O jornalista Reinaldo Azevedo é conhecido por sua pena fácil e pela contundência de suas críticas. A censura que faz à conduta do MP e, em especial, ao Procurador-Geral Rodrigo Janot está coberta de razão. Onde já se viu empresas privadas fazerem imposição ao contratante, quando este é o Estado? Tais relações configuram uma situação extravagante, completamente diferente daquela em que dois interessados (em situação de igualdade), estabelecem um acordo sob a égide do antigo aforismo pacta sunt servanda.
Contratos administrativos (do tipo daqueles assinados entre empreiteiras e empresas públicas) se constituem de outra maneira; são impostos e fim de papo, assina se quiser. Se não quiser, outros querem. Achar o contrário seria o mesmo que dizer que são negociáveis os contratos entre cidadãos comuns e grandes instituições (bancos, telefônicas ou prestadoras de serviços básicos), denominados genericamente de contratos de adesão. Vá alguém pedir um cheque especial: o contrato já está prontinho, basta o cliente assinar. O banco não aceita sequer discutir a supressão ou acréscimo de alguma eventual cláusula.
Neste caso do petrolão há uma suposto que muitos não querem aceitar: o Estado brasileiro foi capturado por uma quadrilha cujo propósito fundamental era promover sua destruição. Quem duvidar procure ler o programa partidário do PT e as decisões já tomadas por seu Diretório Nacional ao longo dos últimos 30 anos. Fazer, portanto, o que fizeram, e continuam a fazer, é algo absolutamente coerente e compatível com sua natureza e seu projeto.
Segue abaixo o texto do Reinaldo Azevedo.
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“Bem, bem, bem… Então vamos pensar um pouco, né?,
coisa mais complexa do que acender a fogueira da demagogia. João Vaccari Neto,
então tesoureiro do PT, informa a força-tarefa da Lava Jato, esteve 53 vezes na
sede da Andrade Gutierrez entre 2007 e 2014. Ex-bancário, sindicalista, petista
etc., vai ver o homem ia lá tomar algumas aulas sobre concreto armado, estai,
pilar, vão livre, essas coisas da engenharia… Sabem como é a curiosidade
intelectual…
Ir à sede de uma empreiteira não é crime. Por si,
não é prova de que Vaccari fosse tratar de algum assunto ilegal. O problema é
que pelo menos cinco delatores dizem que ele era destinatário de propinas decorrentes
de obras contratadas pela Petrobras: Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa,
Pedro Barusco, Eduardo Leite e Augusto Mendonça. O “companheiro” diz que só
recebia doações legais, devidamente registradas. Mas 53 vezes em oito anos? Só
entre 2 de julho de 2012 e 7 de abril de 2014, ele se encontrou com Flávio
David Barra, que foi preso ontem, nada menos de 20 vezes, 17 delas em dez
meses. Haja assunto lícito, não é mesmo?
Diz o Ministério Público que a Andrade Gutierrez
fez da corrupção um modelo de negócio. Acho, sinceramente, um exagero retórico.
Não creio que se construa a segunda empreiteira do país, uma das grandes do
mundo, tendo a falcatrua como meta e horizonte, o que não impede, obviamente —
e a Lava Jato está aí, com uma porção de descalabros revelados —, que se apele
a esse expediente. Quando um único ex-funcionário da Petrobras, do escalão
intermediário, aceita devolver US$ 97 milhões, a gente tem uma medida de como
andavam as coisas.
Os meus leitores sabem que não compro a tese do
cartel de empreiteiras — o que leva alguns oportunistas a inferir que eu esteja
negando os crimes cometidos pelas empresas. Quem lê o que está escrito, não o
que gostaria que eu escrevesse para endossar a sua crítica pilantra, sabe que
não é isso. Aliás, Vaccari parece ser um bom exemplo. Ele visitou a Andrade
Gutierrez 57 vezes, não o tal “clube das empreiteiras”. Há uma penca de
evidências de que o direcionamento das obras tinha origem na Petrobras, que
estava subordinada a um controle político, do qual, agora sim, Vaccari fazia
parte porque, afinal, era e é uma das autoridades do partido do poder.
Quando nego a tese do cartel, aponto, de fato, algo
bem mais grave do que isso. Eu realmente não acredito que uma empresa do porte
da Andrade Gutierrez faça do roubo um modelo de negócio, mas acredito, sim, que
associada a um poder delinquente — falo em tese — possa delinquir como forma de
realizar ao menos parte dos seus negócios. Não que se organize com esse fim —
porque aí o Ministério Público teria de afirmar que a própria empresa é uma
quadrilha, o que parece difícil de provar —, mas é evidente que pode cometer
crimes para obter um determinado fim. E isso vale para todas as outras
empreiteiras.
Peço que o leitor raciocine com calma e responda em
silêncio a algumas perguntas:
1)
quem fazia os preços das obras da Petrobras, da Eletronuclear ou de qualquer
outro ramo do estado? Eram as empreiteiras, organizadas em cartel, ou o poder
público e suas franjas?;
2)
quem detinha e detém os marcos regulatórios para definir a concorrência ou para
eliminá-la?;
3)
quem dispunha do poder discricionário de tirar do negócio as empresas que
eventualmente dissentissem das práticas dominantes?;
4)
um cartel se impõe por força do seu domínio econômico: eram as empreiteiras
ladravazes que se impunham a um estado inerme ou era o estado, tomado por
ladrões, que impunha os seus critérios?;
5) o
leitor já procurou a definição técnica do que é “cartel” para aplicar ao caso
em questão? Recomendo que o faça.
A resposta a essas perguntas não minimiza os crimes
eventualmente cometidos pelas empreiteiras; apenas os define segundo a sua
natureza, não segundo a natureza de uma tese que, por enquanto, vai absolvendo
os criminosos que realmente tinham, se me permitem a licença, o domínio do fato
político.
Se não acredito que uma empresa possa ter como
propósito e modelo de negócio o cometimento de ilícitos — a menos que seja um
tentáculo do crime organizado —, acredito, no entanto, agora sim, que uma
estrutura criminosa possa se assenhorear do poder e, então, impor seus hábitos,
suas regras, suas leis. Se não há um estado criminoso do outro lado do balcão,
ele próprio vai criar as defesas contra eventuais práticas deletérias dos
agentes privados. E puni-las exemplarmente quando houver.
Em vez de eu ouvir o Ministério Público a dizer que
uma empreiteira fez do crime o seu modelo de negócio, gostaria de ouvi-lo a
anunciar aquilo que, parece-me, evidenciam os fatos: um grupo político fez do
crime o seu modelo de conquista do estado. Aí sim! Por enquanto, os agentes
desse delito de lesa-pátria estão por aí… E essa é a minha principal
restrição à forma que tomou a Lava Jato.
Há um risco nada desprezível de que se chegue à
constatação, ao fim da operação, de que agentes privados, tomados pela sanha do
lucro a qualquer custo, corromperam um estado originalmente ético e de que esse
estado será tanto mais ético quanto menos relações mantiver com entes privados.
Se triunfar essa versão, estaremos apenas preparando as condições para os
desastres futuros.
É evidente que um liberal ou um conservador com um
mínimo de respeito à história do pensamento não pode ficar satisfeito com essa
perspectiva. Por enquanto, os que cometeram crimes contra a democracia
brasileira estão distantes da cadeia e dos tribunais. Quando é que a Operação
Lava Jato vai alcançá-los, Rodrigo Janot?"