Quando Eduardo Cunha renunciou, o PT
começou a despedir-se do poder de manobra que ainda lhe restava na Câmara dos
Deputados provisoriamente entregue ao bizarro vice eventual, Waldir Maranhão.
Afinal, este é teleguiado pela excrescência chamada PCdoB, partido de ativistas
contra o impeachment mais por chicanas advocatícias do que por votações parlamentares,
pois seus causídicos são imaginosos, mas seu eleitorado é escasso, do tamanho
da fidelidade às determinações de Enver Hoxha, o último tirano da Europa, que
comandou de Tirana, que não se perca pelo nome, a paupérrima e cruel Albânia.
Maranhão não sabe, mas em sua gestão Hoxha é Deus e Flávio Dino, seu chefinho
maranhense, o profeta. Só que ele próprio teria de ser substituído em pouco
tempo por um presidente de verdade, eleito pelos votos dos pares.
A renúncia e o fogo cruzado amigo e
inimigo do ex-presidente da Casa abateram o fanfarrão Cara de Cunha e a eleição
do chefe da Mesa daquela passou a assemelhar-se a um arrumadinho, servido nas
festas juninas de Campina Grande, tantos passaram a ser os ingredientes de sua
receita complexa. Ao meio-dia de quarta 13, inscreveram-se para a disputa 17
puxadores do samba-enredo da Escola de Samba Desunidos do Eu Sozinho.
Chegado de Pernambuco, onde anunciara
que é candidato a presidente da República em 2018 e que Dilma voltará do
ostracismo (nem tanto) do afastamento, Pai Lulinha vislumbrou uma tábua de
salvação nas pretensões de Rodrigo Maia (DEM-RJ), filho do ex-brizolista e
ex-prefeito do Rio César Maia, além de figura de proa de um partido desmanchado
nos anos sob égide petralha. Sem coragem de lançar candidato do desfigurado PT,
Lula prometeu descarregar no antigo adversário preferencial os votos da
bancada, que lhe presta vassalagem, suficientes para esmigalhar o centrão,
guindado ao poder na Câmara por Cunha. E agora com ele expelido.
Só que, numa demonstração de que hoje
pode ser que a criatura se imponha sobre o criador, Dilma o desautorizou
decidindo com o fígado, órgão de seu corpo que ainda funciona, que o venturoso
aliado de última hora foi feroz defensor do impeachment dela. E, então, negou-lhe
apoio. A ideia de lançar Marcelo Castro candidato dos anti-impeachment teve a
mesma inteligência inspiradora dos imbecis que convenceram a “presidenta” a
apoiar Arlindo Chinaglia na disputa inglória que Eduardo Cunha venceu,
esmagando no primeiro turno e de uma vez só o insigne e insignificante petista
e o anticandidato tucano sem força nem voto.
Depois de uma passagem pelo
Ministério da Saúde em que disse torcer para que as mulheres férteis do Brasil
contraíssem a zika antes de engravidar, Marcelo Castro cumpriu a sina de bobo
de corte deposta. Beneficiado pelo espírito contemporizador do chefão do PMDB
que assumiu o Planalto, Michel Temer, ao não expulsá-lo do partido por grave
traição, como devia ter feito, o psiquiatra piauiense deixou claro que marcar
uma consulta com ele não avaliza o pleno juízo de psicopata nenhum. E, com o
mesmo ânimo com que só deixou a pasta do desgoverno que desabou para votar
contra o impeachment, partiu encapuzado para o sacrifício como um boi magro
migra para o cutelo do marchante cruento.
E lá foi Lula junto para o previsível
abate com o inglório exército de Brancaleone contra o impeachment de madama. No
primeiro turno Castro teve 70 votos. Somados aos 22 de Luiza Erundina (PSOL-SP)
e mais os 16 de Orlando Silva (PCdoB-SP), foram 108, apenas 2 a mais do que os
106 obtidos pelo ex-cunhista Rogério Rosso (PSD-DF) para ir à disputa no turno
decisivo. Rodrigo Maia, primeiro candidato que Lula tentou apoiar, teve 120 no
primeiro turno. No segundo, 285, que, somados aos 120 de Rosso, tido como
candidato do desfalecido cunhismo, somam 405, 38 mais do que os 367, mais
de dois terços dos 513 deputados, que garantiram a continuidade do processo
contra Dilma e seu encaminhamento ao julgamento final do Senado. Esta
aritmética primária mostra que a situação de Dilma no julgamento final não está
melhor agora, como o patrono dela acaba de jurar em Pernambuco.
A presidência da Câmara é muito
importante. O vencedor ocupa o cargo durante ausências do vice-presidente em
exercício, Michel Temer, em mais uma jabuticaba azeda – essa tolice de
presidente brasileiro não governar fora do território nacional, como o fazem
governantes de outros países mais relevantes no panorama geopolítico. Mas a
contabilidade do impeachment revela mais: a tentativa de protelar seu
julgamento final no Senado para as calendas de agosto, quem sabe novembro, com
todo o esforço que o inspirador do boneco Petralowski, do grupo Nas Ruas, tem
feito, de nada adianta. A lição está aí. É duvidoso que Dilma, Lula e a PT a
tenham compreendido. Mas os expoentes do Senado, com assento abaixo da cumbuca
oposta, têm obrigação de ver, entender e imitar.
Neste 14 de julho, pois, talvez seja
de bom alvitre comemorar o resultado da eleição para a presidência da Câmara.
Não apenas por ter representado uma nova derrota na marcha de Lula, Dilma e do
PT ao tentarem retomar o poder que não honraram quando permitiram a ocupação da
máquina pública por uma organização criminosa cujos tentáculos partidários,
burocráticos e políticos exauriram a República, levando-a à mais desavergonhada
sordidez ética, à mais grave crise econômica e ao maior caos político da
História.
Mas também e principalmente pela
capacidade que os poderes republicanos tiveram de sair de uma situação de
pulverização inimaginável para encontrar uma saída que preservou um mínimo de
integridade institucional. Ainda há uma íngreme subida a escalar com muito peso
nas costas e poucas porções de pão ázimo e água doce para galgar das
profundezas de pré-sal a que chegou a Nação. Mas o sinal de rearticulação dado
a partir da evidência de que a sociedade luta para manter algum pudor e
pressionar os encarregados das instituições a evitarem afundar ainda mais no
pântano cívico é patente. Até mesmo para um velho pessimista e cínico como este
degas aqui. É animador ver uma situação que beirava a total degradação apontar
não a luz no fim do túnel, mas a nesga de céu vista por quem olha do poço de
muita profundidade. Deus nos acompanhe nesta subida íngreme, neste inóspito
inferno a superar, e nos leve à possibilidade de reconstruir tudo do nada a rés
do chão.
Agora Cunha está fora do
caminho e o povo sem mandato provou que tem força para impor a vontade de mais
de 120 milhões de brasileiros: Cunha fora, fora Dilma! Esta é a palavra de
ordem neste veranico seco, mas fértil em lições politicas e neste dia em que a
civilização comemora o 227º aniversário da Queda da Bastilha. Allons,
enfants de la patrie, vamos lá, filhos da pátria.