Saudosos do
programa “Viva o Gordo” já não precisam se contentar com as reprises do canal
Viva. O grande humorista Jô Soares – que cedeu lugar ao pior entrevistador da
TV brasileira — está de volta com um programa fresquinho: “Viva a Dilma”.
Resgatando a tradição das duplas que faziam o Brasil gargalhar no tempo das
chanchadas da Atlântida e da rádio Nacional, como Oscarito e Grande Otelo,
Primo Pobre e Primo Rico, a dobradinha Dilma e Jô, ele como escada, desmentiu a
fama de Brasília como cidade sem graça, embora nada séria. Em pleno Palácio da
Alvorada, ambos – em grande forma – interpretaram a si mesmos, sem precisar de
ensaio ou laboratório.
O comediante que
decidiu virar dono de talk show e que, nessa função há 27 anos, jamais
conseguiu extrair de um convidado uma única frase que repercutisse no dia
seguinte. A presidente que, em quatro anos e meio mandato, e nada indica que
será diferente nos três anos e meio que ainda faltam, jamais extraiu de seu
cérebro uma única frase que fizesse sentido no dia seguinte ou para a História.
Química infalível para o riso fácil, frouxo e indevido – potencializada por um
detalhe que coloca Jô ao mesmo nível da cara de bacalhau, filhote de pombo,
pescoço de freira e político honesto, isto é, de coisas que ninguém nunca viu:
ele é o humorista a favor.
Já na introdução
interminável para justificar a defesa intransigente de Dilma, o Jô de sempre: a
hesitação e a sem-gracice em forma da pessoa real que é, despido de seus
antigos personagens. Também pudera: é preciso se desmanchar em tibieza e falta
de informação para, preparando a primeira pergunta, afirmar isto:
“Bom, você é uma
leitora fanática, de chegar a andar com mala cheia de livros e, de repente, na
ânsia de ler, até bula de remédios não escapavam (sic) dos seus olhos”.
Ainda a Dilma
leitora fanática? A claque da Zorra Total teria de ser acionada para produzir
gargalhadas frenéticas, apesar de a piada ser muito velha – menos para o Jô. Na
mala de livros que Dilma leu sem nunca ter lido ainda cabe Jô Soares – ela é
imensa.
Mas, espere. A
pergunta no horizonte envolve não um livro comum – mas o livro dos livros. E
aqui ressalta o inclassificável talk showman que é Jô Soares: imagine, é a
primeira pergunta de sua primeira entrevista com a presidente da República num
momento delicadíssimo da vida nacional e você se sai com essa – uma
insignificante fabulazinha de cadeia sem um ponto de interrogação no final:
“E como é que é a
história da Bíblia, quando você estava presa, encarcerada, e essa Bíblia tinha
que passar pra outros prisioneiros. Conta essa história pra gente”.
Dilma:
“Ah, Jô, era uma
história que é assim: num tinha livros…”.
Só pelo “num”, não
tinha mesmo. Mas, segundo consta, tinha uma bíblia que fora deixada por um
padre e que passava pela portinha do calabouço, e ia de cela em cela,
introduzida pela fresta. Dilma enfatiza, para provável espanto da plateia:
“Porque as portas das celas não ficavam abertas…” Puxa, mas uma bíblia fazendo
sucesso num calabouço de marxistas? Sim, porque não era qualquer bíblia. Mas a
Bíblia de Dilma, a hermeneuta:
Eis sua gênese:
“A Bíblia é algo
fantástico, ela é uma leitura que ela envolve de todas as maneiras. Além de sê
uma expressão religiosa, da religião da qual nós, a maioria do Brasil,
compartilha. Mas, além disso, ela tem alta qualidade literária e tem, também,
histórica. Então, é uma leitura que, eu quero te dizer o seguinte: para mim foi
muito importante, principalmente porque ela trabalha com metáforas. E é muito
difícil, a metáfora é a imagem, o que é a metáfora? Nada mais que você
transformá em imagem alguma coisa. E não tem jeito melhor de ocê entendê e
compreendê do que a imagem”.
Dilma como metáfora
seria aqui uma imagem impublicável. Mas a entrevista caminha biblicamente para
o apocalipse, com Jô fazendo o papel de um embasbacado Cirineu para a cruz de
Dilma pensando o Brasil e discorrendo sobre qualquer assunto. Caprichando como
sempre na saúde:
“Agora, eu quero te
dizer que, além disso, faltam no Brasil especialidades. Porque, hoje, uma
pessoa que quebra a perna precisa de ter um exame; ela precisa de ter um outro
tratamento. Então as especialidades são a grande coisa que nós queremos focar
nesses próximos quatro anos. E são três especialidades que nós vamos começar,
porque você tem que começar. Uma é ortopedia; a outra é cardiologia; e a outra
é oftalmologia. Eu esqueci de falar, falei da traumatologia, dos pés, das
“quebraduras” em geral. Então são três”.
Já pisando nas
quebraduras da Pátria Educadora, Dilma – que conquistou Lula ao chegar para uma
reunião com um laptop – fala da importância de se controlar virtualmente,
tintim por tintim, as verbas da Educação destinadas às creches (sim, as seis
mil de sempre).
“Nós montamos o
controle. E você só pode montar o controle no Brasil se você digitalizar. Você
digitaliza…torna.. Coloca na internet, digitaliza, sabe onde é cada uma das
escolas. Então, o prefeito recebe um SMS: “Prefeito, você recebeu tanto, você
tem que fazer…”. E ele tem que tirar o retrato, tirar uma foto daquela creche e
tem de botar no…
“Na internet”,
sopra Jô.
“Não, ele bota no
celular dele, que vem pra nós, que entra na internet, não é? Aí, nós
descobrimos que um prefeito que tinha quatro creches tava mostrando a mesma
creche. E advinha (sic) como é que a gente descobriu”?
“Como”?
“O cachorro era o
mesmo. O cachorro parado na frente da creche era o mesmo das quatro creches. O
que causou uma grande indignação em nós aqui. Que história é essa desse
cachorro aí? Eu te contei essa história justamente pra mostrar o seguinte: você
tem de acompanhar”.
Sim, a entrevista
foi constrangedora, claro. Mas Jô conseguiu uma façanha: descobriu, sem querer,
onde foi parar aquele cachorro de Dilma que era a figura oculta atrás de cada
criança: ele se materializou na frente de cada creche.
Viva o Gordo, Viva
Dilma"
(Celso Arnaldo esqueceu-se do cachorro).
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