segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Paulo Francis e a Petrobrás

Paulo Francis foi um dos maiores intelectuais brasileiros. Extremamento inteligente e bem informado (e bem formado, também), era um polemista temível e respeitado, especialmente no papel de jornalista, figurino que vestiu na maior parte de sua vida.

Foi processado pela Petrobrás nos Estados Unidos. Em virtude da condenação recebida (derivada de crimes contra a honra que teria praticado contra  os dirigentes daquela multinacional), entrou em tão elevado nível de angústia, conforme relatos dos que conviviam com ele, que sofreu um infarto fulminante que resultou em sua morte.

Paulo Francis foi condenado, pela Justiça americana, a pagar a indenização de U$100 milhões de dólares aos dirigentes da Petrobrás que ele teria ofendido, difamado e caluniado. 

E qual foi a calúnia perpetrada contra tais figurões que os deixou tão ofendidos na sua honorabilidade? Foi dizer que havia um tal nível de corrupção na cúpula dirigente, que suas contas secretas na Suiça se mediam em alguns milhões de dólares. Doce ilusão do quase sempre bem informado jornalista. O capilé é muito mais robusto.

Pois bem, um dos capos da quadrilha que assaltou a Petrobrás nos últimos anos - somente ele, mero estafeta de 4° escalão - confessou tudo e se prontificou a devolver quase U$100 milhões, frutos de propina diligentemente acumulada. Quanto não terão levado os de nível mais elevado? E não se diga que o problema está nas indicações políticas de estranhos ao ninho para as diretorias da empresa. Todos, ou praticamente todos os diretores, provém dos funcionários de carreira da mastodôntica criatura. A Petrobrás, pelo que se vê, não pertence ao povo brasileiro. Ela é, de fato, uma empresa privada dos funcionários da Petrobrás. 

O Brasil está a ver por quais razões os "patriotas" não querem nem pensar num processo honesto de privatização da Petrossauro, como a chamava outro sábio, o ex-embaixador Roberto Campos. Nenhuma empresa privada se deixaria saquear dessa maneira, como fizeram, e fazem, os que controlam seus cofres: uma verdadeira casa da mãe Joana. Ou mãe Graça, ou mãe Dilma, como queiram. Metaforicamente, é parte de seu DNA institucional.

A Petrobrás, entre suas incontáveis dívidas, tem a de pedir perdão à memória de Paulo Francis. Fizeram com ele uma cafagestada digna dos mais truculentos beleguins da ditadura militar. Uma empresa privada séria jamais aceitaria indicação, para qualquer cargo, advinda de gente da estirpe de Severino Cavalcanti (que reivindicava outrora a famosa e estratégica diretoria "que fura poços"). A Petrobrás, porém, aceitou; enfeitou-se com dirigentes dignos de uma multinacional cucaracha, ao estilo bolivariano da petrolífera Venezuelana.     

Auditoria independente e corrupção

O ex-blog de Cesar Maia faz importantes reparos quanto às responsabilidades pelos sucessivos escândalos envolvendo as estatais. É o caso dos auditores independentes que fiscalizam os balanços de tais empresas. Seguem abaixo os comentários do ex-prefeito do Rio de Janeiro, publicados hoje, 24 de novembro de 2014.

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"LAVA JATO: E OS “AUDITORES INDEPENDENTES” NÃO TÊM NADA A DIZER? NÃO TÊM RESPONSABILIDADE?
            
1. A operação Lava Jato cobre um período de nove anos. São nove anos de balanços e demonstrações contábeis-financeiras da Petrobras, auditadas por empresas privadas de auditoria. Empresas têm dois sistemas de controle: um interno –da própria empresa- e outro externo –de empresas de auditoria independentes. No caso de empresas estatais federais, a CGU –do governo federal- pode fazer sua própria auditoria externa. E tem feito.
            
2. No entanto, por mais que a CGU se empenhe nesses levantamentos, não tem os instrumentos e o pessoal para cobrir a rotina de uma megaempresa como a Petrobras. O Controle Interno da empresa e os Auditores de seus balanços atuam com seus auditores de forma permanente, diuturnamente. Têm muito mais condições de identificar desvios.
            
3. Especialmente um mega-desvio como esse da Petrobras, que já está classificado entre os dez maiores de todos os tempos envolvendo governos. Só agora, na publicação do balanço do terceiro trimestre, é que os auditores independentes se declararam não inteiramente informados e não quiseram assinar o balanço desse trimestre. E antes. Estava tudo normal?
            
4. É claro que as empresas de auditoria independente devem ser chamadas a depor e comprovar por que não tinham como detectar os escândalos na Petrobras. Ou..., serem responsabilizadas como em outros casos em que grandes empresas de auditoria tiveram que fechar ao serem responsabilizadas por omissão em suas auditorias externas. Quantas e quais foram as ressalvas apresentadas pelos auditores independentes da Petrobras?
            
5. Lembremos –apenas como exemplos- dois casos importantes e recentes:
        
5.1. Arthur Andersen. No início dos anos 2000, a Arthur Andersen era uma das “Big Five”, o grupo das cinco grandes empresas de auditoria financeira do mundo. A tradição da Andersen, fundada em 1913, no entanto, não evitou sua ruína. A empresa foi tragada pelo escândalo financeiro da distribuidora de energia Enron, da qual ela era auditora. O caso Enron foi o mais emblemático na série de escândalos financeiros que assolaram os EUA no começo da década. Sob a esteira desses episódios, foi criada a Lei Sarbanes-Oxley, nascida para tentar coibir fraudes contábeis.
        
5.2. Lehman Brothers. A empresa Ernst & Young, responsável pela auditoria da empresa deu parecer sem reservas. Até que ponto deve-se responsabilizar a auditoria, e os gestores da empresa? O trabalho demonstra que houve de fato uma gestão fraudulenta e a empresa de auditoria nada detectou, ficando demonstrado ao final a responsabilidade da Ernst & Young no caso, trazendo mais uma vez a questão da independência dos auditores. O Lehman Brothers era o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos – e o mais antigo. Fundado em 1850, mas não conseguiu passar incólume pela crise financeira internacional de 2008. A quebra do banco foi o momento mais emblemático das turbulências: o dia 15 de setembro de 2008, quando o Lehman pediu concordata, é considerado o marco zero da mais recente crise financeira global". 

domingo, 23 de novembro de 2014

A Lei Anticorrupção aqui e agora (Professor Modesto Carvalhosa)

(Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO de 22 Novembro de 2014)

"Extraordinário é o momento histórico que estamos vivendo com o implacável desenrolar da Operação Lava Jato, que tem exibido a fratura exposta da corrupção no seio do poder público em concurso com empreiteiras e fornecedoras, por meio da mãe de todas as virtudes - a Petrobrás. Essas medidas muito se assemelham às da Operação Mãos Limpas, realizada na Itália nos anos 90 do século passado, que dizimou, mediante o instrumento da delação premiada, núcleos seculares da máfia incrustados no governo, no Legislativo e no Judiciário, a ponto do seu primeiro-ministro, muito prestigiado na Europa, Giulio Andreotti - até ele - ter-se envolvido por décadas com a Cosa Nostra.

Entre nós, essa torrente de "malfeitos" que somam, mediante superfaturamento, dezenas de bilhões de reais provocam manobras diversionistas do governo, das empreiteiras implicadas e da própria Petrobrás, tentando, todas elas, evitar a aplicação da Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em fins de janeiro deste ano.

A propósito, as empreiteiras estão dizendo que a Lei Anticorrupção não está em vigor, por faltar a sua regulamentação. Trata-se de uma falácia, pois o seu artigo 31 determina: "Esta Lei entrara em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação" - que se deu em 1.º de agosto de 2013. Portanto, está vigendo desde 1.º de fevereiro do corrente ano de 2014. A regulamentação restringe-se a um simples parágrafo do artigo 7.º, que trata de critérios a serem estabelecidos pela Controladoria-Geral da União (CGU) que poderão ser adotadas pelas empresas que quiserem instituir o regime de compliance, que não é obrigatório e apenas serve para, eventualmente, atenuar as penas advindas do processo penal-administrativo.

Outro argumento é que a Lei Anticorrupção não seria aplicável à Petrobrás e às empreiteiras envolvidas, pois a sua vigência é posterior aos fatos levantados na Operação Lava Jato. Nada mais enganoso. Os contratos firmados com a estatal estão em plena vigência e execução e são eles o instrumento utilizado para a prática do delito de corrupção, ao longo do tempo, na medida em que não foram, em nenhum momento, cancelados ou mesmo suspensos, apesar das recomendações veementes do Tribunal de Contas da União (TCU).

Da parte do governo temos declaração do vice-presidente da República, do presidente do Tribunal de Contas e do líder parlamentar do PT, que em seminário recente, afirmaram não poderem a Petrobrás, as empreiteiras e as fornecedoras ser processadas pela Lei Anticorrupção porque se não o País para (sic). Tais declarações desses ilustres próceres ensejam desde logo crime de responsabilidade, pois incitam a prevaricação dos agentes públicos encarregados de instaurar os processos administrativos contra as empresas superfaturadoras e a estatal, sob a alegação que são elas grandes demais para ser imputadas. Pasmem!

Não obstante tais "recomendações", devem, imediatamente, a CGU e o TCU requisitar cópia integral dos autos ao juízo federal do Paraná - como já o fez e obteve a própria Petrobrás - para, logo em seguida, se instaurarem os processos penal-administrativos contra as pessoas jurídicas implicadas.
Nesses processos administrativos, as empreiteiras e as fornecedoras vão se apresentar como vítimas... de si mesmas. Isso porque o monstruoso produto dos superfaturamentos resultantes dos contratos e aditivos fraudados são por elas embolsados, restando para os parlamentares, partidos, membros do Executivo, diretores da estatal e intermediários uma parte desse mega-assalto aos cofres públicos, via estatal. Anote-se que as propinas pagas aos múltiplos beneficiários do crime saíram diretamente dos cofres das empreiteiras e das fornecedoras.

Cabe à CGU, na pessoa de seu ministro-chefe, instaurar os processos administrativos contra as empreiteiras e as fornecedoras, que, de acordo com a Lei Anticorrupção, respondem autonomamente pelos delitos corruptivos, independentemente das pessoas físicas envolvidas na operação criminosa. São elas que usufruem a quase totalidade desse mesmo superfaturamento e pagam, de seu caixa, as propinas. E o crime de corrupção caracteriza-se pelos contratos fraudados em pleno vigor e execução, estando, por isso, plenamente abrangidos pela Lei Anticorrupção.

Quanto à Petrobrás, compete a abertura do processo penal-administrativo ao TCU, por sua Secretaria de Controle Externo de Estatais (SCEE), à qual cabem as representações necessárias à imputação dos delitos de corrupção praticados pelas empresas controladas pelo governo. São, portanto, esses dois órgãos da administração federal que deverão, agora, processar as empresas corruptoras e a Petrobrás. Esta última é que fez e faz a triangulação do sistema de corrupção: superfatura os contratos, paga esse superfaturamento às empreiteiras e fornecedoras e estas repassam uma parte do produto do butim aos políticos, aos partidos, aos intermediários e aos diretores da outrora respeitável estatal.

Se a CGU e a SCEE do Tribunal de Contas fizerem corpo mole e não ingressarem - como sugerem o vice-presidente, o presidente do próprio TCU e o líder do PT - com as ações penal-administrativas contra a Petrobrás e as pessoas jurídicas empreiteiras e fornecedoras, serão processados criminal, administrativa e civilmente na pessoa de seus titulares - o ministro-chefe da CGU e o presidente do TCU, conforme estabelece a própria Lei Anticorrupção.

Nessa hipótese de prevaricação instigada, caberá - sempre conforme a Lei Anticorrupção - ao Ministério Público, por delegação legal, assumir o processo penal-administrativo contra a estatal e a grande "famiglia", simpaticamente chamada de "clube" por seus "capi-regimes".
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O autor é jurista e autor, dentre outros, do livro "CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI ANTICORRUPÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS", editado pela Ed. Revista dos Tribunais.