O ano velho terminou com uma vitória do governo no Supremo. Alguns
consideram a salvação de Dilma. Se estivesse na UTI e fosse salvo por gente
usando frases em latim, desconfiaria. Na penumbra do quarto pode soar como uma
extrema-unção. Mais complexo, o impeachment dará tempo a ela para respirar.
Resta saber o que fará com essa dose extra de oxigênio.
A troca de ministros na economia nos confunde. Caiu Joaquim Levy, subiu
Nelson Barbosa. O discurso é de continuidade e o mercado parece não confiar
nele. Já as forças que defendem Dilma parecem confiar no que diz o novo
ministro e lamentam seu discurso. Com a manobra Dilma descontentou,
simultaneamente, quem a apoia e quem a rejeita.
Indiferente às opiniões, a realidade marcha no ritmo implacável da lama
de Mariana.
Crescem a inflação e o desemprego, Estados e municípios começam a dar
sinais de quebradeira. Aqui, no Rio de Janeiro, a crise eclodiu na saúde,
atingindo os mais pobres num momento de vulnerabilidade, buscando socorro
médico nas emergências.
Este é o ano da Olimpíada. O colapso do sistema de saúde o inaugura. A
festa foi programada num momento de euforia com o Brasil e com o petróleo. De
lá para cá veio a a crise econômica. No caso específico do Rio, vieram o
petrolão, com a ruína da Petrobrás, e as quedas no preço internacional do petróleo.
Em 2010 tive a oportunidade de mostrar a fragilidade da saúde pública no
Rio, visitando hospitais, com ou sem autorização do governo. Incompetência e
corrupção se entrelaçavam e os governantes escaparam com as UPAs, algumas
replicadas ao longo do País como uma grande saída . Todos sabiam que não eram
em si a solução.
No momento em que optaram pela Olimpíada no Rio, os governantes queriam
projetar o poder de um Brasil emergente. Havia dinheiro e empreiteiras para
tudo. Grande parte desse dinheiro já foi gasta. Impossível reverter o processo.
O realmente necessário, no entanto, não foi procurado: a resposta a como tocar
a Olimpíada num momento de crise profunda; e como evitar que o Estado se
desintegrasse, num campo essencial como o da saúde.
Jamais neguei o potencial de uma Olimpíada para o turismo e a economia
brasileira. Menos ainda seu papel de projetar um soft power, uma cultura e um
estilo de vida do País. Mas um evento dessa magnitude pode revelar exatamente o
contrário do que pretendem os políticos. Ele dramatiza a nossa fragilidade. A
Baía de Guanabara está sendo projetada pelos atletas que treinam nela como um
espaço imundo e perigoso.
Num ano em que os esportes olímpicos se preparam para grandes recordes,
nas ruas do Rio vivem-se modalidades mais sinistras: parto na calçada, chacina
de adolescentes. O governo do Rio encostou-se no petróleo e na aliança com
Dilma. O petróleo caiu, Dilma apenas respira. Foi tudo vivido como se os
royalties fossem crescentes e eternos.
Entramos no ano da Olimpíada com uma retaguarda problemática, manchas
comprometedoras em nosso traje de gala. E somos os anfitriões.
Esse é um dos nós de 2016. Assim como os outros, já estava rolando no
ano velho, mas agora o Rio passa a ser uma agenda internacional. Não apenas o
Rio, mas o Brasil.
Não é fácil atrair a atenção do mundo, com esperanças de projetar poder,
num Estado atingido pela combinação da crise com o escândalo na Petrobrás. Como
realizar a Olimpíada despojado da visão delirante do passado, respeitando as
condições reais, sem humilhar uma população vulnerável, que depende do serviço
público de saúde?
A Olimpíada ficou um pouco deslocada, como se ela se desenrolasse num
mundo à parte, blindado contra a crise.
De um ponto de vista político, é preciso reconsiderar tudo. A imagem de
um país esbanjando progresso ficou no passado. A pergunta que todos farão é
esta: como se faz Olimpíada num país em recessão, com milhões de desempregados
e emergências, universidades, hospitais de ponta, como um moderno hospital do
cérebro, fechados por falta de grana?
Foi um projeto nacional de grupo dominante. Dilma terá de buscar também
essa resposta, aproveitando os momentos em que respira. A qualquer instante pode voltar a asfixia paralisante. E a Olimpíada
está aí. O Brasil será o foco de interesse internacional num dos momentos mais
difíceis de sua História.
Sempre se começa um ano com festas e promessas. Só depois examinamos os
desafios que nos esperam. A Olimpíada é, ao mesmo tempo, uma grande festa e um
desafio.
Nadamos pelados na maré alta e quando ela baixa convidamos todos a nos
olhar. É uma das operações de risco em 2016. É o ano que concentrará o maior banco de dados sobre a corrupção no
Brasil. Inúmeros depoimentos virão, novas investigações serão feitas, a
história secreta do poder vai sendo escrita pela Operação Lava Jato e outras da
Polícia Federal.
Nunca as engrenagens e os mecanismos do sistema político ficaram tão
claras. O volume de dados, a claridade, tudo isso tem um poder de combustão
incalculável, ao longo do ano.
Ano de imprevisíveis eleições municipais. Até que ponto a crise nacional
não influirá nelas? Até que ponto a ruína das prefeituras não vai produzir
maciças alternâncias? Como o resultado de todo esse enigma influenciará de novo
a crise nacional?
Ano de eleição, costuma ser ano de gastança. Um governo que apenas
respira, precisa produzir um novo voo de galinha na economia, uma nova ilusão
de crescimento. Mas a galinha está alquebrada e precisa de um ano sabático.
O Brasil pode terminar 2016 mais pobre, como preveem os economistas. O
consolo é prever que cada vez o País saberá mais, cada vez acumula mais
elementos para ousar a mudança.
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