sexta-feira, 29 de outubro de 2010

De que lado você está, Melissa?

(Artigo do grande antropólogo Roberto da Mata, publicado em 27/10/2010)

"Quando trabalhava num museu cheio de ossos e de artefatos indígenas cheirando a naftalina e mofo, eu — recém-chegado de Harvard e contrariamente ao meu projeto de ser apenas um pesquisador — fui galgado à posição de coordenador de um programa de ensino e pesquisa. A saída de seu fundador promoveu a minha entrada na “burro-cracia” federal da universidade e, de repente, eu me vi na posição de liderar um grupo de pessoas que mal conhecia. Éramos todos contra a ditadura militar que então governava um Brasil administrado pelo arbítrio e sem a regra de lei que entre nós, humanos, sempre instáveis e interessados, ajuda a manter a coerência; e, eventualmente, mas nem sempre, garante o uso de um só peso e medida.
Um dia, graças a circunstâncias que espero contar com mais detalhes em outro lugar, surgiu a oportunidade de contratar o grupo de professores do programa (de fato, a sua esmagadora maioria), integrando-os aos quadros da universidade. Digo integrar porque, àquela época, eles eram pagos por uma fundação americana que, por meio de sua filantropia, dirimia a nobre culpa ianque por ter criado um colar de ditaduras militares que coroavam com seus diversos tipos de despotismo o nosso continente. O tal “cone sul” ou “América latina” que só agora os americanos estão deixando de ver como um bloco instável, único e atrasado. Algo que, sem nenhum exagero, ainda se situa na sua lata de lixo por contraste com uma certa Europa e Ásia que estão na sua sala de visita.

Pois bem. Quando um todo-poderoso burocrata da universidade dignou-se a entrar em contato comigo, solicitando os nomes dos professores a serem finalmente integrados no nosso programa, não tive dúvida ou neutralidade. Eu sabia de que lado estava, muito embora alguns desses colegas não comungassem comigo das mesmas convicções liberais que, aos 20 anos, eu havia consolidado na minha experiência com a América de Jefferson, Lincoln, Luther King, Thornton, Wilder, Capra, John Ford, Kubrick e muitos outros; mais do que com a vivência com os Estados Unidos de Joseph McCarthy, Nixon, da Ku-Klux-Klan e da dinastia Bush. E assim eu confirmei os seus nomes, muito embora na nossa convivência eu sempre fosse direta ou marginalmente tachado como sendo de “direita” ou de “liberal” com tudo o que essa palavra contém de execrável, de indigno e de desprezível no Brasil (e mais ainda no Brasil daquela época). O mesmo ocorrendo com a minha mal começada obra. Uma vez me disseram que em vez de falar de carnaval ou de renunciantes, como Augusto Matraga, de comida e de dona Flor como metáfora do Brasi, eu deveria estudar camponeses e operários.

Em alguns projetos e publicações produzidos naquele museu eu, apesar de coordenador, era excluído porque certamente não ficava bem mencionar o nome de um semifascista nos resultados de pesquisas de “esquerda” que iriam transformar o Brasil.

Lembro essas passagens não para ativar ressentimentos que já encontraram seu lugar num velho e machucado coração, mas para insistir num ponto: jamais assumi uma posição de neutralidade que — como o limbo — seria mais do que justificado por um coordenador acidental e marcado por um preconceito político tão distorcido pela inútil, mas sempre ressuscitada dualidade entre direita e esquerda.

Por causa disso, e mesmo ouvindo com mágoa a suspeita de um colega que expressou dúvida se o seu nome constaria da lista que enviei à universidade, não fiquei em cima de um doce muro do qual, como fizeram dona Marina e os verdes, muita gente pensa que se pode descortinar os dois lados.

Faço estas confidências porque elas têm muito a ver com o clima eleitoral brasileiro. Você fica neutro quando um presidente da República e um partido que se recusou a assinar a Constituição e foi contra o Plano Real usam de todos os recursos do Estado que não lhe pertencem para ganhar o jogo? Você diz que o jogo não interessa porque você queria que os adversários fossem do mais alto nível e isso não existe em nenhum país e muito menos no Brasil? Será que você não enxerga que o exemplo da neutralidade é fatal quando há uma óbvia ressurgência do velho autoritarismo personalista por meio do lulismo que diz ser a “opinião pública”? O que você esperava de uma disputa eleitoral no contexto do governo de um partido dito ideológico, mas marcado por escândalos, aloprados e nepotismo? Você deixaria de tomar partido mesmo quando o magistrado supremo do Estado vira um mero cabo eleitoral de uma candidata por ele inventada? É válido ser neutro quando o presidente vira dono de uma facção, como disse com precisão habitual FHC? Se o time do governo deve sempre vencer porque tem certeza absoluta de que faz o melhor, pra que eleição? A dúvida, o debate, os momentos de ansiedade e de tédio são parte do fardo grandioso da democracia que tanto queríamos. Só os fascistas e os de máfé, só os ignorantes desse processo podem achar que tudo é péssimo, inclusive os candidatos. Você pode não gostar de um ou do outro, mas a disputa que o Lula e o PT querem anular usando o pessimismo burro do brasileiro para com a “política” é crítica para liquidar as convergências liberais que alcançamos.

Pense nisso, não enverdeça.

Não esconda o seu medo de decidir com argumentos bacharelescos. Diga de que lado você está. Lembre-se que neste mundo não há deuses ou superheróis.

Há apenas pessoas comuns que são candidatos temporários a cargos que têm uma enorme e decisiva influência no nosso destino!"

Fonte: Jornal “O Globo” – 27/10/10

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

POLÍTICA E UNIVERSIDADE

"Três antigos dirigentes da UFMG (capitaneados por seu ex-reitor, professor Ronaldo Pena) utilizaram-se de veículo institucional da universidade ("Boletim" de 18.10) para acintosa campanha em favor da candidata oficial a presidente da República. Causou espécie, com repercussão na imprensa nacional, a forma como se deu o apoio, pois há explícita vedação legal para isso, conforme entendimento de juristas especializados em legislação eleitoral. Abrir espaço para artigos de defensores de outra candidatura - como alguns chegaram a defender - só iria ampliar a violação praticada, democratizando-a perversamente.

Qualquer jornal local certamente acolheria tais manifestações pessoais nas suas páginas de opinião, até por causa da alta posição acadêmica dos autores. Além do mais, um público mais universal estaria sendo brindado, assim, com as avaliações políticas dos referidos e magníficos docentes. A sociedade seria grandemente beneficiada. Ganharia mais elementos de informação no julgamento do governo Lula, não só no tocante às questões orçamentárias educacionais como, também, em outros aspectos infelizmente negligenciados pelos mestres.

Em linguagem sectária, similar à utilizada pela candidatura chapa-branca, argumentam os ex-dirigentes que "o momento é de comparação de dois projetos para o Brasil. De um lado, Dilma Rousseff, representando a continuidade do projeto desenvolvido nos últimos anos, e de outro, José Serra, a oposição a esse projeto". Ouvem-se aí ecos de um totalitarismo tardio, emanados da "teoria dos dois campos" de Jdanov - ideólogo do stalinismo: quem não está comigo está contra mim; quem não é amigo, é inimigo; quem não é socialista, é capitalista e assim sucessivamente. José Dirceu, o chefe da quadrilha do mensalão, assinaria sem tergiversar a espantosa simplificação da realidade contida nesse diagnóstico.

Não consideraram os ilustres professores que uma parcela do eleitorado pode fazer, simplesmente, uma escolha baseada na teoria do mal menor, indissociável do sistema de voto em dois turnos, tal como existe em outros países.

Uma concepção severina da educação - não a que tem como referência a visão do grande poeta João Cabral de Melo Neto, mas aquela inspirada no ex-deputado Severino Cavalcanti, o achacador de lanchonetes - considera o dinheiro como norte a ser seguido, bem como unidade de medida de ações governamentais. Desde que os governantes abram sua vasta cornucópia para suculentas bolsas isentas de imposto de renda, tudo estará bem. Não importa que seus adeptos e acólitos patrocinem, por exemplo, a queima de livros em praça pública (tal como se deu em março do corrente, em São Paulo), numa repetição dos atos dos nazistas, em 1933, às portas de uma universidade alemã. Em nossa universidade severina, bolsos e bolsas recheados falarão mais alto. Valores civilizatórios ficarão severinamente distantes. Vale relembrar o poeta alemão Heine, que assim disse, em 1843: num lugar onde se queimam livros, depois se começa a queimar pessoas."

(Publicado no jornal O TEMPO, de Belo Horizonte, em 23/11/2010)

OS MANIQUEUS (Editorial do jornal O TEMPO, de 23/11/2010)

"A opinião pública discute, nestes dias, se houve ou não agressão a Serra numa passeata no Rio, na última quarta-feira. Discute-se se foi uma bolinha de papel ou um rolo de fita adesiva que atingiu o candidato, ferindo-o levemente.
O próprio presidente Lula entrou no debate, acusando Serra de montar uma farsa. Anteontem, o "Jornal Nacional" demorou-se em provar que houve dois gestos, um com bolinha de papel e, 15 minutos depois, outro com a fita adesiva.
Não importa o que tenha sido atirado no candidato Serra. Importa mais o gesto agressivo. Ontem, atiraram uma inofensiva bolinha de papel, amanhã pode ser uma pedra ou um tiro de revólver, como já aconteceu aqui e alhures.
É inevitável que os candidatos, Dilma inclusive, sofram hostilidades. Mas o presidente não devia se meter numa briga de correligionários, instigando mais agressões. Em última instância, toda a responsabilidade é só sua.
Ele não pode esquecer que tudo de bom e de mau que ocorrer na campanha eleitoral será creditado ou debitado a seu governo. A segurança de que gozam os candidatos é um crédito de seu governo ao preservar a democracia.
Governos reconhecidamente fascistas sempre consideraram farsa quando políticos de oposição sofreram atentados. A história mostrou que a farsa frequentemente foi montada não pelas vítimas, mas pelos acusados.
O país está dividido entre Dilma e Serra. Com relação ao eleitorado de Dilma, talvez não haja dúvidas no seu meio. Mas, com relação ao de Serra, não há essa certeza. Ele repudia o maniqueísmo a que está sendo obrigado.
Como diz o professor Antônio Machado de Carvalho, aqui ao lado, uma parte do eleitorado está fazendo a opção pelo mal menor. Não está nem com um nem com outro candidato, mas com o menos ruim.
Isso precisa ser respeitado. Seja quem for que ganhar o segundo turno, terá de governar com praticamente a metade do eleitorado contra. Portanto, é melhor ir se acostumando."

Manifesto em Defesa da Democracia - 2010

Manifesto em Defesa da Democracia

Numa democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo. Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que militantes partidários tenham convertido órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais em valorizar a honestidade.

É constrangedor que o Presidente não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras, mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e de empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É deplorável que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para ignorar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.
(Este documento já foi assinado por mais de 100 mil democratas)

Professsora Ruth Cardoso X Frau Dilma Roussef

(Transcrição de artigo de Augusto Nunes, de 26/11/2009)

Ruth Cardoso vs. Dilma: 400 a 0

"Ruth Cardoso foi a prova definitiva de que milagres civilizatórios ocorrem mesmo nos grotões do planeta. A discreta e talentosa paulista de Araraquara, que se casou muito jovem com o sociólogo carioca Fernando Henrique Cardoso, seria a única primeira-dama a desembarcar em Brasília com profissão definida, luz própria e opiniões a emitir ─ sempre com autonomia intelectual e, se necessário, elegante contundência. Durante oito anos, o brilho da mulher que sabia o que dizia somou-se à luminosidade da antropóloga respeitada em muitos idiomas para clarear o coração do poder.
No fim de 1994, por não imaginarem com quem logo lidariam, muitos jornalistas ouviram com ceticismo a justificativa apresentada pelo presidente eleito para a viagem à Rússia: “Vou como acompanhante da Ruth”. Ela participaria como palestrante de um congresso de antropologia promovido em Moscou, ele aproveitaria para descansar alguns dias. Nenhum repórter cuidou de conferir o desempenho da palestrante. Perderam todos a chance de descobrir que Ruth era muito mais que a mulher do n° 1.
A melhor e mais brilhante das primeiras-damas abdicou do título já no dia da posse do marido. “Isso é uma caricatura do original americano, esse cargo não existe”, resumiu numa entrevista. Se não existia, Ruth inventou-o. Sem pompas nem fitas, longe de fanfarras e rojões, montou o impressionante conjunto de ações enfeixadas no programa Comunidade Solidária. Em dezembro de 2002, os projetos em execução mobilizavam 135 mil alfabetizadores, 17 mil universitários e professores, 2.500 associações comunitárias, 300 universidades e 45 centros de voluntariado.
Acabou simbolicamente promovida a primeira-dama da República no dia da morte que pareceria prematura ainda que tivesse mais de 100 anos. A cerimônia do adeus comprovou que o Brasil se despedia, comovido, de alguém que o fizera parecer menos primitivo, mais respirável, menos boçal. E que merecia ter morrido sem conhecer a fábrica de dossiês cafajestes da Casa Civil chefiada por Dilma Rousseff.
Instruída para livrar o governo da enrascada em que se metera com a gastança dos cartões corporarativos, Dilma produziu um papelório abjeto que tentava reduzir Fernando Henrique e Ruth Cardoso a perdulários incuráveis, uma dupla decidida a desperdiçar o dinheiro da nação em vinhos caros e futilidades gastronômicas. Dilma foi a primeira a agredir uma mulher gentil, suave, e também por isso tratada com respeito até por ferozes inimigos do marido.
A fraude que virou candidata à presidência anda propondo que o país compare Fernando Henrique a Lula. “O Lula ganha de 400 a 0″, delira. Qualquer partido mais competente e menos poltrão teria topado há muito tempo esse confronto entre a seriedade e a bravata, entre o conhecimento e a ignorância, entre o moderno e o antigo, entre o real e o imaginário. Como o PSDB prefere capitular sem combate, poderia ao menos sugerir que se compare Dilma Rousseff a Ruth Cardoso. A Mãe do Pac talvez aprenda como é perder por um placar de 400 a zero."

MARILENA CHAUÍ REPETE GOEBBELS

(Transcrição de artigo de Reinaldo Azevedo publicado em 25 de outubro de 2010)


Uma esquerdista vive o auge do seu delírio imoralista. Ou: Marilena Chaui repete Goebbels 77 anos depois; ela só trocou de “judeus”

"Abaixo, escrevo um post sobre as quase 100 mil assinaturas do Manifesto em Defesa da Democracia e lembro a manifestação ilegal havida na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em defesa da candidatura de Dilma Rousseff. Eu não havia visto ainda o vídeo em que Marilena Chaui põe toda a sua ignorância a serviço da causa. Uma ignorância que chega a ser quase comovente, embora essencialmente perigosa. Ela fala suas bobagens de modo muito convicto, escandindo as sílabas com especial ênfase, como se isso conferisse seriedade ao que diz. Ah, Marilena, Marilena…

Vejam este filme (no YouTube, com a manifestação de dona Marilena). Enquanto o vídeo em que Hélio Bicudo lê o Manifesto em Defesa da Democracia já foi acessado quase 210 mil vezes no YouTube, o de Dona Doida não foi visto nem por 3 mil pessoas. Eu ajudo os carentes de bilheteria, embora eu ache que Marilena precisa caprichar na marquiagem e não pode esquecer o nariz vermelho na próxima intervenção. O cabelo tá bom — emula com o do Bozo.
Viram? Então vamos lá. É impressionante! É possível a esquerdistas argumentar falando só a verdade? Estou convencido de que não. E é por isso, Olavo de Carvalho tem razão, que é inútil debater com eles. Vocês ouviram Marilena afirmar que Serra começou a campanha criticando os programas sociais e agora diz que vai dar continuidade a eles. É mentira! Nunca criticou! Nem na campanha nem antes. Não que não possam ser criticados ou não tenham aspectos criticáveis. Ocorre que ele não fez isso...

...A tese do latifúndio. Na sua alastrante ignorância, Marilena diz que Serra ganhou nos estados do agronegócio, que, diz ela, no seu tempo, era chamado de “latifúndio”, todos com severos problemas ambientais. Uma besteira tripla. Em primeiro luar, acreditar no latifúndio como uma categoria econômica, política ou de economia política já é sinal de atraso mental. Em segundo lugar, mesmo aqueles que acreditam não tratam o “latifúndio” como sinônimo de agronegócio. A afirmação revela ignorância de Marilena até sobre as teses de esquerda. Em terceiro lugar, Serra ganhou em oito estados: Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Acre, Roraima e Rondônia. Vamos ver.

Santa Catarina é o estado por excelência da pequena propriedade, até pelo tipo de colonização que ali se deu. Paraná e São Paulo já não têm mais fronteiras agrícolas — este último, no que concerne ao meio ambiente, tem as leis mais avançadas do país. Mais da metade de Roraima está nas mãos do governo federal ou dos índios. O Acre, que caminha para 16 anos de governo petista, e Rondônia não têm os problemas ditos do “latifúndio” — tanto é que a turma de João Pedro Stedile nem está por lá. O Mato Grosso do Sul simplesmente não tem estoque de terra para abrigar latifundiários por causa de sua geografia. No Mato Grosso, há sim, um conflito entre produtores rurais e ambientalistas — mas a questão nada tem a ver com reforma agrária. De todo modo, ainda que ela falasse a verdade, qual é a suposição? Serão, então, tantos assim os latifundiários a ponto de dar a vitória a Serra? Mas essa categoria, por definição, não deveria ser minoritária? Pobre Marilena! Chegar aos 69 nessa penúria intelectual… Coisa melancólica!

Qual é o estado em que mais há conflitos de terra no país, em que mais se mata e mais se morre por causa da terra? O Pará, governado pela petista Ana Júlia Carepa — parece que o estado será libertado no dia 31 de dezembro… Quem ganhou no Pará? Dilma! Qual é o estado em que o MST é mais forte e, diga-se, mais violento? Pernambuco! Foi onde Dilma deve a sua vitória mais expressiva. Terá finalmente desaparecido do Nordeste, onde a petista venceu, o que as esquerdas chamavam, de fato, latifúndio — e que nunca foi sinônimo de “agronegócio”? Marilena conta uma mentira a seu distinto público — que, eu sei, não estava ali nem para ouvir verdades nem para aplaudir a legalidade, já que a manifestação era ilegal.

Autoritária mas vamos lá.

Digamos que esses estados fossem mesmo caracterizados pelo “latifúndio” ou estivessem nas mãos do agronegócio — São Paulo, Jesus Cristo!, é o estado mais industrializado do país!!! Marilena, como vemos, considera que isso é um defeito, que é algo a ser superado, certo? Para ela, uma reforma agrária tem de dar conta desse grave problema. Feito isso, depreende-se de seu “raciossímio” que a oposição, então, não ganharia eleição mais em lugar nenhum!

Entenderam? No dia em que o Brasil for como ela sonha, a democracia e a alternância de poder serão desnecessárias porque, então, o PT seria o governo natural do Brasil. Pensem bem: se a oposição só ganha onde há latifúndio, sem o latifúndio, não ganharia mais nada. Esse é o horizonte mental e moral de uma esquerdista como Marilena Chaui. Se o seu partido não vence a disputa, é porque a sociedade está doente.

Liberdade de expressãoMarilena foi a autora intelectual da tese do “golpe da mídia” durante o mensalão. É por isso que digo que ela é a “pensadora” que fundiu Spinoza (que ela chama “Espinosa”) com Delúbio Soares. Sua tese poderia se chamar “A Ética de Espinosa na Nervura do Real dos Recursos Não-Contabilizados”. Prestem atenção a esta fala da valente:

“O que caracteriza a democracia e distingue a democracia de todos os outros regimes políticos são duas coisas: em primeiro lugar, a defesa da liberdade de pensamento e de expressão, isto é, a defesa do direito à opinião pública.”

Epa! Notem no vídeo que ela fala a palavra “pública” numa espécie de explosão. Uma ova! A liberdade de pensamento e expressão sempre será a liberdade do indivíduo, minha senhora, já que a vontade do público é vária e inconstante. Eis aí: esse é o Spinoza filtrado pelo marxismo bocó. O que é a “opinião pública” senão a multiplicidade de opiniões dos homens? Essas coisas, na boca de um esquerdista, nunca são inocentes. Por que eles se organizam em ONGs e observatórios disso e daquilo e querem criar conselhos para monitorar a “mídia!”? Porque se consideram mais do que a representação do público — o que já não são! Eles se consideram a sua encarnação. Uma banana para esses macacos autoritários! Voltemos à moça:

"Ora, para isso, é preciso que você tenha acesso aos meios pelos quais você exprime essa opinião. Ora, quando esses meios são um monopólio, quem vem falar pra mim de democracia? É a ausência dela".

Cadê o monopólio? Onde está a lei que o determina? Fiquemos com a prata da casa primeiro. A VEJA não monopoliza as revistas, por exemplo. Ela só tem muito mais leitores dos que as concorrentes por uma decisão dos… leitores! A TV Globo tem mais telespectadores porque essa é uma decisão dos… telespectadores! Deram quase R$ 700 milhões por ano para Franklin Martins brincar de TV com Tereza Cruvinel. Conseguiram fazer algo com o humor e a picardia dele e o charme intelectual dela. Resultado: é o traço mais caro da TV mundial. Vamos seguir:

"Porque, para que ela exista, sei que é preciso que, em igualdade de condições, duas ou três ou quatro opiniões pudessem se exprimir no mesmo tempo e no mesmo espaço. O que nós temos é o controle da opinião e a impossibilidade da contestação."

Besteira! Por que Marilena não faz essa proposta aos jornais da CUT, por exemplo? Ora vejam: os que lançaram o Manifesto em Defesa da Democracia, suprapartidário, numa puderam ocupar a cadeira em que esta senhora senta. Porque, em nome da liberdade de pensamento e de expressão, só se admitiu na Sala dos Estudantes, um prédio público, uma manifestação pró-Dilma. Na pluralidade “deles”, só o PT fala. Marilena está pouco se lixando para a diversidade de opiniões. Ela não gosta mesmo é de uma reportagens que evidenciem as falcatruas de seu partido. Acha que são sabotagem. Já as que atingem os adversários, e são muitas, são virtudes.

"Então não venham me falar em democracia. Eu costumo dizer que a defesa da liberdade de pensamento e de expressão, que é aquilo pelo que o filósofo que (sic) eu trabalho desde a juventude,ele deu a vida - vocês sabem que ele foi banido da sinagoga, impedido pelo templo e pela Igreja, ele foi escorraçado como um subversivo perigoso para ordem, porque ele escreveu em defesa da liberdade de pensamento e de expressão, como característica da República e da democracia, Spinoza. Então a última coisa que passaria pela cabeça de alguém como seu seria a recusa da liberdade de pensamento e de expressão”.

Entenderam? Como Marilena estuda Spinoza desde a juventude e como ele deu a vida pela liberdade, então ninguém estaria habilitado a debater o assunto com ela. E pensar que esta senhora escreveu um livro chamado “Cultura e Democracia” — é verdade que ela copiou alguns trechos de Claude Lefort, seu amigo do peito — em que ela ataca justamente esse expediente que emprega: recorrer ao “discurso competente” para tentar silenciar os adversários. Vou confessar: eu li Marilena Chaui. E posso dizer: Marilena Chaui é uma fraude intelectual. Vocês não precisam acreditar em mim. O filme acima a expõe de modo completo no amor pela verdade e no rigor conceitual.

Para encerrarMarilena começa a sua fala atacando as tais “três famílias” que dominariam a mídia. Quais seriam? Posso imaginar. Essas três, como se nota, conspirariam contra a “opinião pública”, impedindo o exercício do contraditório. Essa defesa prática da censura e essa truculência fingindo-se defesa da democracia não são novas. Alguém mais sinistramente capaz do que Marilena já fez isso antes.

Publiquei aqui no dia 20 de setembro o texto Somos os “judeus insolentes” do petismo. Ou: “Um dia a gente cala vocês!”. Traduzi, então, um discurso feito por Goebbels no dia 10 de fevereiro de 1933, 11 dias depois de Hitler ter sido nomeado chanceler da Alemanha. Marilena ataca as “três famílias”; Goebbels atacava os “judeus que mandavam na imprensa”. Marilena, como vimos, acredita que a vitória de Serra em oito estados é tisnada pelo “latifúndio” (!); Goebbels já enxerga a conspiração dos “vermelhos”. Marilena acha que as “três famílias” impedem o livre exercício da opinião; Goebbels acreditava que os judeus conspiravam contra o nacional-socialismo. Vocês já viram o discurso da companheira. Seguem alguns trechos da fala do “companheiro” (íntegra da tradução naquele link). O que vocês acham desse meu exercício de história comparada?

Discurso de Goebbels: "Companheiros, antes de o encontro começar, gostaria de chamar a atenção para alguns artigos da imprensa de Berlim que asseguram que eu não deveria merecer a atenção das rádios alemãs, uma vez que sou insignificante demais, pequeno demais e mentiroso demais para poder me dirigir ao mundo inteiro.
Nesta noite, vocês testemunharão um evento de massa como nunca aconteceu antes na história da Alemanha e, provavelmente, do mundo.(…)Quando a imprensa judaica reclama que o movimento Nacional Socialista tem a permissão de falar em todas as rádios alemãs por causa de seu chanceler, podemos responder que só estamos fazendo o que vocês sempre fizeram no passado. Há alguns anos, não falávamos da boca pra fora quando dizíamos que vocês, judeus, são nossos professores e que só queremos ser seus alunos e aprender com vocês. Além disso, é preciso esclarecer que aquilo que esses senhores conseguiram no terreno da política de propaganda durante os últimos 14 anos foi realmente uma porcaria. Apesar de eles controlarem os meios de comunicação, tudo o que conseguiram fazer foi encobrir os escândalos parlamentares, que eram inúteis para formar uma nova base política.(…)Se hoje a imprensa judaica acredita que pode fazer ameaças veladas contra o movimento Nacional-Socialista e acredita que pode burlar nossos meios de defesa, então, não deve continuar mentindo. Um dia nossa paciência vai acabar e calaremos esses judeus insolentes, bocas mentirosas! E se outros jornais judeus acham que podem, agora, mudar para o nosso lado com as suas bandeiras, então só podemos dar uma resposta: “Por favor, não se dêem ao trabalho!”
Ademais, os nossos homens da SA e os companheiros de partido podem se acalmar: a hora do fim do terror vermelho chegará mais cedo do que pensamos. Quem pode negar que a imprensa bolchevique mente quando o [jornal] Die Rote Fahne, este exemplo da insolência judaica, se atreve a afirmar que o nosso camarada Maikowski e o policial Zauritz foram fuzilados por nossos próprios companheiros?
Esta insolência judaica tem mais passado do que terá futuro. Em pouco tempo, ensinaremos os senhores da Karl Liebnecht Haus [sede do Partido Comunista] o que é a morte, como nunca aprenderam antes. Eu só queria acertar as contas com os [nossos] inimigos na imprensa e com os partidos inimigos e dizer-lhes pessoalmente o que quero dizer em todas as rádios alemãs para milhões de pessoas."


Encerro. É isto: somos os “judeus insolentes” do petismo! E está na cara que eles querem nos pegar e acham que estamos com os dias contados."

Por Reinaldo Azevedo