sábado, 2 de janeiro de 2016

O povo bestificado (Miguel Reale Jr.)


O processo do impeachment deixou de ser a análise dos graves fatos praticados pela presidente e minudentemente expostos no pedido. Na imputação consta que houve a omissão ao não determinar a presidente a responsabilidade de subordinados, diretores da Petrobrás, ciente dos desmandos presentes na estatal, com infração ao artigo 9.º, item 3, da Lei n.º 1.079/50, que descreve conduta omissiva: “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais”. É comezinho poderem as condutas ser comissivas ou omissivas.

Tipificam-se também infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal, ao praticar ações que comprometeram a saúde financeira do País, levando à crise econômica de hoje, com 1,5 milhão de desempregados, inflação superior a 10% e perda do grau de investimento. Repita-se: ao recorrer por longo tempo, e em valores astronômicos, a empréstimos nos bancos oficiais para cobrir gastos do governo, não só em programas sociais, mas também para financiar grandes empresas com juros subsidiados, a presidente infringiu outro dispositivo da Lei do Impeachment, qual seja o descrito no artigo 10.º, 9: “ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer dos entes da administração indireta”.

O mais grave foi ter-se deixado de registrar a dívida de R$ 40 bilhões como despesa, incidindo em falsidade ideológica, pois se transformou, falsamente, dívida em superávit primário, ilaqueando a todos, prometendo crescimento de 4% em 2015. Ainda se tem a coragem de dizer ter agido em estado de necessidade, para pagar benefícios sociais, causa que excluiria o crime se não houvesse outro caminho senão a reconhecida prática delituosa, sendo requisito essencial a inevitabilidade do meio adotado. É o que se dá no furto famélico. No caso, todavia, não apenas existiam outras condutas para ter numerário, como constituíam essas outras vias as corretas: cortar gastos, eliminar desonerações tributárias, impedir a corrupção.

E qual o estado de necessidade haveria ao se deixar de registrar déficit, para falsear superávit primário?

Mas tudo se apequenou. A propaganda petista repete por via de alguns dos juristas palacianos e intelectuais de encomenda que se trata de um golpe! É mais uma farsa. O impeachment virou moeda de troca entre culpados. Primeiramente, entre Planalto e Eduardo Cunha, para garantir impunidade mútua. Agora, entre Planalto e Renan Calheiros.

Tão logo o Supremo Tribunal Federal entendeu que uma decisão da Câmara dos Deputados de admitir a acusação contra a presidente da República por 2/3 dos seus membros – ou seja, pelo voto de 342 representantes do povo – pode ser anulada no Senado, onde estão os representantes dos Estados, por maioria simples – isto é, a maioria dos presentes, desde que estejam 41 senadores, portanto, por 21 senadores –, o presidente do Senado passou a ser adulado como o guardião do mandato de Dilma.

No dia seguinte foi chamado a almoçar com a presidente. Do ágape, já bem alimentado, Renan Calheiros veio receber intelectuais do PT, perante os quais disse o que queriam ouvir no sentido de não haver uma franja de indício de crime de responsabilidade.

Na mesma semana em que Renan Calheiros se tornou o arauto da improcedência do impeachment, foi ele objeto de investigação autorizada pelo Supremo Tribunal, pois seus sequazes, deputado Aníbal Gomes e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, sofreram busca e apreensão em suas residências. Houve busca e apreensão também na sede do PMDB de Alagoas, presidido por Calheiros, que por sua vez veio a ter decretada a quebra do seu sigilo telefônico, fiscal e bancário.

Nova troca de impunidades no horizonte. Diante de cenas explícitas de malandragem, a população fica descrente dos Poderes Executivo e Legislativo. Contudo, se ainda se acreditava no Judiciário, o contorcionismo constitucional do Supremo acerca do rito do impeachment criou grave insegurança.

Sem haver nenhum princípio inspirador da possibilidade de uma maioria simples do Senado anular a determinação de 2/3 da Câmara de se instalar o processo, foi-se além dos limites de interpretação sistemática ou finalística, para em criatividade livre contrariar a clareza dos textos constitucionais e legais.

O artigo 51 da Constituição diz competir privativamente à Câmara dos Deputados autorizar, por 2/3 de seus membros, a instauração de processo contra o presidente. E no artigo 86 edita-se: admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

Nesse artigo 86 há determinação precisa: admitida a acusação pela Câmara dos Deputados será o presidente submetido a julgamento. Assim, é cogente a Constituição ao dizer “será submetido a julgamento”, conforme, aliás, é disciplinado também no Regimento Interno do Senado (artigos 377 a 381).

Nada se prevê quanto à apreciação para se instaurar o processo no Senado, pois já foi admitida a acusação pela Câmara, em decisão similar à sentença de pronúncia nos casos de júri. Requer-se apenas a formulação de libelo por comissão processante, que intimará o presidente. Ao plenário cabe somente a decisão final, absolvendo ou condenando.

O Senado, admitida a acusação em votação qualificada de 2/3 dos deputados, não pode, pela via expressa de apreciação não prevista no Regimento do Senado (artigo 380), por maioria simples, arquivar o processo.

Como confiar no Supremo diante de construtivismo constitucional dessa grandeza?


Aristides Lobo, político e jornalista, em 1889 escreveu que o povo bestificado assistiu atônito à proclamação da República. Agora o povo bestificado assiste atônito à destruição da República. O ano novo começa velho.

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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Maratona no escuro (Fernando Gabeira)



O ano velho terminou com uma vitória do governo no Supremo. Alguns consideram a salvação de Dilma. Se estivesse na UTI e fosse salvo por gente usando frases em latim, desconfiaria. Na penumbra do quarto pode soar como uma extrema-unção. Mais complexo, o impeachment dará tempo a ela para respirar. Resta saber o que fará com essa dose extra de oxigênio.

A troca de ministros na economia nos confunde. Caiu Joaquim Levy, subiu Nelson Barbosa. O discurso é de continuidade e o mercado parece não confiar nele. Já as forças que defendem Dilma parecem confiar no que diz o novo ministro e lamentam seu discurso. Com a manobra Dilma descontentou, simultaneamente, quem a apoia e quem a rejeita. 

Indiferente às opiniões, a realidade marcha no ritmo implacável da lama de Mariana.

Crescem a inflação e o desemprego, Estados e municípios começam a dar sinais de quebradeira. Aqui, no Rio de Janeiro, a crise eclodiu na saúde, atingindo os mais pobres num momento de vulnerabilidade, buscando socorro médico nas emergências. 

Este é o ano da Olimpíada. O colapso do sistema de saúde o inaugura. A festa foi programada num momento de euforia com o Brasil e com o petróleo. De lá para cá veio a a crise econômica. No caso específico do Rio, vieram o petrolão, com a ruína da Petrobrás, e as quedas no preço internacional do petróleo.

Em 2010 tive a oportunidade de mostrar a fragilidade da saúde pública no Rio, visitando hospitais, com ou sem autorização do governo. Incompetência e corrupção se entrelaçavam e os governantes escaparam com as UPAs, algumas replicadas ao longo do País como uma grande saída . Todos sabiam que não eram em si a solução.

No momento em que optaram pela Olimpíada no Rio, os governantes queriam projetar o poder de um Brasil emergente. Havia dinheiro e empreiteiras para tudo. Grande parte desse dinheiro já foi gasta. Impossível reverter o processo. O realmente necessário, no entanto, não foi procurado: a resposta a como tocar a Olimpíada num momento de crise profunda; e como evitar que o Estado se desintegrasse, num campo essencial como o da saúde.

Jamais neguei o potencial de uma Olimpíada para o turismo e a economia brasileira. Menos ainda seu papel de projetar um soft power, uma cultura e um estilo de vida do País. Mas um evento dessa magnitude pode revelar exatamente o contrário do que pretendem os políticos. Ele dramatiza a nossa fragilidade. A Baía de Guanabara está sendo projetada pelos atletas que treinam nela como um espaço imundo e perigoso.

Num ano em que os esportes olímpicos se preparam para grandes recordes, nas ruas do Rio vivem-se modalidades mais sinistras: parto na calçada, chacina de adolescentes. O governo do Rio encostou-se no petróleo e na aliança com Dilma. O petróleo caiu, Dilma apenas respira. Foi tudo vivido como se os royalties fossem crescentes e eternos. 

Entramos no ano da Olimpíada com uma retaguarda problemática, manchas comprometedoras em nosso traje de gala. E somos os anfitriões.

Esse é um dos nós de 2016. Assim como os outros, já estava rolando no ano velho, mas agora o Rio passa a ser uma agenda internacional. Não apenas o Rio, mas o Brasil.

Não é fácil atrair a atenção do mundo, com esperanças de projetar poder, num Estado atingido pela combinação da crise com o escândalo na Petrobrás. Como realizar a Olimpíada despojado da visão delirante do passado, respeitando as condições reais, sem humilhar uma população vulnerável, que depende do serviço público de saúde?

A Olimpíada ficou um pouco deslocada, como se ela se desenrolasse num mundo à parte, blindado contra a crise.
De um ponto de vista político, é preciso reconsiderar tudo. A imagem de um país esbanjando progresso ficou no passado. A pergunta que todos farão é esta: como se faz Olimpíada num país em recessão, com milhões de desempregados e emergências, universidades, hospitais de ponta, como um moderno hospital do cérebro, fechados por falta de grana?

Foi um projeto nacional de grupo dominante. Dilma terá de buscar também essa resposta, aproveitando os momentos em que respira. A qualquer instante pode voltar a asfixia paralisante. E a Olimpíada está aí. O Brasil será o foco de interesse internacional num dos momentos mais difíceis de sua História.

Sempre se começa um ano com festas e promessas. Só depois examinamos os desafios que nos esperam. A Olimpíada é, ao mesmo tempo, uma grande festa e um desafio. 

Nadamos pelados na maré alta e quando ela baixa convidamos todos a nos olhar. É uma das operações de risco em 2016. É o ano que concentrará o maior banco de dados sobre a corrupção no Brasil. Inúmeros depoimentos virão, novas investigações serão feitas, a história secreta do poder vai sendo escrita pela Operação Lava Jato e outras da Polícia Federal.

Nunca as engrenagens e os mecanismos do sistema político ficaram tão claras. O volume de dados, a claridade, tudo isso tem um poder de combustão incalculável, ao longo do ano.

Ano de imprevisíveis eleições municipais. Até que ponto a crise nacional não influirá nelas? Até que ponto a ruína das prefeituras não vai produzir maciças alternâncias? Como o resultado de todo esse enigma influenciará de novo a crise nacional?

Ano de eleição, costuma ser ano de gastança. Um governo que apenas respira, precisa produzir um novo voo de galinha na economia, uma nova ilusão de crescimento. Mas a galinha está alquebrada e precisa de um ano sabático.

O Brasil pode terminar 2016 mais pobre, como preveem os economistas. O consolo é prever que cada vez o País saberá mais, cada vez acumula mais elementos para ousar a mudança.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Barroso, o Humpty Dumpty do STF


Barroso sem a toga

- “Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num tom bastante desdenhoso, “ela significa exatamente o que quero que signifique: nem mais nem menos.” 

- “A questão é”, disse Alice, “se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes.” 

- “A questão”, disse Humpty Dumpty, “é saber quem manda — só isto.” 

(in "Através do espelho e o que Alice encontrou por lá", de Lewis Carrol).

ATENÇÃO: o diálogo abaixo - entre Teori Zavaski e Luis Barroso em recente julgamento no STF - é a tradução atualizada do episódio em que Alice discute com Humpty Dupty. Zavasky faz as vezes de Alice. Barrosão, claro, não nega a própria natureza ao incorporar o espírito do prepotente ovo:

BARROSO ─ “Alguém poderia imaginar que o Regimento Interno da Câmara pudesse prever alguma hipótese de votação secreta legítima. Eu vou ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados e quando vejo os dispositivos que tratam da formação de comissões, permanentes ou temporárias, nenhum deles menciona a possibilidade de votação secreta”.

TEORI ─ “Vossa Excelência me permite?”.

BARROSO ─ “Pois não”.

TEORI ─ “Salvo engano meu, há um dispositivo, sim, do Regimento Interno, artigo 188, inciso III. Diz que a votação por escrutínio secreto far-se-á para eleição do presidente e demais membros da Mesa Diretora, do presidente e vice-presidente de comissões permanentes e temporárias, dos membros da Câmara que irão compor a comissão representativa…

BARROSO ─ “Sim, mas olha aqui…”  

TEORI - … “e dos cidadãos que irão integrar o Conselho… e nas demais eleições”. 


BARROSO ─ “Considero, portanto, que o voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara no meio do jogo”.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Votos para 2016


1°) Para dona Dilma e seus mirmídones: que as pulgas de mil camelos invadam suas casas, seus palácios e salas de reuniões;

2°) Aos brasileiros decentes: muito sexo, vinho, uísque, cerveja, jazz e desobediência civil;

3°) A Michel Temer: assumir logo a presidência do país;

4°) Ao resto do mundo: Mandar para o inferno, já, sem culpa, tiranos ridículos como Fidel, Kim Jong-un e a turma do Estado Islâmico, entre outros lixos que ainda infelicitam a humanidade.

A Medida Provisória do escárnio (Modesto Carvalhosa)


Mais uma vez o corrupto governo do Partido dos Trabalhadores mostra sua capacidade de zombar da cidadania, no seu soberbo desprezo pelos princípios da decência na administração da coisa pública.

Temos no país duas nítidas situações no que respeita a corrupção: de um lado, a Polícia Federal, o Ministério Público, a Justiça Federal e os tribunais superiores (STJ e STF) num duro combate que vem resgatando a honra do povo brasileiro; de outro, a presidente da República, o Ministério da Justiça, a CGU e a AGU, que de todas as maneiras vêm legalizando a corrupção, numa tentativa desesperada de manter o esquema de propinas que é a base fundamental do projeto hegemônico do PT.

Assim é que o governo (?) continua lutando dia e noite para legalizar definitivamente a corrupção. Para tanto emite medidas provisórias (MPs), decretos e portarias visando a permitir que a administração pública volte a contratar as 29 empreiteiras envolvidas nos delitos já detectados na Petrobras, na Eletrobras, no DNIT e demais antros do “organograma” governamental, devidamente aparelhados.

Em vez de generalizar o regime diferenciado, um hipotético governo idôneo, a esta altura do desastre, o que faria? Simplesmente teria adotado o sistema de performance bond, quebrando, por meio dele, a interlocução direta entre as empreiteiras e os agentes do Estado, tal como há 120 anos se pratica nos EUA.

Esse consagrado seguro de obras públicas transfere para as seguradoras a responsabilidade pelo justo valor contratado, pela fiscalização efetiva das medições dos serviços e pelo estrito cumprimento dos cronogramas. Mas o atual grupo que domina o país nada fez e nada fará nesse sentido.

Para esse inqualificável governo que está aí, essas empreiteiras não fizeram nada de errado. Foram somente seus diretores que erraram. As pessoas jurídicas não podem ser punidas, pois delas é que vêm os recursos da corrupção que amealham nos superfaturamentos, nas medições falsas de seus serviços, nos aditamentos de obras que nunca entregam, ou o fazem com atraso, mas sempre com péssima qualidade.

No seu heroico e pertinaz esforço de legalizar a corrupção, o governo petista entende existirem alguns empecilhos: a Operação Lava Jato, a Operação Zelotes e, sobretudo, a Lei Anticorrupção, que Dilma foi obrigada a engolir por força dos tratados internacionais que o Brasil assinou… para inglês ver.

Segue-se mais um entrave que o Planalto entende que deva ser neutralizado: o intrépido Ministério Público Federal, que se tem valido das leis, como a de Improbidade e a de Licitações, da ação civil pública e outros consagrados diplomas legais para punir essas empreiteiras corruptas, impondo-lhes sanções severas, incluída a proibição de contratação com o poder público e ressarcimento cabal do produto dos crimes continuados de corrupção.

O esquema de legalizar a corrupção começou com o Decreto n.º 8.420, de março de 2015, que desfigurou completamente a Lei Anticorrupção, que é autoaplicável, não tendo necessidade de nenhuma regulamentação do Executivo. Em seguida vieram as famigeradas Portarias 909 e 910 da conivente e cúmplice CGU, desfigurando, mais uma vez, a Lei Anticorrupção. Logo depois surgiu a famigerada MP n.º 678/15, que derroga, pura e simplesmente, a Lei 8.666 ao instituir o “Regime Diferenciado de Contratações” para as obras contratadas pelo governo federal e, via de consequência, para suas pilhadas estatais.

Vale dizer: nada de licitação, concorrência e quejandos. Haverá convites, evidentemente, para as empreiteiras que costumam pagar propina ao PT e demais “partidos da base aliada”. E ainda mais agora que temos as eleições municipais, que demandam milhões em propinas, necessárias para serem reeleitas as gangues de prefeitos e vereadores que pilham, há décadas, grande parte dos municípios brasileiros.

last but not least, mediante a MP n.º 703, de 18 de dezembro, a sra. presidente desfigura completamente o acordo de leniência instituído na Lei Anticorrupção para transformá-lo no instrumento de anistia plena, geral e irrestrita das 29 empreiteiras corruptas, trazendo-as de volta ao seio do governo.

Basta qualquer empreiteira corrupta, no presente e no futuro, assinar um documento pomposo, mas vazio de conteúdo, comprometendo-se a seguir regras de bom comportamento, tais como código de ética, auditorias internas e outras perfumarias, para voltar ao convívio pleno da administração, continuando as obras superfaturadas ou iniciando novas que propiciem fartamente propinas para os agentes públicos, os políticos e os partidos situacionistas.

Mas não para aí essa sórdida MP. Tão logo a empreiteira corrupta faça voto de castidade, ficam extintos todos os processos judiciais e administrativos, com base em quaisquer leis vigentes, no que respeita às virtuosas empresas arrependidas e indultadas. Nenhuma multa, nenhum ressarcimento ou outra penalidade serão aplicados às empreiteiras que farisaicamente prometerem, no papel, comportar-se bem doravante.

Ficam isentas de reposição dos valores que roubaram do poder público. E, assim, as ações que o Ministério Público ou qualquer outro órgão ou ente administrativo estejam promovendo contra essas pobres empreiteiras ficam extintas no exato momento em que elas assinarem o misericordioso “acordo de leniência”.


A edição desta MP 703, que legaliza o crime, escancara o caráter absolutamente corrupto do governo. Como é que a presidente Dilma, ao assinar e remeter ao Congresso essa abjeta MP, poderá, doravante, afirmar que não é corrupta? E, agora, também se pergunta: o nosso Ministério Público Federal – a quem a nação deve muitíssimo – vai deixar por isso mesmo? Trata-se de um “diploma” absolutamente inconstitucional ao legalizar a corrupção no país. Não se trata de uma medida provisória. Trata-se de um corpo de delito.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Lula, o informante (Editorial do Estadão em 27/12/2015)


Em depoimento à Polícia Federal (PF) no dia 16 passado, no âmbito da Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia falar de um outro governo, e não daquele cuja chefia ele exerceu ao longo de oito anos. Todas as suas respostas às autoridades, relativas a seu conhecimento do escândalo do petrolão, invariavelmente indicavam ignorância ou envolvimento apenas incidental. A responsabilidade, segundo ele, sempre foi dos outros – a começar por seu ministro José Dirceu.

Como Lula prestou depoimento na condição de “informante”, conforme consta no despacho do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, esperava-se que ele tivesse ao menos alguma contribuição a dar para o esclarecimento dos fatos. Em sua oitiva, no entanto, Lula, a exemplo do que já fizera no caso do mensalão, preferiu fazer os brasileiros de tolos, ao dizer que nunca soube de nada a respeito de desvios na Petrobrás quando era presidente. “Esses fatos não eram também do conhecimento dos órgãos de fiscalização e controle, bem como da própria imprensa”, justificou-se Lula. Não consta que tenha corado. Com isso, Lula pretende convencer o País de que ele, como presidente da República, estava sendo enganado tanto quanto os cidadãos comuns, embora um dos principais beneficiados pelo assalto à Petrobrás tenha sido seu partido, o PT.

Mas a exibição pública da essência de seu caráter e o insulto à inteligência alheia não pararam por aí. Lula explicou à PF que “cabia à Casa Civil receber as indicações partidárias” para preencher as diretorias da Petrobrás, que estão no centro do escândalo. O chefão petista lembrou que o ministro da Casa Civil na época era José Dirceu, a quem coube “escolher a pessoa que seria nomeada”.
Lula disse que não participava, em nenhum momento, desse processo de nomeação – ele apenas “recebia os nomes dos diretores a partir de acordos políticos firmados”. Tais acordos eram feitos, declarou ele, “pelo ministro da área, pelo coordenador político do governo e pelo partido interessado na nomeação”. Para Lula, não havia nada de errado nisso, pois “em uma política de coalizões presume-se que haja distribuição de Ministérios e cargos importantes do governo para os partidos políticos que compõem a base de apoio”.

Somente quando tudo era resolvido entre todas as partes, disse o ex-presidente, é que o nome do escolhido lhe era submetido – e Lula então resolvia se “concordava ou não com o nome apresentado” conforme os “critérios técnicos que credenciavam o indicado”. Ou seja, o ex-presidente quer mesmo fazer todo mundo acreditar que a Petrobrás foi assaltada por diretores nomeados exclusivamente por suas qualidades técnicas.

Além disso, a estratégia do “informante” petista é, como sempre foi, desmoralizar as investigações. Ele sugeriu que os ex-diretores da Petrobrás que delataram o esquema não contaram a verdade, e sim somente aquilo que os investigadores queriam ouvir, em troca dos “benefícios que a colaboração premiada dá ao delator”. Tudo isso faria parte de um maligno “processo de criminalização do PT”, acusou Lula.

Mas o ex-presidente, mesmo sendo mestre na arte de dissimular, teve de admitir à polícia que de fato é amigo do pecuarista José Carlos Bumlai – aquele que está preso e confessou ter participado de um esquema envolvendo um contrato da Petrobrás para abastecer os cofres do PT com R$ 12 milhões. Lula garantiu, porém, que “jamais tratou com Bumlai sobre dinheiro ou valores” – e isso, disse o petista, era “algo merecedor de respeito”.

O depoimento de Lula é repleto de embustes dessa natureza. Em seus melhores momentos, o ex-presidente declarou que “nunca tratou com qualquer liderança de qualquer partido sobre a indicação de algum nome para cargo na administração pública” e que o apoio dos partidos da coalizão governista era “baseado na afinidade dos partidos com o programa de governo”. Depois disso, a Polícia Federal deve ter se convencido de que é impossível extrair de Lula alguma informação útil ou relevante, pois o chefão petista é simplesmente incapaz de dizer a verdade.


O lado vermelho da Força



domingo, 27 de dezembro de 2015

Mar de incertezas


Depois de tumultuar o final do julgamento da Ação Penal 470 - aquela do mensalão - o recém chegado à Corte Suprema, ministro Luiz Roberto Barroso, põe novamente as manguinhas de fora no caso do impeachment de dona Dilma. Sabe ele perfeitamente o quanto é importante, para bloquear a decisão tão desejada pelo povo brasileiro, a presidência da Câmara dos Deputados. Prestou-se assim ao papel de pau de amarrar égua, frente ao pleno do STF, em favor dos interesses escusos do palácio do Planalto. Tão ensandecido estava, na sessão de julgamento em que os procedimentos para a definição do impedimento de Dilma foram apreciados, que não teve nenhum pejo de fraudar, à vista de todos, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 

Um papelão, diriam os mais antigos. O ministro Gilmar Mendes foi mais poético ao classificar o ambiente jurídico e político: um mar de incertezas, segundo ele. Extremamente sutil, o ministro Gilmar, essa é a verdade. O que há, mesmo, é um oceano de incertezas e de irregularidades. O espírito de Hugo Chavez parece ter-se infiltrado por sob a toga do Barroso. O ódio contra Eduardo Cunha que lhe modelava o semblante era tão evidente, que ele não conseguiu ver o que estava escrito no referido Regimento que, aliás, estava a ler, mesmo com sua atenção chamada pelo ministro Teori Zavaski. Distraído, fingiu de surdo, ou de besta. 

Barroso revelou-se um fraco, sem condições para continuar julgando, pois que incapaz de compreender o papel que se espera de alguém que cumpre a função neutra do Estado-Juiz. Deixou-se conduzir pelas suas conveniências, e idiossincrasias, comprometendo o interesse público em julgamento de capital relevância para a sociedade. Melhor teria sido se votasse ao estilo nefelibata de dona Rosa Weber, tão aérea que até dá pena aos que a ouvem falar. Faz lembrar a namorada do Howard Wolowitz, bem sonsinha, do seriado Big Bang Theory. 

Graças à transmissão ao vivo dos julgamentos plenários do STF, o povo brasileiro pode fazer um juízo qualificado sobre aqueles que decidem, em última instância, questões de interesse da coletividade. Pelo visto, o mínimo que se pode dizer, infelizmente, é: com essa turma estamos lascados. "Não estou pelos autos; não me calha; não estou pelos autos", embirrava eventualmente o paquidérmico desembargador Amado, modelo ímpar de magistrado, segundo dizia Eça de Queirós, em O Conde de Abranhos.