A família Silva, antes de o apelido do chefe, Lula, ter sido adicionado
à própria denominação, morou numa modesta casa de vila operária no Jardim
Assunção, em São Bernardo do Campo, há 40 anos. O presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, hoje intitulado do ABC, não tinha mais
de dar expediente no torno mecânico, para o qual fora habilitado pelo Serviço
Nacional da Indústria (Senai), e liderava greves operárias que desafiaram a
legislação trabalhista da ditadura, abalando com isso as estruturas do regime
tecnocrático-militar de exceção. Ele simbolizava então a nova classe operária
brasileira e, assim, deu-se ao luxo de adquirir um sítio, que denominou Los
Fubangos, às margens da Represa Billings, perto de casa, e atualmente está abandonado.
Agora, 40 anos depois, Luiz Inácio e Marisa Lula da Silva, que moram num
apartamento dúplex em bairro nobre da mesma cidade do ABC, protagonizam um dos
casos mais estapafúrdios, ridículos e bisonhos da história do sempre
conflagrado direito fundiário no Brasil. A Polícia Federal (PF), o Ministério
Público de São Paulo (MPSP) e o Ministério Público Federal (MPF) investigam a
hipótese de o casal ter usado um tríplex no edifício Solaris, da construtora
OAS, na praia das Astúrias de um balneário que já teve seus dias de glória, o
Guarujá, e um luxuoso sítio na Serra da Mantiqueira, em Atibaia, no interior de
São Paulo, para ocultar patrimônio, uma forma de lavar dinheiro ilícito.
A história do imóvel à beira-mar é absurda, de tão suspeita. A
cooperativa dos bancários (Bancoop) fundada por Ricardo Berzoini, da casta
dirigente do sindicato da categoria em São Paulo, sob a égide do amado
companheiro Luís Gushiken, construiu-o e denominou-o Residencial Mar
Cantábrico. Sob a presidência de outro famigerado sindicalista, João Vaccari
Neto, a cooperativa é acusada há dez anos de haver ludibriado cerca de 3 mil
famílias, cobrando delas penosas prestações mensais e não lhes entregando, como
devia, moradias prontas para usar.
Os compradores das unidades do edifício no Guarujá não têm de que se
queixar. A empreiteira OAS encarregou-se de acabar as unidades não concluídas,
mudou o nome para Solaris e beneficiou graduados militantes do Partido dos
Trabalhadores (PT), do qual Lula é o principal líder. Mesmo com a Bancoop sob
suspeita do MPSP há dez anos, esses beneficiários da generosidade possibilitada
pela má gestão de Vaccari nunca arredaram pé de seus domínios com vista para o
Atlântico. Figuram entre eles Simone, mulher de Freud Godoy, que foi segurança
de Lula e “aloprado” acusado de ter falsificado dossiê contra José Serra,
Vaccari, sua cunhada Marice Corrêa de Lima e, suspeita-se, o casal Marisa e
Lula.
Não consta da saga do torneiro mecânico que ocupou o cargo mais poderoso
da República que tenha dado expediente em agência bancária na vida. Nem que
Marisa tenha tido uma banca de jornal ou qualquer bem que se possa aproximar
semanticamente da palavra bancário, que orna a denominação da Bancoop. O líder
dos oprimidos jamais emitiu um protesto ou uma palavra de agradecimento pelo
sacrifício de milhares de bancários que acusam, até hoje em vão, na Justiça, o
PT, que ele lidera, de ter malbaratado a poupança deles. Sempre atento ao rabo
de palha alheio, ele também nunca protestou contra o uso do dinheiro do Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para financiar a pilhagem de que
Vaccari é acusado.
A enxurrada de explicações que tem sido dada pelo casal também passa ao
largo das suspeições dos agentes da lei em torno do empreendimento. A Operação
Triplo X – assim batizada em referência ao tríplex pelo qual o casal pagou
originalmente R$ 47.695,38, conforme o próprio ex informou ao Imposto de Renda
na declaração feita para a campanha de 2006 – investiga a hipótese de a OAS ter
usado os apartamentos para lavar propinas do petrolão.
Segundo o delegado Igor de Paula, “há indícios de que alguns desses
imóveis foram utilizados para repasse de recursos de propina, a partir de
contratos com a Petrobrás”. A PF e o MPF buscam, então, a razão lógica, no meio
dessa barafunda de versões, para a OAS ter assumido o empreendimento a ponto de
seu então presidente, Léo Pinheiro, ter acompanhado o casal Lula na visita ao
único tríplex do prédio, em cuja reforma a empresa investiu R$ 1 milhão e que
eles não tinham comprado. Hoje os dois estão juntos e misturados com a empresa
panamenha Mossack Fonseca, acusada de possuir unidades no edifício e de estar
ligada a firmas abertas no exterior por réus da Lava Jato.
Já era confusão de bom tamanho para o ex, mas ele ainda terá de
explicar, na condição de investigado, por que um consórcio formado por
empreiteiras acusadas de roubo do erário, a OAS e a Odebrecht, e o pecuarista
falido José Carlos Bumlai, que usava no Palácio do Planalto um passe livre
assinado por ele, comprou para um sítio em Atibaia pertencente a dois sócios de
seu filho Fábio Luiz uma cozinha chique igualzinha à que a OAS encomendou para
o tal apartamento.
Mas mesmo protagonizando essa história implausível e no momento em que
PF e MPF o investigam em Lava Jato, Zelotes e Solaris, Lula não perdeu a pose e
disse a fiéis blogueiros que é “a alma viva mais honesta que há”. O jornalista
Jorge Moreno deu no Globo ordem mais sensata à frase:
“A alma honesta mais viva que há”. Faz sentido. Afinal, para continuar bancando
o São Lula Romão Batista, o ex terá de convencer a Nação de que PF, MPSP, MPF,
vítimas da Bancoop e o juiz Sérgio Moro advogam para o diabo contra a sua
santidade.
Assim, Lula age como o recruta que se diz injustiçado pelo sargento que
teima em fazê-lo marchar no passo do restante do pelotão, pois acha que só ele
está no passo certo. O diabo é que ainda há na plateia da parada quem acredite
que certo está ele, não juiz, federais e procuradores. Até quando terá o
benefício da dúvida?