quarta-feira, 1 de maio de 2019

Universidades e rinocerontes


Em curiosa passagem de sua autobiografia, Paulo Duarte dizia que as universidades haviam sido invadidas pelos rinocerontes, ali pelos idos de 1970. Homem refinado e profundamente envolvido com a política e a educação, Paulo Duarte, um dos fundadores da USP, tinha credenciais suficientes para julgar os acontecimentos derivados daqueles, dos quais participara ou testemunhara. Sua atuação foi decisiva - junto com os Mesquita e seu prestigioso jornal - para a vinda das missões estrangeiras que ajudaram a instalar a jovem e pioneira universidade paulista. Outro relato a respeito desses tempos, agora sob a perspectiva de um dos mestres franceses (Claude Lévi-Strauss em seu monumental ensaio Tristes Trópicos), permite enriquecer a visão sobre a dinâmica e o ambiente da época.  

Sim, os rinocerontes invadiram as universidades. Problema maior decorrente de tal fato é a fecundidade das bestas. Multiplicaram-se prodigiosamente, ao estilo de Ionescu (felizes, quase deuses), passando a fazer parte indissociável da paisagem onde se instalaram. Agora, transitam não só pelos campi universitários mas, também, desfilam altaneiros por outros espaços das cidades. 

O governo Bolsonaro terá enormes dificuldades com essas alimárias. Qualquer ameaça, por menor que seja, de esvaziar o cocho habitual, provocará imensa resistência, em especial dos docentes, alunos e técnicos administrativos. As reações ao contingenciamento anunciado pelo Ministério da Educação servirão de alerta para o governo federal. Este poderá ter na manga alguns trunfos. Por que, não, reduzir drasticamente os gastos com os chamados Serviços de Terceiros? Limpeza, vigilância, conservação e outros, como manutenção e alimentação, bem poderiam ser executados pelos alunos das instituições públicas, em escala de rodízio. Tais atividades estariam inclusas no plano de ensino das diferentes unidades acadêmicas. Uma multidão de gente terceirizada ficaria disponível para trabalhar em outros ramos e entidades existentes na sociedade. Seria uma forma de combater parte da herança senhorial e escravocrata que nos avassala. 

Um passeio pelos campi permite construir uma imagem desse anacronismo. Enquanto milhares de alunos dessas madraçais estudam os textos sagrados do gramscismo, inumeráveis e opacas figuras, como sombras vivas, manejam suas vassouras e baldes d'água pelas salas, banheiros e corredores para que os sinhozinhos e sinhazinhas se sintam alegres e confortáveis ao longo de estafante dia de trabalho e estudo (ufa!).