terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sobre o totalitarismo iraniano (artigo publicado na Folha de São Paulo em 9/12/2009)

CUMPLICIDADE INACEITÁVEL


"A RECEPÇÃO calorosa dada pelo governo Lula ao chefe do regime fundamentalista do Irã não é apenas uma iniciativa controversa da diplomacia lulista. Ela é exemplar de um governo incapaz de fazer distinção entre os interesses nacionais e a obsessão presidencial por liderança entre os grandes deste mundo.Nenhuma chancelaria ignora que o regime de Teerã e o presidente Ahmadinejad representam hoje um dos mais sérios desafios à paz mundial.São, por isso mesmo, objeto de um imenso esforço diplomático para que respeitem os compromissos assumidos no regime internacional de controle da proliferação nuclear e na contenção do terrorismo internacional.
Teerã deu início a um programa de nuclearização que despertou suspeitas de ter objetivos bélicos e vem desrespeitando repetidamente as medidas de controle e de cautela solicitadas pela Agência Internacional de Energia Atômica.Além disso, intervém abertamente na Palestina e no Líbano, dando apoio militar a movimentos armados que não somente recusam qualquer solução de paz com Israel como também contestam e combatem militarmente a própria Autoridade Palestina.Regime teocrático de índole totalitária, Teerã tem-se notabilizado pela perseguição feroz às minorias religiosas, aos opositores e até às lideranças divergentes do próprio regime.
Nesse particular, Ahmadinejad, além de beneficiar-se de fraude eleitoral generalizada, reconhecida por toda a comunidade internacional e por setores do próprio regime, promoveu uma repressão sangrenta às maciças manifestações populares contra sua reeleição.Voz solitária na comunidade internacional, o governo brasileiro foi o único a se solidarizar não com o povo sofrido e violentado do Irã, mas com seus algozes, e o fez no tom irônico e desqualificador adotado pelo próprio presidente Lula.
Ademais, Ahmadinejad fez questão de distinguir-se pela intolerância racial e religiosa, negando o Holocausto e pregando a extinção do Estado de Israel, no que contraria a posição reiterada por nossa política externa nos últimos 60 anos, em consonância com todas as resoluções da ONU sobre o conflito israelo-palestino. Diversas vozes, entre as quais me incluo, alertaram, como era seu direito e seu dever, sobre os prejuízos políticos e morais que as circunstâncias da visita do líder fundamentalista poderiam representar para os interesses do Estado e do povo brasileiro.Essencialmente, os argumentos avançados por José Serra, Celso Lafer e diplomatas brasileiros de elevada reputação, e que desde já subscrevo integralmente, são muito claros.
O objetivo de manter relações diplomáticas ecumênicas, inclusive relações comerciais e até mesmo políticas com qualquer país, não implica dar um atestado público de bom comportamento nem muito menos apoiar políticas condenadas pela carta das Nações Unidas e que colidem com nossos interesses econômicos, políticos, morais e militares.A alternativa excludente entre omissão e endosso moral e político é falaciosa. Existe uma imensa variedade de ações afirmativas de política externa que permitem intervir nas questões globais sem confundir engajamento e cumplicidade.
A visita de Ahmadinejad, pelo valor simbólico de que foi revestida, com a fraterna acolhida pelo chefe de Estado brasileiro e com as reiteradas manifestações de identidade de interesses e de visões da política internacional, foi extremamente lucrativa para Teerã, que teve sua política nuclear santificada e encorajada por uma das maiores e mais importantes democracias do mundo.Isso lhe deu fôlego para recusar o acordo já negociado anteriormente e para anunciar a construção de mais dez refinarias de urânio, em claro desafio a seus interlocutores e à AIEA.Enquanto isso, o voto de censura do Conselho da AIEA às violações de Teerã, aprovado, entre outros, por China e Rússia, não teve apoio do governo brasileiro, que se absteve. Se isso é uma contribuição à "paz desejável", como afirma o principal porta-voz diplomático da presidência, Marco Aurélio Garcia, em artigo publicado na FSP em 26/11, não sabemos mais o que é paz nem o que é desejável. Também não sabemos o que justificou tanto empenho em agradar ao líder xiita, pois o autor se esmerou mais em distribuir ofensas do que em oferecer argumentos plausíveis."

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE , 68, é professor titular aposentado da FEA-USP e pesquisador sênior do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP. É autor de "O Legado de Franco Montoro".

sábado, 5 de dezembro de 2009

"TREZE TESES PARA ENTENDER O MST" - Artigo de Zander Navarro em 5/12/2009)

- Este é um artigo que vale a leitura. Foi publicado na Folha de São Paulo em 05/12/2009.

"Enredado em laranjais, desmatamentos ilegais, a ameaça de uma CPI e infindáveis ações, muitas conduzidas sob impressionante primarismo político, talvez seja oportuno um sucinto balanço sobre o MST, um quarto de século após a sua fundação. Como estudo a organização antes mesmo de ser formada, em 1984, ofereço algumas teses para aqueles que têm interesse nos processos sociais rurais e, particularmente, curiosidade sobre o movimento.
Sobre a sua natureza: não obstante o nome, o MST deixou de ser um movimento social há muitos anos, pois logo se estruturou como uma organização, centralizada no essencial (as formas de luta política e as principais bandeiras), mas descentralizada no varejo, ou seja, liberando a criatividade local. Sociologicamente, movimentos sociais supõem algum grau de espontaneidade na ação e uma liderança flexível, o que o MST não apresenta desde os anos 80. Já as organizações, entre outros aspectos, criam carreiras, e atualmente o Movimento mobiliza centenas de militantes que não sabem desenvolver outra atividade, senão a agitação social.

Os "tempos do MST": a organização nasceu, de fato, na segunda metade dos anos 90, quando passou a frequentar a agenda nacional. Antes era sulista e menos conhecida. Na mesma época, alterou o seu mecanismo principal de financiamento, até então provido pela generosidade de igrejas europeias, pois descobriu os furos das burras do Estado, com o início do processo de reforma agrária e a constituição do MDA, entre outras fontes estatais, das quais extrai os fundos, via entidades fantasia.Mas continua recebendo recursos externos.

A chance perdida: a "Marcha a Brasília", em abril de 1997, foi o único momento em que uma organização popular encurralou o governo de Fernando Henrique Cardoso, forçado a receber os sem-terra no Planalto. Seria o momento ideal da institucionalização, pois foi o auge da influência e do prestígio do MST. Poderia se transformar em agremiação sindical dos mais pobres do campo. Seus líderes, contudo, preferiram a semiclandestinidade, contra uma sociedade que afirmava, cada vez mais, a sua natureza democrática. Sem surpresa, desde então os impasses se multiplicaram, pois esta esquizofrenia política não teria como prosperar.

As alianças na sociedade: cresceram no final da década passada, mas vêm estiolando nos anos recentes. Parece que a população foi cansando de tantas estrepolias não democráticas. Nascido no campo petista, onde está firmemente enraizado, mesmo o PT parece enfastiado com uma organização autoritária que perdeu a sua razão de existência e atira a esmo, enfraquecida porque não tem mais uma agenda própria. Atualmente, apoiam-no setores do catolicismo radical, pequenos grupos em universidades públicas, notadamente cientistas sociais, algumas facções partidárias e, especialmente, estudantes.

Demanda social pela reforma agrária: embora voz isolada, sustento que não existe mais demanda significativa, em quase nenhuma região, que justifique um programa nacional de reforma agrária. Quando muito projetos regionais teriam alguma inteligibilidade, como no Nordeste, por exemplo. É preciso ter a coragem de mudar tudo nesta área, sob pena de manter um surrealismo institucional que desperdiça recursos públicos acintosamente, pois movido unicamente pela inércia e o corporativismo.

Ilusões públicas: o tamanho aparente do MST é muito maior do que a sua expressão real, sendo esta uma de suas armas decisivas para se manter à tona. Usando aliados e espaços da sociedade, amplifica fatos menores e eventos sem expressão, sugerindo ter uma força desmedida. Estrangeiros se confundem com esta paralaxe política, e no exterior se lê com frequência a risível afirmação sobre o "maior movimento social do planeta". Não apenas parece maior do que é, mas o MST tem, na realidade, reduzido sua capacidade de recrutamento e mobilização. Se observadas criteriosamente, as ocupações de terra e outras ações têm diminuído, em número e tamanho. Fosse viável apurar, se concluiria, além disto, que a maior parte daqueles que nelas participam não são sem-terra, mas assentados e seus familiares, recrutados frequentemente sob formas variadas de intimidação.

O poder da propaganda: no melhor estilo "agit-prop" dos antigos partidos comunistas, o MST se apropriou de parte da sociedade civil, a quem domina e usa os recursos a seu favor. Como é uma "organização dos pobres", somente uma minoria contesta o autoritarismo do movimento, desgostosos com posturas que algumas vezes beiram o protofascismo. Existindo um fio capilar que perpassa o MST, o campo petista e, mais genericamente, "a esquerda", poucos confrontam aqueles comportamentos, temendo a represália política.

O entrave principal: o MST não se moderniza porque é preso à visão neolítica de seu dirigente maior, que é, de fato, o dono da organização, para usar um termo apropriado, embora deselegante. Egresso do antigo MR-8, nos anos 70, o leninismo de João Pedro Stédile é que tem impedido o MST de se tornar um ator social relevante. Formou à sua volta uma claque cuja lealdade cultua seu líder e não admite dissidentes. Que o diga José Rainha, o dirigente que afrontou Stédile e acabou exilado no Pontal do Paranapanema, juntamente com o seu MST do B.

"Demonização do MST": são tolas as afirmações sobre iniciativas que supostamente pretenderiam criminalizar a organização. É certo que há setores do empresariado rural que gostariam de liquidar o MST, refletindo sua histórica truculência, mas são irrelevantes em sua expressão social. Denúncias sobre criminalização soam ridículas, em face dos inúmeros atos de óbvia ilicitude. O argumento ignora a democratização e seus imperativos, sendo um absurdo lógico. Ou almejamos uma democracia sob a qual os preceitos legais não valeriam para alguns?

O maior desafio: qual a legitimidade do MST? Ninguém sabe, embora tantas vozes arvorem sua existência. Seus supostos líderes foram escolhidos quando e por quem? E sob qual espaço público, como seria esperado em uma sociedade democrática? Sem legitimação, por que se curvar às suas imposições? Qual é a base social do movimento, alguém saberia dizer? Aqueles que seguem suas ações, militantes ou simpatizantes, fazem-no voluntariamente, porque acreditam no MST, ou porque não têm outra escolha, pois recrutados em assentamentos sob seu domínio, onde controla recursos (públicos) e seleciona politicamente os assentados?

A grande pergunta: é um enigma que as autoridades não exijam a institucionalização do MST. Sobrevivendo primordialmente dos fundos públicos, o Estado tem o direito, senão o dever, de impor tal exigência. Os requerimentos da transparência e publicização são repetidos monotonamente para todos os outros atores políticos, mas, estranhamente, ao movimento é permitido permanecer alheio à mesma institucionalidade. Se integrado, seriam legítimos seus líderes e as reivindicações, e suas disputas sociais se tornariam parte do ordenamento democrático, obtendo alguma tolerância pública. Se o movimento se recusa a esta mudança, preso a um bizarro fetiche ideológico de origem, somente o governo poderá impô-la, bastando ameaçar o acesso aos fundos públicos.

A vitória principal: na realidade, não tem sido manter viva a reforma agrária, ainda que sob crescente esgarçar. A maior vitória do MST é essencialmente política. Qual seja, mudar a correlação de forças no campo, o que é evidenciado por fato incontornável: não existe hoje nenhuma propriedade rural protegida, caso o MST decida conquistá-la. Com a democratização, a Justiça se tornou mais compreensiva e mesmo a repressão policial foi abrandada, deixando de registrar a inominável violência do passado. Sob tais condições, a organização conquista o imóvel que ambicionar. A ironia, contudo, é que esta virada vem ocorrendo quando a demanda pelo acesso à terra desaba em todos os rincões rurais, erodida pela urbanização. Uma vitória pírrica, pois quando finalmente viável, a reforma agrária estancou, já que os interessados debandaram.

E o futuro? O MST se defronta hoje com o seu ocaso e tem apenas um caminho à sua frente. Qual seja, a sua institucionalização, organizando-se a favor do desenvolvimento rural e privilegiando os mais pobres das áreas rurais. Mantendo-se como é atualmente, apenas acentua sua lenta agonia, ainda que tantos cientistas sociais ingênuos propaguem manifestações de inacreditável desconhecimento sobre o mundo rural brasileiro. Nascido para defender a reforma agrária, esta viu passar o seu tempo histórico. Avançou o que foi possível, mas encontra em nossos dias os seus limites de necessidade. Ainda sem sucesso, o MST tem procurado afirmar uma nova agenda ("ódio à ciência, ódio à agricultura moderna, ódio ao empresariado rural"), em nítido desespero demonstrado por tantas iniciativas delirantes, seja por se manter sob um não democrático anacronismo organizacional, seja por defender uma ideologia antimoderna. Se persistir neste rumo, apenas apressará o seu desaparecimento."

ZANDER NAVARRO, 58, mestre e doutor em sociologia, é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra). Atualmente integra a Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

sábado, 28 de novembro de 2009

DA MESMA LAIA (publicado no jornal "O Tempo", de Belo Horizonte, em 28/11/2009)

"Os outros presidentes são todos da mesma laia!" O autor da frase é ele mesmo. Sim, é ele, o atual presidente da República, Lula da Silva, que assim se referiu aos seus antecessores em evento recente na capital mineira. Nem é preciso ir a um dicionário para saber que laia é uma palavra depreciativa sobre alguma característica comum a um grupo de pessoas. Mais do que um arroubo eventual em linguagem de sarjeta, no entanto, a assertiva presidencial mostra ao grande público a forma habitual de pensar de um homem carente de qualquer estofo espiritual. Carência, aliás, não só dele, como, também, daqueles que o cercam e o seguem caninamente.

Não é de se estranhar, então, que a vulgaridade esteja mais presente em sua língua do que a própria saliva. A coleção de desatinos daria para fazer um dicionário político-pornográfico. Do ponto de vista político, a forma lulesca de conceber o mundo (dividido, segundo seus acólitos, entre "nós" e "eles") mostra a incrível persistência de uma concepção de origem stalinista, mesmo após aquela sangrenta ditadura comunista ter-se dissolvido no tempo.

Pois não é que Lula, Zé Dirceu e Dilma (para ficar apenas nos nomes mais notórios) desenterraram do museu das perversões históricas a teoria de Jdanov? Esse tal de Jdanov, ex-ministro da Cultura do regime soviético, dizia que o ambiente político se dividia em dois campos: os que estão conosco e os outros que, certamente, não estando conosco, estão contra nós.

Assim, quem estiver "conosco" pode ser o maior patife, o maior gângster ou o maior canalha que, apesar disso, será acolhido no ninho (deixam de ser piratas para virarem corsários do rei). Estão aí os nomes emblemáticos de Sarney, Maluf, Calheiros, Jáder Barbalho e toda a turma do mensalão.

Essa gente primitiva reduz o mundo, portanto, a duas possibilidades antagônicas: se não é preto, é branco; se não é amigo, é inimigo; se não é crente, é descrente. A rigidez mental os leva a praticar, ao longo da vida, os maiores desatinos, inclusive a tortura e o assassinato em massa. Não possuem qualquer limite. Estão aí para o demonstrar os exemplos do dia a dia. A própria corrupção do governo Lula, com sua frondosa cleptocracia, é uma herança ideológica do stalinismo, conforme se observa na estrutura similar da Rússia atual, ainda marcada pelos hábitos de Stalin.

Não é algo fortuito: é parte de um sistema, de um modo bárbaro de ver e de viver. Nada diferente de Hitler e similares que povoaram a história humana. Quem duvidar se ponha a ler as manifestações de Zé Dirceu, Dilma e de outros asseclas conhecidos que os seguem e defendem.

O propósito deliberado desses liberticidas é implantar nos trópicos uma imitação barata e tardia dos regimes totalitários de outrora. O culto à personalidade, ao estilo stalinista, é apenas a parte visível do processo. Tem o resto.

TAMBÉM SEM COMENTÁRIO - "A outra epidemia" (artigo de Lya Luft, de 28/11/2009)

"Para mim, escrever é sempre questionar, não importa se estou escrevendo um romance, um poema, um artigo. Como ficcionista, meu espaço de trabalho é o drama humano: palco, cenário, bastidores e os mais variados personagens com os quais invento histórias de magia ou desespero. Como colunista, observo e comento a realidade. O quadro não anda muito animador, embora na crise mundial o Brasil pareça estar se saindo melhor que a maioria dos países. De tirar o chapéu, se isso se concretizar e perdurar. Do ponto de vista da moralidade, por outro lado, até em instituições públicas que julgávamos venerandas, a cada dia há um novo espanto. Não por obra de todos os que lá foram colocados (por nós), mas o que ficamos sabendo é difícil de acreditar. Teríamos de andar feito o velho filósofo grego Diógenes, que percorria as ruas em dia claro com uma lanterna na mão. Questionado, respondia procurar um homem honrado.
Vamos ter de sair aos bandos, aos magotes, catando essa figura, não uma, mas multidões delas, para consertar isso, que parece não ter arrumação? Se os homens nos quais confiamos, em seus cargos importantes, já não servem de modelo, devemos dizer aos nossos filhos e netos que não olhem para aquele lado nem os imitem? O Senado da República, só para citar um caso atual, teve sua maior importância em Roma, a antiga, e se originou nos milenares conselhos de anciãos, ou homens sábios e meritórios de tempos remotos. O Senado Romano também não era um congresso de santos: até Brutus ali tramava, ocultando nas vestes o punhal com que mataria Júlio Cesar, seu protetor. Afinal eram – e são – todos apenas humanos, e o problema sempre começa aí. A noção idealizada de um grupo de homens virtuosos liderando tornou-se mais realista, levando em conta as nossas mazelas. E daí? – dirão os mais céticos. Toda família tem seu esqueleto no armário, todo povo também: houve papas assassinos e mulherengos, reis dementes, rainhas devassas, e alguns normaizinhos, que só buscavam cumprir seus deveres e cuidar da sua gente sem prejudicar ninguém.

Eu queria preservar a imagem dos homens públicos como uma estirpe vagamente nobre, em cargos solenes, que lutariam pelo país ou por sua comunidade, por nós todos, buscando antes de tudo o bem dos que neles confiaram. Em caso de dúvida ou perplexidade, a gente olharia para eles e saberia como agir. Mas, como de um lado nos tornamos mais abertamente corruptos e de outro estamos mais condescendentes, instalou-se entre nós uma epidemia moral. Se fomos criados acreditando que o importante não é ter poder, mas ser uma pessoa honrada, estamos mal-arranjados. Pois, na vida pública, não malbaratar o dinheiro, não fazer jogos de poder ilícitos, não participar das tramas, ficar fora da dança dos rabos presos em que todos se protegem, virou quase uma excentricidade. Quem sabe o jeito é engolir sapos inaceitáveis: fim para o idealismo, treinem-se um olho clínico e cínico, enchendo bolsos e esvaziando pudores na permissividade geral que questiona o velho conceito de certo-errado. Talvez ele não passe de uma ilusão envelhecida, para sobreviver em vez de afundar. Não sei. A cada dia sei menos coisas. Antigas certezas se diluem: calejados pelas decepções, vacinados contra a indignação, não sabemos direito o que pensar. Então não pensamos.
A sorte é que apesar de tudo o país anda, a grande maioria de nós labuta na sua vidinha, trabalhando, pagando contas, construindo casas e ruas e pontes e amores e famílias legais. Lutando para ser pessoas decentes, as que carregam nas costas o mundo de verdade. É a nós – o povo, independentemente da cor, da chamada classe, da conta bancária ou do lugar onde mora – que os ocupantes de cargos públicos devem servir. Nós os elegemos e pagamos (coisa que nosso lado servil costuma esquecer), e não podemos ser contaminados por essa epidemia contra a qual não há vacina, mas para a qual é preciso urgentemente encontrar alguma cura. Enquanto ela não chega, mais uma vez eu digo: meus pêsames, senhores."
(Lya Luft é escritora)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

SEM COMENTÁRIOS: "OS FILHOS DO BRASIL" - (publicado na Folha de São Paulo de 27/11/2009)

O relato abaixo é tão estarrecedor que carece de comentários. E o tempo mostrará, provavelmente, coisas piores.





"A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade. Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano. Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal". Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite. Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos. Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile. Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo. Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles. Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.

Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura. Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.


São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossa campanha.Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço. Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: "Você esteve preso, não é Cesinha?" "Estive." "Quanto tempo?" "Alguns anos...", desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: "Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta". Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de "menino do MEP", em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do "menino", que frustrara a investida com cotoveladas e socos. Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o "menino do MEP" nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram. O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu.


Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto. Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade. Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada. A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos. O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos. Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.

(CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha)".

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

APAGÕES DE DONA DILMA

Dona Dilma é o apagão em pessoa. Em tudo que põe a mão o resultado é sempre nefasto. Na época do regime militar meteu-se a guerrilheira e estrategista de grupos políticos onde pontificavam figuras que hoje são bem conhecidas pelas suas ações torpes (Zé Dirceu, José Genoíno e outros craques do mensalão). Pelo padrão do que fizeram recentemente imagine-se as trapalhadas que fizeram no passado! A turma pretendia erigir no Brasil um governo ao estilo Chinês, Cubano ou Albanês (sempre é bom ressaltar que a moçada acima não tinha qualquer devoção à democracia constitucional, vista por eles como construção burguesa e reacionária). Pois bem. Dona Dilma foi bem sucedida nos seus objetivos? Claro que não, exceto no que se refere aos assaltos a cofres e bancos, os quais renderam grossa pecúnia que, até hoje, não se sabe para que serviu ou se foi devolvida a seus legítimos donos. Estes atos políticos da madame configuraram assim, de fato, seu primeiro e precoce apagão.

Nomeada ministra das Minas e Energia, já em 2003, cultivou a pretensão de reorganizar o sistema elétrico nacional. Os resultados de sua aventura gerencial estão aí ao alcance dos olhos e dos bolsos de todos. Primeiramente, a inexplicável e vergonhosa manipulação de índices de reajuste das contas de energia elétrica nestes últimos sete anos (sob a batuta de Dona Dilma), que acarretou prejuízos de bilhões de reais aos consumidores. E agora, antes de findar a primeira quinzena de novembro de 2009, o colapso no fornecimento de energia a mais de 60 milhões de brasileiros, com transtornos de toda ordem principalmente nos grandes centros urbanos (Rio de Janeiro, São Paulo etc). Só falta a ela atribuir os desatinos observados (e que estavam, e estão, sob sua responsabilidade direta), a Fernando Henrique Cardoso e seus perversos neoliberais. Ela e Lula da Silva, e mais ninguém, são os donos deste apagão. Não podem se furtar à paternidade nem jogar a criança no colo do senador Lobão. Este patético ministro, clone degenerado daquele de triste figura, parece ser muito mais um espantalho fugido de algum milharal que qualquer outra coisa. Causa pena vê-lo e ouví-lo tentando explicar o que escapa a seu entendimento. Deveria, se tivesse algum discernimento, deixar a tarefa ao encargo da mãe do PAC, este aborto mal concebido e congenitamente apagado.

Pelo andar da carruagem, Dona Dilma que se cuide. A companheirada dificilmente carregará um cadáver até a cova. No máximo, fará como ensina a velha sabedoria mineira: acompanhará o cortejo até a porta do cemitério. Os apagões sucessivos que serão creditados no passivo da madame tornarão sua candidatura a presidente em 2010 algo inviável. É só questão de tempo a retirada de seu nome e a entrada de um novo personagem, mais confiável ao cerne do petismo e com mais chances de vitória. O assanhamento de Aécio Neves, talvez, seja um indicador desta percepção quanto às mudanças do quadro político (afinal de contas não se deve esquecer que os palácios do Planalto e da Liberdade se aconselham, ambos e simultaneamente, com a Vox Populi, autarquia especializada em pesquisas e marketing eleitoral desde os tempos de Newton Cardoso e de Fernando Collor). Dona Dilma está a um passo de entrar no caixão. Querendo-o ou não. Que prepare as eças, as velas e a mortalha.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Mais Yoani - reflexões sobre o racismo em Cuba

“Te paré porque eres blanca”, me dice el taxista después de chirriar las gomas en la calle Reina, cerca de la medianoche. De sus gruesos labios de mulato salen las justificaciones -una tras otra- de por qué no acepta clientes “de color” a estas altas horas. Busca complicidad en mí, que nací en un barrio mayoritariamente negro y me encantan las pieles color canela. Apenas lo escucho. Me molestan especialmente los que discriminan a sus iguales: el custodio del hotel que increpa al cubano pero deja pasar a un turista que grita y gesticula; la prostituta que se va -por diez pesos convertibles- con un canadiense que le duplica la edad, con tal de no parecer “derrotada” por aceptar a un compatriota; el santiaguero que una vez instalado en La Habana se burla del acento de quienes vienen de su propio pueblo.
Muchas veces me levanto y tengo ganas de ser mestiza como Reinaldo o como Teo, porque cuando miran mi nariz recta y mi pellejo blancuzco creen que me ha sido fácil. Nada de eso. Hay muchas formas de ser apartado, pues junto al racismo conviven aquí la discriminación por origen social, la estigmatización por filiación ideológica y la exclusión si no se pertenece a un clan familiar con poder, influencia o relaciones. Qué decir de la subestimación que se recibe en una sociedad machista al tener un par de ovarios enclavados en medio del vientre. De ahí que me incomode tanto la disertación del chofer, que ha detenido el auto ante la palidez de mi piel. Tengo ganas de bajarme, pero es tarde, muy tarde.
¿A qué te dedicas? me pregunta bajo el semáforo de la calle Belascoaín. Soy blogger -le advierto- y las luces de la avenida Carlos III me dejan ver su cara de suspicacia y temor. “Fíjate, no vayas a contar lo que acabo de decirte”, indica cambiando el tono complaciente que tenía al recogerme en medio de la penumbra. “No quiero que después publiques en Internet boberías sobre mí”, me aclara mientras se toca la entrepierna en un gesto de poder. El pelo lacio ha dejado de ser un motivo para confiar en mí, ya mis ojos no le parecen tan almendrados y cuando le explico -con mis delgados labios- los temas que abordo en el blog, es como si lo amenazara, navaja en mano, un peligroso delincuente. Compruebo entonces que su espectro clasificatorio no sólo estigmatiza algunos matices de color, sino también ciertas tendencias de opinión, esos tonos que no se llevan sobre la epidermis pero que provocan también -en esta Isla- muestras de segregación y rechazo".

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

UNIBAN E INCIVILIDADE

O professor Robert C. L. Moffat, do Levin College of Law (University of Florida, Gainesville), escreveu um instigante artigo para discutir a questão da chamada incivilidade: “Incivility as a Barometer of Societal Decay”. A tradução ligeira de pequeno trecho (realizada por meu filho), segue abaixo. Seu enfoque pode nos ajudar a compreender algumas situações que temos vivido no Brasil (como, por exemplo, o caso da expulsão da aluna da UNIBAN ocorrido recentemente).

“O século que findou tem sido caracterizado (nas nações industrializadas), por uma prosperidade enorme e sem precedentes, bem como pelo florescimento do individualismo que essa prosperidade alimenta. No começo do século XX esse panorama preocupava a Emile Durkheim, tendo ele previsto o desmantelamento da sociedade numa anomia, caso a solidariedade, que gera a coesão social, fosse perdida. Ele percebia que a coesão social é baseada numa participação na consciência coletiva, e esta é a moralidade comum que une toda a sociedade. Traduzindo para os termos da nossa discussão, a consciência coletiva significa que a adesão aos laços sociais é refletida na civilidade da sociedade. Ao mesmo tempo, incivilidade é uma indicação de anomia. Indivíduos bem-sucedidos que tenham perdido os limites morais impostos pela sociedade – a fim de manterem sua força – não hesitam em demonstrar sua incivilidade para com os outros. Há quem veja a ameaça à civilidade nascendo destes “outros bárbaros: relativizadores, autodeferentes, narcisistas e igualitários que agora queimam as cidades”.Na verdade, estudos recentes indicam que pessoas excessivamente umbigocêntricas são as mais agressivas quando criticadas. Um destes estudos conclui que “os narcisistas querem, principalmente, punir ou destruir alguém que tenha ameaçado suas altamente favoráveis impressões de si mesmos.” Por que tais egoístas deveriam se importar com os outros no mínimo que fosse? Seu único motivo seria porque os outros poderiam ser usados para ajudá-los a atingir seus próprios objetivos egoístas. Portanto, a civilidade é um indicador importante da saúde de uma sociedade. A incivilidade pode, da mesma forma, indicar um declínio social. Levada às últimas conseqüências, ela não significa outra coisa se não a destruição da sociedade.
Numa perspectiva durkheimniana, agora é possível de se ver quão pálidos são os efeitos da incivilidade, em comparação com os verdadeiros custos que ela pode acarretar: a perda da coesão social que é, também, a raiz da causa social de nossa burguesia incivilizada. Civilidade é a moralidade durkheimniana, ou seja, uma adesão aos laços sociais. Incivilidade é o seu oposto, a anomia, a perda dos limites daqueles laços sociais. Tal fenômeno significa que a sociedade perdeu sua coesão. E, uma vez que a coesão é o cimento que mantém a sociedade unida, a presença dessa anomia é, em si mesma, um barômetro da deterioração social.” O autor, repito, está se referindo à realidade americana, porém, aquilo que diz pode muito bem se aplicar ao nosso caso. Para muitos, talvez, este tipo de reflexão pareça complicada e pedante. Mas é importante que nunca se abandone a capacidade de pensar. Creio que se não fizermos isto cairemos na armadilha da barbárie.

DESDE CUBA - blog de Yoani Sanchez

"Después de una agresión, hay ciertos miopes que culpan a la propia víctima por lo ocurrido. Si es una mujer que ha sido violada, alguien explica que su falda era muy corta o que se contoneaba con provocación. Si se trata de un asalto, los hay que sacan a relucir el llamativo bolso o los brillantes aretes que despertaron la codicia del delincuente. En caso de que se haya sido objeto de la represión política, entonces no faltaran quienes aleguen que la imprudencia ha sido la causante de tan “enérgica” respuesta. La víctima se siente -ante actitudes así- doblemente agredida.
Las decenas de ojos que vieron como a Orlando y a mí nos metieron a golpes en un auto, preferirían no testificar, sumándose así al bando del criminal.
El doctor que no levanta un acta de maltratos físicos porque ya ha sido advertido de que en este “caso” no debe quedar ningún documento probando las lesiones recibidas, está violando el juramento de Hipócrates y haciendo un guiño cómplice al culpable. A quienes les parece que debería haber más moretones y hasta fracturas para empezar a sentir compasión por el atacado, no sólo están cuantificando el dolor, sino que le están diciendo al agresor: “tienes que dejar más señales, tienes que ser más enérgico”.Tampoco faltan los que siempre van a alegar que la propia víctima se autoinfligió las heridas, los que no quieren escuchar el grito o el lamento a su lado, pero lo resaltan y lo publican cuando ocurre a miles de kilómetros, bajo otra ideología, bajo otro gobierno. Son los mismos descreídos a los que les parece que la UMAP fue un divertido campamento para combinar la preparación militar y el trabajo en el campo. Esos que aún siguen creyendo que haber fusilado a tres hombres está justificado si de preservar el socialismo se trata y que cuando alguien golpea a un inconforme, es porque este último se lo buscó con sus críticas. Los eternos justificadores de la violencia no se convencen ante ninguna evidencia, ni siquiera ante las breves siglas E.P.D. sobre un mármol blanco. Para ellos, la víctima es la causante y el agresor un mero ejecutor de una lección debida, un simple corregidor de nuestras desviaciones."

terça-feira, 27 de outubro de 2009

"A PEDRA, O BAGRE E A PERERECA..." Mais um texto imperdível de Augusto Nunes

Em 26 de outubro o jornalista Augusto Nunes publicou o texto que segue abaixo. É um retrato preciso da estupidez e da má fé que presidem o Brasil atualmente. Ainda chegará o dia em que as pessoas normais se espantarão com o grau de boçalidade de Lula da Silva e de como foi possível a este homem governar o país.


"A data da inauguração do Brasil reconstruído ainda não foi marcada por culpa da máquina de fiscalização, acaba de informar o presidente Lula. O governo não para de fazer obra, repetiu o maior dos governantes desde Tomé de Souza. Só não consegue completar o serviço porque o Ibama complica e o Tribunal de Contas da União não deixa. O TCU vê irregularidade em qualquer irregularidade. O Ibama já lhe jogou no colo um bagre amazônico, uma perereca gaúcha e, há dias, uma pedra da região de Cabrobó.
“A hidrelétrica ficou parada porque alguém achou que uma pedra arredondada era machadinho de índio, e levou nove meses para descobrir que era só uma pedra”, contou. A plateia adorou a prova mais recente de que o Ibama virou uma catarata de excentricidades antipatrióticas. Melhor que esse, só o caso da perereca. “A gente estava fazendo um túnel de mil e poucos metros no Rio Grande do Sul e encontraram do outro lado do túnel uma perereca”, começa Lula a contar o episódio ocorrido na BR-101 e começa a plateia a soltar o riso.
A segunda frase abre a sequência de gargalhadas que só terminará com o ponto final. “Todo mundo aqui sabe o que é uma perereca”, continua a narrativa. “Pois bem, aí resolveram fazer um estudo para saber se aquela perereca estava em extinção. Aí teve que contratar gente para procurar perereca, e procure perereca, e procure perereca… Sabem quantos meses demorou para descobrir que a perereca não estava em extinção? Sete meses. Sete meses e a obra parada”. Segue-se a gargalhada de encerramento.
“Lula não para de dizer besteiras”, lastima Célio Fernando Haddad, coordenador de Ciências Biológicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Onde o narrador viu uma prosaica perereca, corrige Haddad, os cientistas encontraram quatro espécies de anfíbios ameaçadas de extinção. Os levantamentos que precedem o início de obras não existem para atender a caprichos de ambientalistas, mas por exigência da legislação federal, que protege a vida de espécies ameaçadas.
“O governo que comece a trabalhar mais cedo, não em véspera de eleição e passando por cima das leis”, recomenda Haddad. ”Para um projeto, quase sempre há alternativas, mas uma espécie se perde para sempre”, sublinha Jansen Zuanon, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ele reitera a lição desde que Lula declarou guerra a ”um tal bagre gigante do rio Madeira”, responsabilizado pelo atraso nas obras de usinas hidrelétricas. O nome do peixe é dourada, ensina Zuanon. E não é um bagre qualquer.
Dele dependem a sobrevivência financeira de milhares de comerciantes e a sobrevivência física de incontáveis moradores espalhados por quatro Estados brasileiros ─ Pará, Amapá, Amazonas e Rondônia ─ e porções consideráveis da Colômbia, da Bolívia e do Peru. “Para procriar, a dourada faz uma migração extraordinariamente extensa”, informa o cientista. O Ibama agiu para evitar a consumação de um crime ambiental gravíssimo: a interrupção irresponsável dessa viagem que perpetua a espécie também colocaria em risco a perpetuação da espécie humana na região.
Em 2000, foram concedidas pelo Ibama 139 autorizações ambientais. Subiram para 477 em 2008 e, neste ano, já somaram 125. Lula só se queixa por malandragem. O TCU tem julgado pendências com exemplar pontualidade. Lula só se queixa porque agir fora da lei apressa inaugurações e é bem mais rentável. O problema não é a perereca, nem o bagre, muito menos a pedra. O problema é a incompetência do governo.
O ator no palco vai continuar contando casos inspirados em problemas imaginários, a plateia vai continuar gargalhando. A vassalagem voluntária não é menos desprezível que a ignorância presunçosa."

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ainda sobre as laranjas do MST: "Faltou Sarney no abaixo-assinado"

A lamentável atuação do MST e dos defensores de seus métodos terroristas faz lembrar versos de Ferreira Gullar:

Por que se esforçam tanto
para manter viva
a chama do ódio?

Em 25 de outubro do corrente Augusto Nunes publicou em seu blog mais este comentário que segue abaixo:

"Os oficiais comandantes do Batalhão da Bic já foram trapalhões na hora de tentar justificar o injustificável, atesta o palavrório do sociólogo Ricardo Antunes, um dos articuladores do abaixo-assinado contra a CPI do MST. “É inaceitável a tentativa de criminalizar o MST e empurrá-lo para a clandestinidade”, disse ao Estadão o intelectual da Unicamp.

Decolou mal o professor de Tudo. Ninguém precisa criminalizar um bando que comete crimes o tempo todo: o próprio MST cuidou de criminalizar-se. Tampouco é preciso empurrá-lo para a clandestinidade. Como não tem existência legal, já é clandestino. E completou a decolagem desastrada com o pouso na pista errada.

“É inaceitável também que este Congresso, que chegou ao fundo do poço e cujo presidente tenta cercear o trabalho da imprensa, impedindo a divulgação de informações sobre sua família, se julgue no direito de policiar e tentar sufocar o movimento”. Antunes e o resto do Batalhão jamais se manifestaram contra a erosão ética e moral do Senado, ou contra as bandalheiras do presidente do Congresso, ou contra a censura ao Estadão.

Ruim de gatilho, Antunes mirou no inimigo aparente e acertou um companheiro de lutas e ideais. O mestre da Unicamp começou a usar só agora o verbo criminalizar, que Sarney recita desde 16 de outubro. “É errado criminalizar o MST”, declarou ao incorporar-se formalmente à seita da lona preta.

Autor de uma penca de livros, imortal da Academia Brasileira de Letras, merece entrar na ala dos intelectuais do abaixo-assinado. Antunes, Luis Fernando Verissimo, Emir Sader, Antonio Cândido, Sarney, Collor, Jucá, Renan, todos estão juntos no mesmo trator que, depois do trabalho no laranjal, tenta agora assassinar a verdade sobre a promiscuidade multimilionária entre o governo e o MST".

domingo, 25 de outubro de 2009

O Batalhão da Bic... (do blog de Augusto Nunes)

O texto abaixo foi retirado do blog do Augusto Nunes. Carece de maiores comentários pela clareza contida nele. Diz muito sobre o constrangedor silêncio dos intelectuais acadêmicos e da cumplicidade de tantos com a barbárie.


"O Batalhão da Bic voltou à ativa para socorrer o bandido (24 de outubro de 2009)

Depois de um sumiço de quase sete anos, voltou à ativa neste fim de semana o Batalhão da Bic, formado por fuzileiros civis que se disfarçam de “intelectuais e artistas” para confundir a repressão. Até a posse do presidente Lula, o grupo de elite mantinha a caneta engatilhada todo o tempo, para não perder um único abaixo-assinado contra alguma coisa — da privatização de empresas estatais aos maus modos do guarda de trânsito, da falta de dinheiro federal para a cultura brasileira à impontualidade do entregador de pizza. De janeiro de 2003 para cá, nada conseguiu animá-los a tirar a Bic do coldre.

Para os loucos por um manifesto, pareceram pouco relevantes a institucionalização da patifaria, o escândalo do mensalão e todos os outros, a expansão espantosa do Clube dos Cafajestes a Serviço do Nação, a aliança entre vestais de araque e messalinas juramentadas, a metamorfose obscena do presidente da República, o acasalamento do Cristo paraguaio com os Judas de verdade, fora o resto. Tudo é tolerável, berrou o silêncio do bando. Menos a instalação da CPI do MST.

Isso não passa, descobriu o abaixo-assinado agora virtual, de “um grande operativo das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST”. Com a ajuda da imprensa, claro, esclarece o trecho que comenta a depredação da fazenda da Cutrale: “A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja de ato de vandalismo. Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça”.

Essa gente já escreveu textos menos bisonhos, informam o estilo torturado e o uso de palavrões como “operativo”. Também já teve mais pudor: não é pouca coisa reduzir 10 mil pés de laranja a “alguns”, sem ficar ruborizado, ou fazer de conta que o Incra não é um codinome do MST. Sobretudo, poucos manifestos cometeram erros tão vulgares, como imaginar que a Justiça contesta alguma coisa. As partes contestam. A Justiça julga. Por sinal, julgou em segunda instância a contestação do Incra. Deu razão à Cutrale.

No meio da procissão dos anônimos, o altar das quase celebridades exibe o professor e ensaísta Antonio Cândido e o humorista a favor Luis Fernando Verissimo. O primeiro só não reivindicou uma cátedra da USP para o amigo Lula porque ainda não fez o mestre de nascença entender o que quer dizer catedrático. O segundo matou a Velhinha de Taubaté, personagem que acreditava em tudo o que o governo dizia, porque já não é a única: Verissimo também acredita em tudo o que diz o sinuelo do rebanho. Como os demais signatários, Antônio Cândido e Verissimo provavelmente acham que arroz dá em árvore, desconfiam de que vanga seja um ritmo cucaracha e só tratam de coisas do campo quando conversam sobre futebol. Mas falam de reforma agrária com o desembaraço de quem aprendeu a engatinhar numa roça. Devem saber a diferença entre honradez e corrupção. Sobre isso, nada têm a dizer."

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"DA MESMA LAIA"...

“Os outros presidentes são todos da mesma laia!” O autor da frase é ele mesmo. Sim, é ele, o atual presidente Lula da Silva, que assim se referiu aos seus antecessores em evento recente na capital mineira. Nem é preciso ir a um dicionário para saber que laia é uma palavra depreciativa sobre alguma característica comum a um grupo de pessoas. Mais que um arroubo eventual em linguagem de sarjeta, no entanto, a assertiva presidencial mostra ao grande público a forma habitual de pensar de um homem carente de qualquer estofo espiritual. Carência, aliás, não só dele como, também, daqueles que o cercam e o seguem caninamente. Não é de se estranhar, então, que a vulgaridade esteja mais presente em sua língua que a própria saliva. A coleção de desatinos daria para fazer um dicionário político-pornográfico.

Do ponto de vista político, a forma lulesca de conceber o mundo (dividido, segundo seus acólitos, entre “nós” e “eles”), mostra a incrível persistência de uma concepção de origem stalinista, mesmo após aquela sangrenta ditadura ter-se dissolvido no tempo. Pois não é que Lula, Zé Dirceu e Dilma (para ficar apenas nos nomes mais notórios), desenterraram do museu das perversões históricas a teoria de Jdanov? Este tal de Jdanov (ex-ministro da cultura do regime soviético), dizia que o ambiente político se dividia em dois campos: os que estão conosco e os outros que, certamente, não estando conosco estão contra nós. Assim, quem estiver “conosco” pode ser o maior patife, o maior gângster ou o maior canalha que, apesar disto, será acolhido no ninho (deixam de ser piratas para virarem corsários do rei). Estão aí os nomes emblemáticos de Sarney, Maluf, Calheiros, Jader Barbalho e toda a quadrilha do mensalão.

Esta gente primitiva reduz o mundo, portanto, a duas possibilidades antagônicas: se não é preto, é branco; se não é amigo, é inimigo; se não é crente, é descrente. A rigidez mental os leva a praticar, ao longo da vida, os maiores desatinos, inclusive tortura e assassinato em massa. Não possuem qualquer limite. Estão aí para demonstrá-lo os exemplos do dia-a-dia. A própria corrupção do governo Lula, com sua frondosa cleptocracia, é uma herança ideológica do stalinismo, conforme se observa na estrutura similar da Rússia atual, ainda marcada pelos hábitos de Stálin. Não é algo fortuito: é parte de um sistema, de um modo bárbaro de ver e de viver. Nada diferente do Hitler e similares que povoaram a história humana. Quem duvidar se ponha a ler, isto é, se não vomitar antes, as manifestações de Zé Dirceu, Dilma e outros asseclas conhecidos que os seguem e defendem. O propósito deliberado destes liberticidas é implantar nos trópicos uma imitação barata e tardia dos regimes totalitários de outrora. O culto à personalidade, ao estilo stalinista, é apenas a parte visível do processo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

"Educação do campo" ou os fundamentos de algumas insanidades do MST

Para aqueles que duvidam da loucura geral imperante em certos ambientes acadêmicos brasileiros segue abaixo texto (proveniente de Teresinha de Fátima Perin), sobre "Educação e desenvolvimento: a contribuição do MST na construção do conceito de educação do campo". Os leitores não se espantem, contudo: há coisas piores que isto!

"A história do campo no Brasil é marcada até hoje pela invasão e divisão de seu território desde o período colonial. A questão agrária tem gerado confronto por interesses e por concepções distintas de como viver e se organizar em sociedade. O MST materializa esse confronto por projetos antagônicos, representando as mulheres e homens que são vítimas do modelo econômico hegemônico. Organizou, se valendo da construção dos vários movimentos que o antecederam, um projeto para construção de uma sociedade que tenha como lógica o homem. Esse projeto, como todo projeto de sociedade, precisa da educação para dar suporte na construção de valores que sejam coerentes com a visão da sociedade proposta. A Educação do Campo foi construída no decorrer dos anos pelos movimentos do campo em suas práticas de luta. Essa educação, sua ideologia e ação, se fortalecem com a organização do MST, ganhando radicalidade para fazer uma leitura da realidade em sua totalidade, identificando os discursos que podem distorcê-la, como o de crescimento, desenvolvimento sustentável, economia solidária. A Educação do Campo elaborada pelo MST traz, inserido em seu currículo, um projeto de desenvolvimento para avançar na construção de uma sociedade para além do capital. Com a constituição dos Fóruns Estaduais de Educação do Campo, muitos movimento e outras organizações que trabalham com educação no campo vieram compô-lo. Essa ampliação fortaleceu a luta e trouxe, também, os discursos de humanização do capitalismo, influenciando nas diretrizes de ação e de organização da Educação do Campo. Esta pesquisa é uma contribuição para a compreensão, a partir da Educação do Campo realizada pelo MST, de que a Educação do Campo é, antes de tudo, uma ação para superação do modelo capitalista que tem como lógica o lucro, produzindo riqueza para poucos e miséria para muitos."

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

LULA É MENTIROSO CONTUMAZ (do Blog do Noblat)

A propósito da notícia "Sem citar nome, Lula critica Jarbas Vasconcelos", recebi da assessoria do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) a seguinte resposta dele:

- "O presidente Lula está se transformando num mentiroso contumaz. Como governador do Estado, nunca deixei de participar das programações feitas pelo Planalto, mesmo quando eram transformadas em eventos eleitoreiros por parte dos aliados do presidente. Quem tremeu diante de vaias foi Lula, quando foi vaiado fortemente em pleno Maracanã. É vergonhoso e acintoso ver o presidente da República em campanha eleitoral escancarada e antecipada sob a passividade da Justiça Eleitoral e do Ministério Público sem nenhuma conseqüência. A verdade é que Lula usa e abusa do dinheiro público para empinar a sua candidata”.

O Senador pernambucano Jarbas Vasconcelos é uma prova viva de que ainda há políticos decentes no Brasil. Nem todos são cafagestes como aqueles que orbitam em torno de Lula e do PT.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O MST E AS LARANJAS

A mais recente destruição de laranjais feita pelo MST, em São Paulo, lembra os desatinos dos destruidores de máquinas ocorridos nos primórdios da Revolução Industrial. Alguns acham, de maneira equivocada, que atos deste tipo configuram um comportamento revolucionário e, até, digno de louvor. Ledo engano! Não por acaso, o próprio Marx referia-se a este tipo de gente que barbarizou as plantações de laranjas como a “idiotia rural” ou, no mínimo, de lumpesinato. Porém, mais espantoso que a queda é o coice subseqüente. Intelectuais respeitáveis não se pejam em justificar aqueles comportamentos com a alegação pueril de que o MST fez o que fez para trocar a lavoura de laranja pelo feijão, “alimento consumido diariamente pelos brasileiros”. Este pretenso argumento daria ao indefensável uma absolvição, como se estes profissionais da destruição construíssem ou plantassem alguma coisa. Quem se der ao trabalho de visitar acampamentos e/ou assentamentos do tal “movimento” verá que a maioria não planta sequer um pé de couve. As imagens que divulgam, com gente segurando enxadas, servem, tão somente, para fins de propaganda. Suas lideranças (coerentemente com os que se dizem representar), pouco afeitas que são ao trabalho duro, costumam ter as mãos tão macias como as de uma dama ociosa. Escassos são os que, de fato, trabalham e produzem alguma coisa, conforme mostrou pesquisa do IBOPE recentemente divulgada.

Tudo é tão ridículo que nem autoridades do governo atual – sabidamente articuladas e obedientes às palavras de ordem do MST – conseguiram encontrar alguma razão aceitável para os atos de vandalização testemunhados por todo o Brasil. O MST é, de fato e no seu âmago, um partido agrário clandestino devotado a fazer uma revolução política (seu modelo ideal parece ser o Camboja de Pol Pot, cujos celerados assassinaram um milhão de pessoas enquanto constrangiam-nas – no estilo de praxe - a irem para o campo “plantar um feijãozinho”). Sem perder sua identidade e seu projeto específico a imensa turba sob o comando de Stédile opera, tática e provisoriamente, como braço armado do PT, dentro da estratégia leninista de dualidade do poder. A natureza totalitária de ambos os agrupamentos – PT e MST - os aproxima, assim, de partidos similares que existem, ou já existiram, em outras partes do mundo (Nazistas, Comunistas, Chavistas, Maoístas e outros com diferentes denominações locais). O reacionarismo intrínseco e a explícita militância contra a modernidade fazem do MST, e seus simpatizantes, defensores de um estilo de vida que caberia bem na Idade Média (talvez algo parecido com os falanstérios de Fourier). E claro, todos sob as bênçãos generosas da Santa Madre e sua Pastoral da Guerra. Afinal, onde há atraso lá estará a Igreja. Que Deus se apiede deles, e de nós, também!

AOS PROFESSORES

Muitos anos atrás o brilhante e falecido professor de História do Pensamento Político José Olegário Ribeiro de Castro citava, sempre, em sala de aula, uma frase atribuída a Platão: “Aquele a quem os Deuses odeiam, fazem-no professor”. Em bom latim: "Dii oderunt paedagogum fecerunt". Se ela era, ou não, do grego pouco importa. Nunca consegui achar no original a referida citação (incompetência, certamente). Porém, ao se apropriar dela o saudoso mestre fazia-a sua e tão significativa como se fora do outro. Homem refinado, o professor José Olegário aliava uma grande delicadeza com ferino senso de humor.

Esta combinação, aliás, não era incomum entre outros docentes da velha Faculdade de Filosofia da UFMG (citaria dois como símbolos – os professores Morse de Belém Teixeira e Welber da Silva Braga – mas sem esquecer, contudo, de inúmeros pares dos diferentes departamentos). Possivelmente, aquela foi uma graciosa herança bendita deixada pelo professor Arthur Versiani Velloso, líder intelectual e espiritual de tantas gerações. Os que tiveram o privilégio de conhecer o professor Velloso testemunharam como uma poderosa inteligência podia se exprimir, de maneira cáustica e cortante, principalmente contra a burrice ou a má fé.

Paulo Duarte, intelectual e ativista da revolução constitucionalista de 32, em São Paulo, lamenta no seu livro de memórias - publicado ainda nos anos 70 do século passado - a invasão da universidade pelos que ele chamava de “rinocerontes”. Quem sabe tenha sido, esta, apenas uma manifestação de mau humor eventual por parte de um dos maiores responsáveis pela fundação da USP? Afinal, vivíamos desde meados da década anterior dentro dos que foram considerados “anos de chumbo”. Para um liberal e democrata, como Paulo Duarte, o regime militar era uma aberração que contaminava indelevelmente a universidade, ao imprimir nela seu espírito bestial, daí a referência aos rinocerontes.

O que diria ele, se vivo fosse, ao observar a universidade que existe na atualidade, tão ocupada por professores silenciosamente cúmplices com os crimes e com as práticas deletérias do lulismo e do petismo em todas as instâncias da vida social brasileira? A sedução totalitária pode atingir, até mesmo, aqueles que julgávamos mais protegidos (não pertenceu Heidegger ao partido Nazista?). Talvez, Paulo Duarte fizesse (como outros de sua época também o fariam), o mesmo que o desencantado rabino aludido por Borges em célebre poema: “na hora da angústia e de luz vaga, em seu Golem os olhos detinha. Quem nos dirá as coisas que Deus sentia, ao olhar para seu rabino em Praga?”

Prenúncios da barbárie já se fazem presentes aos nossos olhos (inclusive dentro das salas de aula onde professores são achincalhados quando não agredidos fisicamente, com omissão de superiores e outras autoridades). O embotamento crítico (daqueles que deveriam ser fiéis herdeiros de uma lúcida tradição), coloca um grave desafio aos professores de amanhã.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A INCIVILIDADE COMO BARÔMETRO DA DETERIORAÇÃO SOCIAL

(Autor: Robert Muffat, Professor da Faculdade de Direito de Levin, Gainesville, Flórida)

"Kindness is the golden chain by which society is bound together. "
Goethe

"Se julgarmos pelo atual número de livros tratando do assunto, o declínio da civilidade chegou para ser visto como um problema maior em nossa sociedade. Publicações atuais incluem livros de Deborah Tannen[1], Steven Carter[2], Dominique Colas[3], Mark Caldwell[4], e um grande número de outras publicações[5]. Mais do que isso, o assunto foi lançado para dentro dos veículos midiáticos.[6] Em conseqüência, os governos estão adotando políticas de civilidade[7]. Outras autoridades governamentais estão pedindo por civilidade nas reuniões de seus órgãos.[8] O Procurador-Geral de Gainesville pede, apaixonadamente, por civilidade nos eventos públicos ocorridos nos tribunais.[9] A Corte da Flórida urge a seus advogados a aspirar por civilidade.[10] Alguns legislativos estão passando leis na tentativa de requerer às crianças para serem mais corteses quando na escola.[11] Até mesmo as universidades estão oferecendo sessões de treinamento para ajudar a restaurar a civilidade dentro das salas de aula.[12]
Estará a incivilidade crescendo? Se de fato está ou não, podemos ter certeza de que existe uma vasta percepção de que, sim, ela está. Daí que eu examino a extensão dessa percepção em variados cenários. Por necessidade, quase todas as evidências são anedóticas, em natureza. Igualmente inconclusa é a análise dessa evidência, uma vez que ela consiste quase que exclusivamente de interpretações. Entretanto, o leitor poderá ser persuadido de que a incivilidade aparenta ser um indicador de efeitos sociais e psicológicos deletérios. Mais especificamente, sugiro que a teoria da anomia de Emile Durkheim fornece insights para a relação – aparentemente superficial – entre incivilidade e patologias sociais mais profundamente assentadas. Torna-se, então, plausível ver o fenômeno da incivilidade como barômetro de uma destacada decadência social.
A incivilidade esparramada
Quão vasto é este – aparente – crescimento da incivilidade em nossa sociedade? Um exame mais atento revela que ele parece ser bastante extenso. Vemos a incivilidade aparecer quando podemos ver um crescimento das contendas entre as pessoas. Grosserias estão se tornando mais comum nos negócios e na indústria. O florescimento de decepções e falsidades políticas engendra um cinismo contagiante por toda a sociedade. Esse cinismo é nutrido, talvez mais do que por qualquer outra fonte, pela jornalisticamente bem documentada escalada da incivilidade em nosso seio social.
Litígios
O crescimento dos litígios tem sido largamente lamentado. Apesar dos esforços ocasionais no sentido de contê-las, as buscas por defesas jurídicas dos direitos continuam crescendo a passos largos. Tal crescimento tem sido ajudado por um fenômeno concomitante: o aparecimento de mais e mais direitos.[13] As fontes de tais direitos são tanto legislativas quanto judiciais, e cada uma dessas fontes está respondendo às demandas vindas de um público (ansioso por gritar mais alto) que quem mais sofre é quem mais consegue gritar. Não é de surpreender, então, que a possibilidade de um diálogo civilizado acerca de qualquer problema se torne improvável sob tais condições.
O destacado filósofo Martin Golding comenta o seguinte: “temos experimentado uma tamanha inflação de direitos que a cunhagem do discurso moral se tornou aviltada”.[14] A professora de Direito de Harvard, Mary Ann Glendon, também se preocupa com a redução do conceito de civilidade dentro dos discursos públicos: As conversas sobre direitos, em sua totalidade, promovem expectativas irrealistas, além de esquentar os conflitos sociais e inibir o diálogo – este sim, algo que poderia levar em direção a um consenso, ou, pelo menos, a um comum acordo. Em seu silêncio no que diz respeito às responsabilidades, essas conversas parecem desculpar a aceitação dos benefícios de se viver num Estado democrático de bem-estar social, sem a correspondente aceitação das obrigações cívicas e pessoais decorrentes desse fato.[15] Essas preocupações não estão confinadas à arena da academia. Mesmo o colunista Molly Ivins, que normalmente se inclina em favor dos advogados de acusação, põe um limite na coisa, preocupado de que o argumento do Just win, baby! [16] possa refletir um “declínio social na decência e na civilidade”.[17]
Grosseria nos negócios
Mas o crescimento da nossa incivilidade não está restrito à arena legal. A grosseria nos negócios e na indústria tem sido identificada, cada vez mais, como um problema de monta. Dan Rather nos oferece suas mau-humoradas observações a respeito da grosseria dos caixas (especialmente dos caixas mais jovens) nos estabelecimentos comerciais de Nova York. E conclui: “Houve uma época em que os americanos sabiam como trabalhar, e também se importavam com o valor do trabalho duro e bem feito. Talvez tenhamos ficado mimados com os tempos de vacas gordas. Especialmente nossos filhos”.[18] Estudos recentes confirmam que este é um problema vasto, geral e irrestrito. Um dos estudos sobre o crescimento do “nível de afronta à etiqueta” descobriu que reações à incivilidade podem custar caro para as organizações em que essa venha a ocorrer.
Que fazem as vítimas? Doze por cento disseram que diminuem intencionalmente a qualidade de seu trabalho; 22% disseram que diminuem o esforço no trabalho; 28% disseram que perdem tempo de trabalho tentando evitar a pessoa; 52% disseram que perdem seu tempo se preocupando com a pessoa e com a interação; e 46% disseram que pensam em trocar de emprego. Doze por cento realmente chegam a trocar de emprego para escapar do agressor.[19] Outra pesquisa mostra que pessoas que sofreram grosserias reclamam de “ansiedade, insônia, dor de cabeça, síndrome de dor de barriga, problemas de pele, ataques de pânico e baixa auto-estima”.[20] De fato, o instituto de pesquisas Gallup indica que, geralmente, metade das pessoas que respondem ao questionário estão, pelo menos, um pouco irritadas no trabalho.[21] Outro estudo indica que “ridículas pequenas incivilidades” no ambiente de trabalho são as que custam mais caro para a empresa.
Uma grosseria “pode afetar a empresa ao reduzir a produtividade e, também, levar a custosas alterações no quadro de pessoal”.[22] Existem até mesmo alegações de que conflitos de escritório têm produzido resultados tão sérios quanto aqueles de quem sofre de stress pós-traumático.[23] Por exemplo, a grosseria derivada de uma falsa acusação de assédio sexual resulta em doenças, incapacidades e desemprego permanente.[24] A grosseria é um problema amplo, geral e irrestrito? “Três-quartos dos trabalhadores concordam que o ambiente de trabalho se tornou mais grosseiro na última década”.[25]
O barulho na política
Tais desdobramentos no local de trabalho não deveriam nos causar surpresa à luz dos acontecimentos de nossa vida política. Nós não podemos ignorar o fato de que o debate político nacional está se tornando muito caracterizado pelas, soi-disant, guerras culturais.[26] A direita religiosa ataca os acadêmicos de esquerda, e vice-versa.[27] E, mais ainda, uma vez que tantos dos participantes dessa guerra se vêem como os únicos detentores da verdade universal, todos e quaisquer meios que os levem a alcançar seus objetivos sagrados são freqüentemente adotados. Que enorme ironia existe no fato de que Richard Nixon usou o interesse nacional como desculpa por ter se utilizado de truques baixos para garantir que o “perigoso” McGovern não pudesse retirá-lo da presidência! Uma geração depois, Bill Clinton usou virtualmente a mesma desculpa da “busca sagrada”, dessa vez para justificar ilegalidades no financiamento de campanha e prevenir que o “perigoso” Bob Dole pudesse ocupar a Casa Branca. Desgraçadamente, tais atitudes já não são eventos isolados. Aos olhos do público, as decepções e falsidades políticas têm se tornado a norma de ação esperada na vida pública do país. Quão profundamente prejudicial para nosso tecido social isso deve ser para que se percebam as funduras abissais atingidas pelo cinismo? Mesmo assim, continuamos como que a descer nessas profundidades. Os escândalos que obstinadamente atingiram Bill Clinton enojaram os cidadãos americanos e – se é que é possível – ainda erodiram sua confiança na política de um modo geral. Pessoas houve que pediram uma punição rigorosa do ex-presidente, numa tentativa de fazer com que os padrões morais fossem elevados ao definir-se um limite mínimo para comportamentos desabonadores.[28]
Ao mesmo tempo, a campanha dos deputados e senadores Republicanos para tirar Clinton da presidência foi bastante impopular, e seu esforço foi visto por observadores como “o que de pior pode haver no partidarismo político”.[29] A conclusão inexorável foi que a bagunça toda não melhorou a reputação de nenhum dos lados envolvidos.[30] O resultado líquido, porém, tem sido um cinismo ainda maior do que aquele com que já vínhamos convivendo na vida política.
Jornalismo negativo
O cinismo político terá realmente um salvo-conduto? Até certo ponto, sem dúvida. Entretanto, esse custoso cinismo é alimentado não apenas por uma instituição real, mas principalmente pela preocupação jornalística com escândalos – em particular – e com o “ângulo” negativo das coisas – em geral. Em seu livro The Argument Culture, [31] Deborah Tannen dedica um longo capítulo inteiramente para as faltas da mídia.[32] No decorrer do capítulo, ela documenta a obstinação burra da mídia em apresentar todos os assuntos como se esses fossem batalhas mortais entre duas forças opostas. [33] Nós agora estamos familiarizados com o slogan “If it bleeds, it leads”.[34] Em sua busca por um aumento de vendas, os jornalistas se esforçam por fazer dos assuntos os mais sangrentos possíveis.[35] Um dos resultados dessa manobra é que, na verdade, o fluxo de informações é reduzido.[36] Além do mais, a qualidade do discurso cívico civilizado é rebaixada. E, é claro, a incivilidade autoconstruída pela mídia produz um cinismo cada vez mais difundido entre o público, enquanto que o respeito desse mesmo público pela imprensa vai minguando com o passar do tempo.[37]
Então, deveríamos nós mesmos nos preocupar com o crescimento da incivilidade na sociedade?
Nossos crescentes níveis de litígio e grosseria nos negócios carregam escondidos custos substanciais. As decepções políticas fazem nascer o cinismo na sociedade. Esse cinismo é, por sua vez, alimentado por uma ampla e geral incivilidade jornalística. Mas isso não é tudo. Já existem pesquisas importantes mostrando que essas “meras” incivilidades geram não apenas malefícios como o stress, mas também outras patologias sociais mais graves, que podem chegar até o ponto de doenças mentais e assassinatos.
Incivilidade e Patologia Social
Para citar apenas um dos custos dessas incivilidades, existe atualmente um aumento significativo do stress e de outras patologias sociais. Judith Martin, por exemplo, nos indica em sua coluna de etiqueta, chamada Miss Manners[38], que os atos de violência estão ficando mais freqüentes em discussões sobre problemas que deveriam ser exclusivos das regras de etiqueta – e até mesmo em assuntos tão insignificantes que esses nunca mereceriam serem regulados por tais regras. Nesse último caso, o resultado do fenômeno é ilustrado pelo assassinato que pôs fim a uma discussão sobre a maneira “correta” de colocar os talheres na lavadora de pratos. Martin nos diz que a falta de cortesia no trânsito e a sensação de se estar sendo tratado com desrespeito também são, hoje em dia, motivos para crimes. Se essas pessoas estão cientes disso ou não, o fato é que motoristas agressivos e adolescentes melindrosos se importam tanto com etiqueta que são capazes de matar para preservá-la. Com efeito, esse não é o método ideal para que a sociedade se mantenha cortês. A Senhorita Bons Modos nos chama a atenção para isso apenas para demonstrar que o anseio por ser tratado de maneira educada é tão fundamental que até mesmo os fora-da-lei sentem tal necessidade.[39]
Grosseria mata!
Notemos que a Senhorita Bons Modos menciona ataques de raiva no trânsito como um exemplo, sendo que tais ataques podem ser considerados simples grosseria. Entretanto, lemos quase todos os dias sobre brigas de trânsito que acabem em assassinatos.[40] Da mesma forma, relatos sobre “ataques de fúria no ar” ocorrem com freqüência, estando o pessoal das tripulações de companhias aéreas mais e mais preocupados com o aumento de discussões violentas. Ao mesmo tempo, a qualidade dos serviços continua se deteriorando, num cenário em que ninguém está disposto a assumir a responsabilidade pelos atrasos ocorridos.[41] Se estivermos dispostos a considerar tais ataques como estando associados, apenas, aos desconfortos da viagem, devemos notar que o uso de celulares tem se tornado um ponto de contendas cada vez mais acirradas. E, mais ainda, o desconforto causado em outros passageiros por quem faz uso de telefones celulares à bordo, tem levado a confrontações bastante violentas.[42]
Grosseria gratuita, então, pode ser mortal. Uma mulher da Flórida, que deixou de responder a um cumprimento de “Boa tarde” – dirigido a ela por uma jovem – foi interpelada por sua falta de modos. Mais tarde, a mulher morreu vítima de um ataque cardíaco causado pelo stress do incidente. A jovem que tinha feito o cumprimento enfrenta agora um processo, acusada de assassinato.[43]
Já se tornou comum, inclusive, ouvirmos relatos de incidentes nos quais homens, tentando agir como se fossem gentlemen, são repreendidos veementemente por seus comportamentos “condescendentes e inapropriados”. Mesmo com tais comportamentos interpretados, por alguns, como sendo protetores[44], A Senhorita Bons Modos lamenta que o tratamento de “gestos obviamente bem intencionados, convencionais e triviais de cortesia são encarados como se fossem insultos. Agir assim não é somente ainda mais grosseiro... como acarreta prejuízos bem maiores para a causa da civilidade”.[45] - (CONTINUA)
Notas e referências:

[1] Deborah Tannen, The Argument Culture: Moving From Debate to Dialogue (New York: Random House, 1998).
[2] Stephen L. Carter, Civility: Manners, Morals, and the Etiquette of Democracy (New York: Basic Books, 1998).
[3] Dominique Colas, Civil Society and Fanaticism: Conjoined Histories, trans. Amy Jacobs (Stanford: Stanford University Press, 1997).
[4] Mark Caldwell, A Short History of Rudeness: Manners, Morals, and Misbehavior in Modern America (New York: Picador, 1999).
[5] Bill Stumpf, The Ice Palace that Melted Away (New York: Pantheon, 1998); Donald McCullough, Say Please, Say Thank You (New York: Putnam, 1998); Digby Anderson, ed., Gentility Recalled: "Mere" Manners and the Making of Social Order (London: Social Affairs Unit, 1998); Robert Hughes, Culture of Complaint: The Graying of America (New York: Oxford University Press, 1993).
[6] For example, "How Rude! How Crude! How Socially Unacceptable!" USA Today, 5 June 2000: 5D.
[7] For example, "Seminole County OKs Civility Policy," Gainesville Sun 15 Apr. 1999:1B.
[8] For example, Pegeen Hanrahan (Gainesville City Commissioner), "Civility Please -- In Public and In Private," Gainesville Sun 22 May 1999: 9A. See also Jud Magrin, "Different Focuses: Newly Sworn-in Commissioners Speak Out," Gainesville Sun 7 May 1999:1B.
[9] Marion Radson, "Participate in 'Civility Month' by Treating Others with Respect," Gainesville Sun 15 May 2000: 6A.
[10] Paula Stephenson, "Aspirational Civility," The Professional 3 Sept. 1999: 3 (A publication of the Center for Professionalism of The Florida Bar).
[11] Robert Tanner, "'Yes, Ma'am,' 'No Ma'am' Enters into Political Debate," Gainesville Sun 29 May 2000: 9B. (An Associated Press follow-up story on the legislation adopted in Louisiana in 1999.)
[12] The University Center for Excellence in Teaching, "Faculty on the Front Lines: Reclaiming Civility in the Classroom," PBS Adults Learning Service, 8 Apr.1999.
[13] See, e.g., Robert A. Licht, introduction, The Framers and Fundamental Rights by Robert A. Licht ed. (Washington D.C.: American Enterprise Institute Press, 1991) 1; Benjamin R. Barber, Florida Philosophical Review Volume I, Issue 1, Summer 2001 72 "Constitutional Rights--Democratic Instrument or Democratic Obstacle?" in Ibid. 23, 24; Henry Shue, "Subsistence Rights: Shall we Secure These Rights?" Robert Goldwin and William Schambra, eds., How Does the Constitution Secure Rights? (Washington D.C.: American Enterprise Institute Press, 1985) 74, 77.
[14] Martin Golding, "The Significance of Rights Language," Philosophical Topics 18 (1990): 63. (This is a review article of A.I. Melden's Rights in Human Lives: An Historical-Philosophical Essay).
[15] Mary Ann Glendon, Rights Talk (New York: Free Press, 1991) 14.
[16] N. do. T: “Just win, baby!”, significa algo como “Apenas vença, meu chapa”. É o argumento do filonikos, o argumento da pessoa que não está preocupada com a busca da verdade, mas com a vitória pela vitória.
[17] Molly Ivins, "The Rambo Approach to Law," Gainesville Sun 29 Apr. 1999: 11A (Fort Worth Star-Telegram).
[18] Dan Rather, "It's Service in America with a Smirk," Gainesville Sun 7 June 1998: 1G, 4G (King Features).
[19] "Incivility in the Workplace Costs Companies Time, Money," Gainesville Sun 30 May 1998: 7B (Associated Press).
[20] Jessica Guynn, "Make Yourself Bullyproof at Work," Gainesville Sun 18 Jan. 1999: Worklife 3 (Knight Ridder Newspapers).
[21] "One in Six Employees Cite Anger at Work," Gainesville Sun 6 Sept. 1999: 9B (Associated Press). [22] "High Cost of Rudeness," Gainesville Sun 27 July 1998: WorkLife 13.
[23] Frances A. McMorris, "Can Post-Traumatic Stress Arise From Office Battles?" Wall Street Journal 5 Feb. 1996: B1.
[24] Bob Rosner, "A False Accusation of Sexual Harassment," Gainesville Sun 2 Oct. 2000: Worklife 15 (Working Wounded syndicated column).
[25] Bernice Kanner, "Politeness is Endangered," Gainesville Sun 20 Apr. 2000: 11A (Knight Ridder Newspapers).
[26] For one side of the debate, see, e.g., David Cantor, The Religious Right: The Assault on Tolerance & Pluralism in America (New York: The Anti-Defamation League, 1994)
[27] Hilton Kramer, "The Second Cold War: This One is Internal. Culture is the Battleground," Wall Street Journal 2 Apr. 1999: W13. Florida Philosophical Review Volume I, Issue 1, Summer 2001 73
[28] A.M. Rosenthal, "Define Deviancy Up, Senate," Gainesville Sun 31 Jan. 1999: 3G (New York Times). Rosenthal is referring to Senator Moynihan's 1993 adaptation of Durkheim's notion of the social definition of deviance.
[29] William Raspberry, "Political Partisanship at its Worst," Gainesville Sun 22 Dec. 1998: 15A (The Washington Post)
[30] Dennis Farney & Gerald Seib, "The Stature Debate: Monicagate Left Few Reputations Enhanced," Wall Street Journal 16 Feb.1999: 1A. The article is subtitled: "Is It a Sign of These Times, Or of the Saga Itself, That No Heroes Emerge?"
[31] N. do T.: Em livre tradução, A Cultura da Contenda: Saindo do Debate para o Diálogo.
[32] She titles chapter three: "From Lapdog to Attack Dog: the Aggression Culture and the Press." Deborah Tannen, The Argument Culture: Moving From Debate to Dialogue (1998) 54-94
[33] Tannen states: "Because of the belief that fights--and only fights--are interesting, any news or information item that is not adversarial is less likely to be reported." Tannen 30.
[34] Impossível de traduzir mantendo a rima, mas, em livre tradução, a expressão significa algo como “Se [a notícia] sangra, ela lidera”.
[35] Tannen is scornful of the media practice that "the best way to cover news is to find spokespeople who express the most extreme, polarized views and present them as 'both sides' . . ." Tannen 3.
[36] But, as Tannen observes, the overly critical posture of the media dries up the flow of information by discouraging potential sources from being more forthcoming. Tannen 68.
[37] See Robert Moffat, "Mustering the Moxie to Master the Media Mess: Some Introductory Comments in the Quest for Media Responsibility," University of Florida Journal of Law and Public Policy 9 (1998): 137-49.
[38] N. do T.: Em livre tradução, algo como Senhorita Bons Modos. [39] Judith Martin, "Miss Manners: Yes, Etiquette Actually can Ward Off Violence," Gainesville Sun, 12 May 1997.
[40] "Man Shot, Killed During Apparent Road Rage Case," Gainesville Sun 5 Aug. 2000: 3B (The Associated Press); "Man Charged in Apparent Road Rage-Led Shooting," Gainesville Sun 7 Aug. 2000: 3B (The Associated Press).
[41] Laurence Zuckerman, "Rising Tide of Passengers Fumes Over Delays at Nation's Airports: Weather and Labor Tensions Worsen Troubles," New York Times 16 July 2000:1
[42] Dave Carpenter, "Etiquette Lost as Cell Phone Use Grows," Gainesville Sun 2 Aug. 2000: 1A (Associated Press Business Writer); as the subhead indicates, "Aggravation leads to scuffles," 8A; report includes "black eyes and even a cracked rib after eruptions of 'cell phone rage'," 8A. See also Gary T. Marx, "Manners in the Age of New Communications Technologies," The Communitarian Update 29 online, Communitarian Update Archives, 2 Aug. 2000: "Suddenly Florida Philosophical Review Volume I, Issue 1, Summer 2001 74 there are dozens of new ways to be rude. Do respect for privacy and other social norms stand a chance in the face of cell phones, beepers, and caller ID?"
[43] "Police: Greeting Turned Deadly," Gainesville Sun 29 May 1999: 6B (The Associated Press).
[44] N. do. T.: No original, patronizing behavior, que pode significar comportamento assistencialista, ou ainda, atitude de favorecimento para com os outros. Em uma palavra, paternalismo.
[45] Judith Martin, "Miss Manners: Don't Mistake Kindness for Insult," Gainesville Sun 17 July 2000: WorkLife 14 (The Washington Post).