quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Por que as ditaduras duram tanto? (Leandro Narloch)

"Os líderes da Coreia do Norte parecem ter saído de um filme de comédia ou ficção científica, mesmo assim estão tranquilos no poder do país há 66 anos. Em Cuba, não há perspectiva de democracia mesmo se houver reformas econômicas e fim do embargo. Por que ditaduras, mesmo as mais patéticas e improducentes, são tão duradouras?
A resposta mais comum mira na capacidade do ditador de aterrorizar dissidentes ou ameaçá-los com retaliações econômicas. Norte-coreanos suspeitos de conspiração são logo executados; opositores cubanos perdem privilégios (como o emprego na universidade ou a vaga num ponto de táxi) e ganham cargos insalubres no interior do país.
Um artigo da última edição do Journal of Public Choice dá mais uma explicação – e uma explicação curiosa. Revoluções contra regimes tiranos são raras por causa do problema de ação coletiva, o mesmo fenômeno que facilita a pesca excessiva nos oceanos ou que leva moradores de condomínios com conta coletiva de água a gastarem mais.
O problema clássico da ação coletiva consiste no seguinte: diante de bens coletivos, as pessoas nem sempre agem individualmente como seria melhor para elas coletivamente.
Para os pescadores, é melhor que todos deixem de pescar durante a desova, de modo que o bem público (os cardumes) seja preservado. Individualmente, porém, é mais vantajoso pescar a qualquer hora contanto que os demais não pesquem no período de desova. Se a maior parte dos pescadores cooperar, os cardumes serão preservados também para o Gerson que pescou quando não deveria.
Do mesmo modo, para evitar sustos na conta de água do condomínio, é bom que a maior parte dos moradores economize. No entanto, se um morador passar uma hora no banho enquanto os outros se limitarem a 5 minutos, no fim do mês ele pagará a mesma parcela da conta de água que os vizinhos.
Os bens públicos costumam ser “não excludentes” – o benefício que eles fornecem é dividido entre todos os cidadãos, inclusive aqueles que não contribuíram. Por isso há pouco incentivo para cada indivíduo cooperar. Sem garantia da participação dos outros, pouca gente coopera. O resultado é a “tragédia dos comuns”. Todos pescam demais, e os peixes acabam. Todos gastam muita água, e os dígitos proliferam na conta do condomínio.
A revolução contra uma ditadura também é um bem público – e sofre do mesmo problema. Coletivamente, seria melhor se todos os cidadãos sob um regime opressor se revoltassem. Individualmente, porém, é mais vantajoso ficar em casa assistindo Sessão da Tarde enquanto os outros cidadãos arriscam a vida no movimento rebelde.

Se a revolução fracassar, quem ficou em casa não correu o risco de vida ou de retaliação econômica. Se a revolução for vitoriosa, o benefício que ela trouxer será dividido entre todos os cidadãos – inclusive aqueles que permaneceram no sofá. Como um incentivo desses, ninguém se revolta. O bem público – a revolução – desaparece. E a ditadura continua.
Para o economista alemão Thomas Apolte, autor do estudo, a tirania, a miséria ou a desigualdade social de um país não são incentivos suficientes para a queda de ditaduras. “É a estrutura dos mecanismos de comprometimento que é decisiva para explicar revoluções”, diz ele.
A análise das revoluções a partir da teoria dos jogos não é nova. Num artigo de 1971, Gordon Tullock, um dos grandes economistas do último século, chegou a afirmar que boa parte da literatura sobre revoluções precisa ser revista. Historiadores e jornalistas que escreveram sobre o assunto, diz ele, se concentraram demais na situação de um país antes da queda do regime. Mas isso, para Tullock, é pouco relevante se comparado ao balanço entre recompensas e castigos privados dos potenciais revolucionários. “Revolução é assunto de uma literatura elaborada e volumosa e, se eu estiver certo, toda essa literatura está errada”, diz ele.
Uma vítima fácil da teoria dos jogos é a ideia marxista de luta de classes. Ao acreditar que grupos ou classes agem como indivíduos, Marx caiu na falácia de composição – o erro de acreditar que o todo tem a mesma propriedade que a parte. Para a tristeza de cubanos e norte-coreanos, indivíduos nem sempre agem como seria bom para o grupo ao qual pertencem."

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Onde está a ABIN?

O anúncio de Dilma de que iria consultar o MP antes de dar sequência à reforma ministerial gerou críticas do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.  Por meio do Twitter, Joaquim Barbosa afirmou: "Que degradação institucional! Nossa presidente vai consultar órgão de persecução criminal antes de nomear um membro do seu governo!!!". O ministro aposentado também acrescentou que o Ministério Público não tem a função de assessorar o poder político.

As considerações do ex-ministro apontam para uma obviedade indiscutível. O Palácio do Planalto tem à sua disposição a famosa ABIN - Agência Brasileira de Inteligência; é simplesmente ridículo a dita presidente da república querer, agora, a opinião do Ministério Público nas nomeações para cargos de confiança do governo federal. Aliás, causa espanto que a ABIN não tenha informado as autoridades sobre a lambança que vem sendo praticada nos últimos doze anos, e não somente na Petrobrás. Ou, ao contrário, terá informado, sim, porém ninguém deu bola para os espiões palacianos? 

Francamente, uma roubalheira tão institucionalizada e ninguém sabia nada a respeito? A destruição do tecido social (os fatos e suas implicações só faltam gritar de tão evidentes), não nos colocariam frente a uma questão de segurança nacional? A subversão, que tanto preocupava os militares de outrora, levando-os aos desatinos que conhecemos, não é de natureza ideológica; a subversão de verdade é a corrupção.  

PS: Atualizando o comentário. O jornalista Elio Gaspari publicou em sua coluna semanal, um dia após esta postagem, a mesma perplexidade a respeito da ABIN. Se o serviço federal de inteligência e informação é incapaz de detectar as coisas que ocorrem na superfície, descaradamente, teria ele condições de investigar o que se passa nos subterrâneos? Mais espantoso, ainda, é a não divulgação do futuro responsável pela Agência. Um presidente da república sério fundamentaria sua ação política tendo como base uma estrutura tão vital como a de segurança, informação e inteligência. Deveria ter sido o primeiro ministro a ser escolhido.