sábado, 11 de julho de 2009

A GRANDE MARANHA

Nome é destino. Os últimos eventos protagonizados por José Sarney apenas confirmam este velho adágio tantas vezes repetido. Maranhão significa maranha grande. Igual cabeção, sapatão e Raimundão, respectivamente, cabeça, sapato e Raimundo grandes. E o que os dicionários apresentam como significado de maranha?

Maranha: s.f. Fios ou fibras enredados, embaraçados. / Teia de lã que ainda não se levou ao pisão. / Fig. Negócio complicado, intricado: vive metido em maranhas. / Intriga, enredo, mexerico.

A coleção de incidentes (vá lá a concessão), ou de maranhas, em que o ex-presidente Sarney se enredou cabe perfeitamente na formulação acima: São negócios complicados e intrincados; são intrigas, enredos e mexericos. E como os tais negócios complicados e intrincados, bem como as intrigas, enredos e mexericos são de elevado porte, podem ser definidos como grandes maranhas. Ou numa expressão sintética: um maranhão. A cada dia a imprensa reafirma que Sarney vive metido em coisas enroladas com novos e surpreendentes casos.

Nos anos 70 do século passado Chico Buarque cantava: "ai! essa terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal!". O Brasil, infelizmente, não se tornou um imenso Portugal - o que seria uma glória e um avanço - conforme desejava o poeta outrora libertário. Tornou-se coisa pior: uma imensa, uma grande maranha. Um maranhão, enfim. O Senador Jarbas Vasconcelos (da estirpe dos grandes homens nascidos em Pernanmbuco) alertou no início de 2009 que Sarney transformaria o Senado num Maranhão. Foi modesto o lúcido parlamentar do velho PMDB.
Introduzido na política regional pelas mãos do pernambucano Vitorino Freire - sargento de polícia especializado em perseguir jagunços - José Sarney caminha para a porta de saída (a dos fundos, como fez ao sair do governo em 1990), sob a proteção de outro conterrâneo do finado senador Vitorino Freire - o atual presidente Lula da Silva, este um verdadeiro sargentão sem compostura que chefia a turma do mensalão. Parece, até, profecia: com pernambucano entra, com pernambucano finda. E o ciclo parece se fechar numa coincidência digna da literatura fantástica. O título da biografia do imortal presidente do senado da república pode ser antecipado: "De Vitorino a Lula: os marimbondos da grande maranha". Se não der romance pode virar cordel.

terça-feira, 7 de julho de 2009

"LULA NÃO TEM PUDOR" (Senador Jarbas Vasconcelos, PMDB/PE)

“A crise do Senado é gravíssima, seu desfecho é imprevisível, tudo pode acontecer.” Essas palavras iniciais, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não são minhas, fazem parte da nova cantilena adotada pelo Presidente Lula para, mais uma vez, distorcer a verdade em benefício próprio. Com esse discurso assustador, S. Exª procurou intimidar os Senadores do PT, que cometeram o sacrilégio de insurgirem-se contra o roteiro que havia estabelecido para o período eleitoral que se avizinha.
Como que ungido por uma força sobrenatural, o Presidente Lula planejou em detalhes todos os eventos políticos para os próximos meses, para que, ao final, eleja como sucessora na Presidência a sua candidata, a Ministra Dilma, de preferência de forma consagradora, não para ela, mas para si próprio.
Entre esses eventos que fazem parte do futuro idealizado por Lula, Sr. Presidente, consta em destaque o apoio do PMDB. Interessa a S. Exª o tempo de televisão, a grande estrutura partidária e o apoio congressual em um futuro governo. E me refiro a isso tudo em sentido amplo. Não importa ao Presidente respeito às leis ou à Constituição, muito menos consideração a quaisquer princípios éticos ou morais. Nosso Presidente não tem pudor algum; tudo fará para permanecer no poder, inclusive comprometer seus correligionários e destruir o que ainda resta de dignidade no Congresso Nacional, especialmente no Senado Federal. Não tem compromisso com nada e com ninguém, a não ser consigo mesmo. Deslumbrado pelo poder e pelos índices de aprovação de seu governo, considera-se acima das instituições.Partindo dessa análise megalomaníaca, na última semana, [Lula] decidiu resolver a crise que se abate sobre esta Casa. Uma ingerência sem limites, vista anteriormente apenas durante a ditadura militar. Interveio para impor a permanência do Presidente Sarney. Constrangendo e ameaçando seus próprios partidários, decidiu que, contra todos os fatos, irá impor sua vontade imperial, sustentando um Presidente do Senado que não tem apoio interno para permanecer no cargo, um presidente que se transformou em uma rara unanimidade negativa frente à opinião pública. Ainda assim, como intuiu que o afastamento pode frustrar seu projeto, vai impor ao Senado e ao Brasil a permanência de Sarney.
Lula tem razão quando diz que a crise do Senado é gravíssima, mas distorce a realidade ao afirmar que o desfecho é imprevisível. A solução natural para que iniciemos uma completa reforma desta Casa é o afastamento do Presidente Sarney.
O momento posterior a esse fato é inteiramente previsível. O Vice-Presidente do Senado, Senador Marconi Perillo, irá convocar nova eleição. O PMDB irá indicar, entre os membros da sua bancada, aquele que melhor represente a continuidade do projeto de poder do Presidente da República e da parcela do PMDB que dá sustentação ao governo no Senado da República. E esse candidato será eleito – ou alguém duvida da capacidade de convencimento do onipresente Senador Renan Calheiros. Eis aí o desfecho para esta crise. Tudo ocorrerá na mais tranqüila ordem e dentro de toda previsibilidade.
A imprevisibilidade aludida pelo Presidente Lula não diz respeito ao Senado da República mas sim ao seu projeto pessoal de continuidade. Sua Excelência teme perder o domínio sobre a Bancada do PMDB no Senado – ameaça que, de forma sutil, foi levada por seus interlocutores.
Este é o quadro: um Presidente da República que pensa única e exclusivamente em si mesmo e que subjugou, de maneira vexatória, seus companheiros; os Senadores do PT, que, majoritariamente, decidiram pelo afastamento do Presidente Sarney e tiveram de voltar atrás, e, finalmente, o PMDB – ou aquilo em que se transformou o partido de Ulisses Guimarães – mais preocupado em manter privilégios do que enfrentar os reais problemas de nosso país. Hoje, o Senado, instituição centenária, é submetido aos ditames desses grupos.
O que podemos fazer, Sr. Presidente Mão Santa?
1) Chamar à razão o Presidente Sarney – que, de maneira recorrente, valoriza sua biografia, sua condição de estadista – e fazê-lo ver que está destruindo a si mesmo e a esta Casa;
2) Persuadir os Senadores do PT – ou pelo menos os que ainda guardam alguma identidade com os princípios éticos que defendiam num passado recente – a reafirmar a decisão da bancada pelo afastamento do Presidente da Casa;
3) Quanto à bancada do PMDB, não tenho ilusões; não há apelo que suplante os interesses individuais dos nossos Senadores, e V. Exª sabe disso.
Tenho horror a exercer o papel de paradigma da moralidade; não me agrada quando tentam impingir a mim essa função. Não sou diferente de ninguém e tenho como princípio não julgar quem quer que seja. Mas, a atual crise impõe uma tomada de posição, e a minha é estar ao lado daqueles que defendem o afastamento imediato do Presidente desta Casa, para que possamos voltar a desempenhar o papel institucional para o qual fomos eleitos.
Não vai aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, qualquer questão pessoal em relação ao Presidente Sarney. Ressalto esse ponto, pois a cultura que se criou nesta Casa a partir do episódio que envolveu o Senador Renan Calheiros é de que críticas de cunho político são invariavelmente transferidas para o campo pessoal.
Qualquer reforma administrativa no Senado só poderá ser realizada se tiver o mínimo de apoio da opinião pública e essa condição só será atingida a partir do afastamento do Presidente Sarney. S. Exª infelizmente personifica, para boa parte da mídia e da opinião pública, todas as distorções que ocorreram nos últimos 15 anos.
O Senado vai mudar, vai mudar porque essa mudança é uma exigência da sociedade, vai mudar porque esse é o desejo da maioria dos Senadores, vai mudar pelas mãos de inúmeros servidores desta Casa que querem vê-la valorizada e respeitada. Infelizmente, essa mudança, que ocorreria cedo ou tarde, de maneira natural, será concretizada agora, em meio a uma crise. Mas ela é inexorável, pois é a sociedade que está mudando.
O Presidente Lula está na contramão da sociedade. Seus altos índices de aprovação devem-se aos inegáveis avanços sociais e econômicos que o Brasil alcançou nos últimos 15 anos a partir do Plano Real, quando vencemos, definitiva e competentemente, a inflação. O Presidente confunde seu governo com sua pessoa. O Presidente, presunçoso, acha que sua popularidade lhe dá o direito de julgar condutas. Absolveu os mensaleiros e os companheiros criminosos que forjaram dossiês eleitorais. Entende que todos aqueles que contribuem para o seu objetivo de poder estão acima da lei.
A sociedade a tudo isso assiste, inconformada em ver valores tão caros a ela, como a ética e honestidade, serem repetidamente desconsiderados por seu Presidente. Lula precisa saber que para tudo há um limite. Os segmentos sociais mais independentes já começam a discernir o que é bravata e o que é dissimulação.
É hora de refluir, de rever condutas. Não é mais possível aceitarmos esse patrimonialismo antiquado, esse fisiologismo que, de tão incentivado, convive amistosamente com a corrupção. Precisamos dar um basta a isso tudo, a começar pela cobrança de uma nova postura do Presidente da República, o verdadeiro responsável pelo lamentável nível da atual composição do Congresso Nacional.
Ao enquadrar a Bancada do PT no Senado e interferir de maneira despudorada em outro Poder da República, o Presidente Lula encerra de vez o sonho daqueles que o elegeram acreditando em um País mais justo.” (Discurso no Senado, em 6/7/2009)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

COLUNA EM PEDAÇOS: O PROBLEMA DA PESSOA COMUM NO BRASIL

(Artigo do grande antropólogo Roberto da Matta publicado em 24/06/2009 no jornal "O Estado de São Paulo).

“Sarney tem uma história suficiente para não ser tratado como uma pessoa comum”. (Presidente Lula - 2009). “A primeira coisa que um político de lá (de Bruzundanga) pensa, quando se guinda às altas posições, é supor que é de carne e sangue diferente do resto da população”. (Lima Barreto - 1923)

Incrível semana. O Supremo Tribunal Federal acaba com as implicações legais do diploma de jornalista e desfere um golpe de morte no velho corporativismo hierárquico dos diplomas oficiais já denunciado por Lima Barreto como inventores de “castas doutorais”. Eis uma decisão modernizadora, do lado da igualdade e da liberdade que vai promover uma maior responsabilização do mercado no sentido de separar diploma de capacidade profissional, coisa que — nesta mesma semana — foi confundida pelos presidentes Sarney e Lula que defenderam o velho componente hierárquico-aristocrático do Brasil.

De um lado, uma vértebra aberta; do outro, o ideal da imobilidade que ronda o poder à brasileira. No STF, a medida que reconhece a igualdade e a liberdade como valores centrais da atividade jornalística, pois o papel do jornal não é embrulhar peixe, mas transformar o chamado “real” numa criatura domesticável, compreensível e, tanto quanto possível, bela, verdadeira e suportável. Uma coisa — diz o STF — é o curso de jornalismo; uma outra é a exclusão de quem não tem diploma de exercer o jornalismo.

Na nossa mania tordesilheana de regulamentar o mundo, nosso horror às fronteiras e a nossa obsessão de resolver a realidade com a lei, inventamos diplomas com efeitos legais que dão direitos exclusivos, garantem aumento de salário e livram a pessoa da prisão. Neste sentido, o “canudo” tira o cidadão de condição de pessoa comum, dando-lhe sangue azul ou, como diz Sarney, uma “biografia”.

O discurso de Sarney estarrece pela dissociação entre o orador e a instituição que preside. A crise é do Senado, não é dele, Como, se ele é senador e presidente? A esquizofrenia impede responsabilização e justifica as hipocrisias. Não dá mais para pensar que uma coisa é a lei e outra é a policia ou quem cometeu o crime. Ou as regras produzem efeitos ou elas não têm valor. É o zelo pelas normas que garante a legitimidade institucional.

Se um jogador de futebol não honra e internaliza as regras do jogo e diz não é dele, mas do futebol, adeus esporte. Como é possível um motorista que nada tem a ver com o trânsito? Ou um prefeito que nada tem a ver com o ilegal? A capacidade de dissociarse das responsabilidades inscritas nos cargos é uma característica dos sistemas de éticas dúplices, como, aliás, digo em “Carnavais, malandros e heróis”.

Neles, quem é especial não se sujeita às mesmas regras dos comuns. Um Lula-presidente percebeu o problema. Quando metalúrgico, denunciava mais portentosamente do que os jornais; como presidente e pessoa incomum e com “biografia”, acusa a mídia. A perspectiva hierárquica está convencida que ninguém pode se orgulhar de ser uma pessoa comum — esse ponto crucial das democracias liberais e do republicanismo. Eis um belo exemplo de como conceito igualitário de cidadania é reinterpretado hierarquicamente pelo senador e pelo presidente quando observam que, dependendo da “biografia”, o sujeito está isento de dar satisfações e de ser cobrado pelo que deve ao país que lhe paga o ordenado e mordomias.

Pela angulo da vertente hierárquica, o sonho é ser um “brâmane” ou nobre — ou ambos! Faz tempo eu sugeri que o papel de renunciante do mundo tem também um lugar importante na política nacional, um universo no qual se entra jurando fazer todos os sacrifícios em nome dos famintos e dos pobres e fica-se imensamente rico justamente por causa disso. Pertencer as “altas esferas” e aninhar-se em alguma “boca” — um emprego sem trabalho — ainda é um projeto. Emprego público é uma contradição em termos porque os funcionários — com as exceções de sempre — não são do público e o sistema opera ao contrario: é o público que lhes deve boa vontade e respeito.

Igualzinho ao discurso de Sarney (e a sua defesa por Lula) que, no fundo, é uma rara e importante peça reveladora de como os políticos profissionais brasileiros (no poder) pensamse a si mesmos. O sistema é duplo. Há uma ética para o cargo e outra para a pessoa que o ocupa. Os cargos criam aristocracias ou “castas”.

Mas com uma diferença crucial pois, pela brasilianização do sistema de castas que, na Índia, não contempla o individualismo existente entre nós, quanto mais em cima, menos é preciso cumprir as leis. Na Índia, entretanto, ocorre o exato oposto. Lá, um brâmane justamente por ser mais puro (e não mais poderoso) é obrigado a seguir todas as regras e a dar o exemplo. Aqui, porém, como temos uma hierarquização com igualdade, sem interdependências morais, de modo que só as “castas” mais baixas são obrigados a obedecer as leis. Os “brâmanes”, sendo pessoas excepcionais e tendo biografias, estão acima das leis que, um outro pedaço do sistema (que se define — eis o problema — como republicano e igualitário) diz que valem para todos.

É justo este dilema que despedaça a coluna. Pelo menos a minha que, depois de um mês de férias e justo tratamento, só vai voltar em agosto."