo:
            
1. As reações de parlamentares e dirigentes do PT – Lula incluído - contra as medidas do chamado ajuste fiscal indicam, claramente, que o PT está disposto a perder o governo, mas não quer correr o risco de perder em médio prazo a hegemonia da esquerda.  As mudanças políticas na Espanha, com as vitórias de candidatas às prefeituras de Madrid e Barcelona, fermentadas pelas redes sociais e apoiadas em novos movimentos sociais sem os sindicatos, usando os tradicionais chavões da esquerda, servem como referência para este novo ciclo que o PT inicia.
                
2. A convenção do PT já sinalizou para 2016 que não há alianças preferenciais pragmáticas (PMDB...), mas alianças orgânicas ideológicas. Seus intelectuais – incluindo economistas próximos- já começaram a usar a artilharia de esquerda contra Levy e desvios neoliberais do governo Dilma. O Instituto Lula está servindo de cenário, com Lula como mestre de cerimônias.  
                
3. Até uns poucos anos atrás a CUT continha a radicalização em nome do emprego e de seu intenso entrelaçamento com as multinacionais do setor metalúrgico. Essa foi a base de pacificação no governo Lula. Mas a democracia direta associativa foi atropelada pela democracia direta desierarquizada, desideologizada, horizontalizada das redes sociais. O escritor Humberto Eco, ao receber mais um prêmio semana passada –nessa mesma linha-, disse que “as redes sociais estão dando voz aos imbecis”. Qual o problema? Elitismo do escritor. 
                
4. O que políticos, sindicalistas e intelectuais de ontem não aceitam é uma interlocução sem uma cara explícita, sem líderes e sem assembleísmo. Perdendo o controle dos ditos movimentos sociais, o caminho tem sido atacar as redes sociais como fascismo e populismo de direita, com referências aos anos 20 e 30. 
                
5. O fracasso do PT no governo está servindo de pretexto para voltar à vocalização dos discursos da esquerda do século 20. Dizem alguns: “Vamos perder o governo. É a alternância democrática. Mas o que não podemos perder é a hegemonia na esquerda.”  Na edição de maio-2015 do Jornal dos Economistas do conselho regional RJ, desfilam vários economistas atacando a política econômica atual. Reparem no final do texto abaixo, que Porchman não fala em maioria eleitoral ou parlamentar, mas de maioria política. Hummmm... Na marra?
                
6. Márcio Porchman, intelectual e ex-secretário municipal do PT em SP, candidato a prefeito de Campinas e agora integrado ao Instituto Lula, em uma entrevista ao Jornal dos Economistas de maio diz com todas as letras:   
                
7. "É um começo de um governo enfraquecido, que tenta se recompor aceitando diagnósticos que anteriormente não eram seus, que vêm do mercado financeiro. A eleição passada não produziu uma maioria e, portanto, gerou uma crise política. E essa crise política vem sendo enfrentada nessa modalidade. Eu particularmente acredito que não vai produzir resultados efetivos para o país. A minha percepção é de que as medidas tomadas respondem a um problema político. Não acredito que essas medidas que estão sendo tomadas produzam resultados melhores. A meu modo de ver, elas agravam a crise política. 
            
8. De um lado você toma medidas que enfraquecem sua base social sem trazer o apoio da oposição. A tentativa era, do ponto de vista político, tomar medidas que pudessem trazer ou dividir a oposição, ou seja, buscando reconstituir uma maioria política que passasse pela divisão da própria oposição – porque você trouxe gente do outro lado, trouxe para Ministro da Fazenda quem havia sido um dos formuladores do plano do candidato derrotado. O ajuste das finanças públicas está sendo feito no controle dos recursos na boca do caixa. Essa é a pior forma de fazer ajustes porque é um corte linear, e você está tendo resultados inquestionáveis. Está começando a parar o governo, a parar obras. 
            
9. De um lado você corta gastos de custeio, mas de outro aumenta o gasto financeiro (juros). O gasto de custeio gera emprego e renda. O gasto financeiro gera concentração de renda, não gera empregos, e sim os destrói. E eu nem acredito que a taxa de juros tenha a ver com o problema inflacionário. Tem a ver com a fragilidade das contas externas. Nós temos um déficit em conta corrente entre quatro e cinco por cento do PIB. Mais uma vez, estamos usando o diferencial entre a taxa de juros real nacional e a internacional para poder atrair capital especulativo para fechar as contas. 
          
10. Há um realismo de parte do PT (o que não reduz os erros), mas é preciso ter uma visão um pouco mais ampla, que é o seguinte: com quem você pode contar para fazer medidas mais ousadas, num Congresso, num sistema político fracassado como o que temos hoje, em que as eleições não produzem maiorias políticas? Sem maioria política não se faz um governo". 

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Viva o Gordo! Viva a Gorda! Viva o cachorro! (Celso Arnaldo Araújo)

Saudosos do programa “Viva o Gordo” já não precisam se contentar com as reprises do canal Viva. O grande humorista Jô Soares – que cedeu lugar ao pior entrevistador da TV brasileira — está de volta com um programa fresquinho: “Viva a Dilma”. Resgatando a tradição das duplas que faziam o Brasil gargalhar no tempo das chanchadas da Atlântida e da rádio Nacional, como Oscarito e Grande Otelo, Primo Pobre e Primo Rico, a dobradinha Dilma e Jô, ele como escada, desmentiu a fama de Brasília como cidade sem graça, embora nada séria. Em pleno Palácio da Alvorada, ambos – em grande forma – interpretaram a si mesmos, sem precisar de ensaio ou laboratório.

O comediante que decidiu virar dono de talk show e que, nessa função há 27 anos, jamais conseguiu extrair de um convidado uma única frase que repercutisse no dia seguinte. A presidente que, em quatro anos e meio mandato, e nada indica que será diferente nos três anos e meio que ainda faltam, jamais extraiu de seu cérebro uma única frase que fizesse sentido no dia seguinte ou para a História. Química infalível para o riso fácil, frouxo e indevido – potencializada por um detalhe que coloca Jô ao mesmo nível da cara de bacalhau, filhote de pombo, pescoço de freira e político honesto, isto é, de coisas que ninguém nunca viu: ele é o humorista a favor.

 Já na introdução interminável para justificar a defesa intransigente de Dilma, o Jô de sempre: a hesitação e a sem-gracice em forma da pessoa real que é, despido de seus antigos personagens. Também pudera: é preciso se desmanchar em tibieza e falta de informação para, preparando a primeira pergunta, afirmar isto:

“Bom, você é uma leitora fanática, de chegar a andar com mala cheia de livros e, de repente, na ânsia de ler, até bula de remédios não escapavam (sic) dos seus olhos”.

Ainda a Dilma leitora fanática? A claque da Zorra Total teria de ser acionada para produzir gargalhadas frenéticas, apesar de a piada ser muito velha – menos para o Jô. Na mala de livros que Dilma leu sem nunca ter lido ainda cabe Jô Soares – ela é imensa.

Mas, espere. A pergunta no horizonte envolve não um livro comum – mas o livro dos livros. E aqui ressalta o inclassificável talk showman que é Jô Soares: imagine, é a primeira pergunta de sua primeira entrevista com a presidente da República num momento delicadíssimo da vida nacional e você se sai com essa – uma insignificante fabulazinha de cadeia sem um ponto de interrogação no final:

“E como é que é a história da Bíblia, quando você estava presa, encarcerada, e essa Bíblia tinha que passar pra outros prisioneiros. Conta essa história pra gente”.

Dilma:
“Ah, Jô, era uma história que é assim: num tinha livros…”.
Só pelo “num”, não tinha mesmo. Mas, segundo consta, tinha uma bíblia que fora deixada por um padre e que passava pela portinha do calabouço, e ia de cela em cela, introduzida pela fresta. Dilma enfatiza, para provável espanto da plateia: “Porque as portas das celas não ficavam abertas…” Puxa, mas uma bíblia fazendo sucesso num calabouço de marxistas? Sim, porque não era qualquer bíblia. Mas a Bíblia de Dilma, a hermeneuta:

Eis sua gênese:
“A Bíblia é algo fantástico, ela é uma leitura que ela envolve de todas as maneiras. Além de sê uma expressão religiosa, da religião da qual nós, a maioria do Brasil, compartilha. Mas, além disso, ela tem alta qualidade literária e tem, também, histórica. Então, é uma leitura que, eu quero te dizer o seguinte: para mim foi muito importante, principalmente porque ela trabalha com metáforas. E é muito difícil, a metáfora é a imagem, o que é a metáfora? Nada mais que você transformá em imagem alguma coisa. E não tem jeito melhor de ocê entendê e compreendê do que a imagem”.

Dilma como metáfora seria aqui uma imagem impublicável. Mas a entrevista caminha biblicamente para o apocalipse, com Jô fazendo o papel de um embasbacado Cirineu para a cruz de Dilma pensando o Brasil e discorrendo sobre qualquer assunto. Caprichando como sempre na saúde:

“Agora, eu quero te dizer que, além disso, faltam no Brasil especialidades. Porque, hoje, uma pessoa que quebra a perna precisa de ter um exame; ela precisa de ter um outro tratamento. Então as especialidades são a grande coisa que nós queremos focar nesses próximos quatro anos. E são três especialidades que nós vamos começar, porque você tem que começar. Uma é ortopedia; a outra é cardiologia; e a outra é oftalmologia. Eu esqueci de falar, falei da traumatologia, dos pés, das “quebraduras” em geral. Então são três”.

Já pisando nas quebraduras da Pátria Educadora, Dilma – que conquistou Lula ao chegar para uma reunião com um laptop – fala da importância de se controlar virtualmente, tintim por tintim, as verbas da Educação destinadas às creches (sim, as seis mil de sempre).

“Nós montamos o controle. E você só pode montar o controle no Brasil se você digitalizar. Você digitaliza…torna.. Coloca na internet, digitaliza, sabe onde é cada uma das escolas. Então, o prefeito recebe um SMS: “Prefeito, você recebeu tanto, você tem que fazer…”. E ele tem que tirar o retrato, tirar uma foto daquela creche e tem de botar no…
“Na internet”, sopra Jô.
“Não, ele bota no celular dele, que vem pra nós, que entra na internet, não é? Aí, nós descobrimos que um prefeito que tinha quatro creches tava mostrando a mesma creche. E advinha (sic) como é que a gente descobriu”?
“Como”?
“O cachorro era o mesmo. O cachorro parado na frente da creche era o mesmo das quatro creches. O que causou uma grande indignação em nós aqui. Que história é essa desse cachorro aí? Eu te contei essa história justamente pra mostrar o seguinte: você tem de acompanhar”.

Sim, a entrevista foi constrangedora, claro. Mas Jô conseguiu uma façanha: descobriu, sem querer, onde foi parar aquele cachorro de Dilma que era a figura oculta atrás de cada criança: ele se materializou na frente de cada creche.


Viva o Gordo, Viva Dilma" 

(Celso Arnaldo esqueceu-se do cachorro).

domingo, 14 de junho de 2015

"Quero é ser bandido mesmo" (GVS)


O promotor Cezário Cavalcante Neto conta que decidiu perdoar G.V.S. em uma audiência e solicitou que ele fosse matriculado em uma escola em vez de ser internado. O garoto reagiu: “Ele disse na minha frente e na frente do juiz ‘Quero é ser bandido mesmo’. Fiquei em choque”.

GVS - o jovem de 17 anos de idade que estuprou quatro menores no Piauí (e assassinou uma delas), apenas exercitou a vontade de ser aquilo que é. Qual a razão de eventual estranheza? Petistas também não fazem profissão de fé semelhante? Corrompem, fraudam, desviam e subornam, entre outras práticas, e não continuam convictos, cheios de si, a marchar no rumo em que marcham, sem qualquer sentimento de pudor pelo que seu partido faz ao Brasil?

GVS tem tudo para ser um ativista ou militante do partido dos trapaceiros. E de sucesso, frise-se.

Lula no rumo certo


A cobiça humana é igual o inferno e igual o abismo: nunca se satisfaz. Lula da Silva é exemplo desta verdade bíblica.