Em 12 de maio de 2016, deposta a presidente reeleita em outubro e
novembro de 2014 por processo regular de impeachment, o vice que lhe fez
companhia na chapa registrada na Justiça Eleitoral assumiu o posto máximo da República. Ao compor o
primeiro escalão do governo, Michel Temer, constitucionalista por formação,
prometeu reduzir o total de ministérios. E para cumprir a promessa contou com
um companheiro de velhas batalhas que, como muitos outros nomeados para sua
equipe, também tinha servido no desgoverno da petista Dilma Rousseff: Moreira
Franco. Deu-lhe caneta cheia, mas não o livrou do martelo de Moro.
Ao
ex-governador do Rio e ministro de Aviação nas gestões de madama coube dirigir
a tal secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), cujo
carro-chefe seria a “relicitação” de privatizações malsucedidas de aeroportos e
rodovias. Acontece que Dilma tinha concedido a gestão de rodovias e aeroportos
a empresas privadas e lhes prometeu bancar a privatização dissimulada com grana
viva cedida a leite de pato pelo BNDES. Como a fajutice dava muito na vista, a
criativa patota da contabilidade imaginosa bolou um truquezinho rastaquera: o
empréstimo-ponte, que consistia em conceder ao felizardo compadre um
dinheirinho, a ser coberto depois pelo BNDES. No meio do caminho, aquela que ao
telefone em casa diz ser Janete foi apeada do poder, o BNDES mudou de direção e
os concessionários ficaram ao deus-dará.
Moreira,
que tinha negociado a ideia original, da ponte de comando do PPI (não confunda
com pipi) em pleno Planalto, socorreu com a salvação a empreita camarada: o
consórcio inadimplente entregaria a concessão a outro. E este seria favorecido
pela generosidade do novo BNDES, de vez que se trata de um programa
governamental, e ainda indenizaria o novo premiado. Detalhe: quem não pagou
poderia habilitar-se para a relicitação. É o caso, por exemplo, da Odebrecht,
que faz parte do consórcio que administra o Aeroporto Internacional Tom Jobim,
vulgo Galeão, no Rio. Ou seja o comprador indeniza o inadimplente, exercendo ao
mesmo tempo os dois papéis. Nâo é engenhoso? Pode ser, mas até agora não saiu
da prancheta. Muito embora já tenha sido anunciado e tudo o mais.
Foi então
que eis senão que de repente apareceu um óbice para preocupar o amigo dileto. O
genro de Amaral Peixoto, por sua vez genro de Getúlio, e, de resto, também
sogro do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, despertou de um sono
já conturbado por um pesadelo, quando a plantonista Cármen Lúcia homologou as
temidas delações premiadas dos 77 da Odebrecht. Delações homologadas na
véspera, o bom padrinho socorreu o parceiro com aquela blindagem que nem sogro
concede a genro: o foro privilegiado de ministro, o que lhe garante o
privilégio de não ser submetido à primeira instância, indo direto para a
última, o Supremo Tribunal Federal (STF). Para tanto nomeou-o ministro da
Secretaria-Geral da Presidência. E blindado seja o amigo.
A Rede
Sustentabilidade e o PSOL, sobreviventes da esquerda carnavalesca nacional,
viram similitude entre a nomeação do amigo de fé, irmão e camarada do poderoso
chefão e outra, proibida pelo STF, em que a afilhada tentou livrar o padrinho
Lula das garras do mesmo juiz do Paraná.
Logo veio
em socorro daquele apelidado de Angorá na delação dos 77 da Odebrecht a
Advocacia-Geral da União (AGU), segundo a qual “dizer que o objetivo da
nomeação é conferir foro privilegiado, como alegavam os autores, é ilação”.
Mais lembrou a AGU (nada que ver com angu): que o pleito “violaria
frontalmente” a separação dos Poderes, invadindo drasticamente a esfera de
competência do Poder Executivo. “Tampouco isso poderia conferir qualquer
privilégio, pois o ministro está atualmente sujeito a julgamento pela mais alta
corte do país” completou a advogada-geral. E escreveu ainda que a manutenção da
liminar provocaria grave lesão à ordem pública e administrativa e “danos
irreparáveis ao país”.
Nessa
queima de velas de cera frágil ocorreu ao autor destas linhas intolerantes que
a única vez em que o piauiense que governou o Rio protagonizou algo similar a
um “dano irreparável” a este país foi em 1982, quando seria beneficiado pela
maior fraude eleitoral da História: o escândalo Proconsult. Para refrescar a
memória do judicioso cacique, o último governo militar, sob a égide do tríplice
coroado Baptista de Figueiredo, tentou derrotar o anistiado socialista moreno
Leonel Brizola na eleição para o governo do Estado do Rio, roubando-lhe votos
na contagem eletrônica num engenhoso sistema denominado “diferencial delta”. Na
contagem final, um programa mandraque computava como do adversário do gaúcho, o
referido dito cujo indigitado neto de seu Franco, alfaiate, de Picos (PI), os
votos em branco e nulos para darem a vitória, urna a urna, ao candidato do
governo, dos militares e dos bicheiros, ele mesmo, o próprio.
O STF não se fez de rogado e resolveu, pela pena de seu decano,
Celso de Mello, dar ao amigo de Temer aquilo que outro ministro da mesma turma,
Gilmar Mendes, havia negado ao padrinho de Janete. E o fez com base na ficção
mais escrachada da pós-verdade judicial: a presunção da imparcialidade. Segundo
o relator, “a mera outorga da condição político-jurídica de Ministro de Estado
não estabelece qualquer círculo de imunidade em torno desse qualificado agente
auxiliar do Presidente da República, pois, mesmo investido em mencionado cargo,
o Ministro de Estado, ainda que dispondo da prerrogativa de foro ratione muneris,
nas infrações penais comuns, perante o Supremo Tribunal Federal, não receberá
qualquer espécie de tratamento preferencial ou seletivo, uma vez que a
prerrogativa de foro não confere qualquer privilégio de ordem pessoal a quem
dela seja titular”. Contra a afirmação pesa o fato de que, nestes quase três
anos de Operação Lava Jato, o juiz Moro condenou 120 réus e o STF, zero. Nem um
prélio entre Alemanha e Íbis teria esse placar.
PSOL e
Rede Sustentabilidade apelam para o plenário. Talvez tenha faltado aos partidos
da oposição caquética uma lembrança de que os nobilíssimos membros da Corte são
capazes de vilezas individuais e coletivas. A Suprema Tolerância Federal,
depois de ter encantado a Nação levando os magnatas do PT para o convívio no
inferno prisional do País, convalidou um por um os compassivos decretos de
perdão concedidos pela disciplinada Dilma Janete a companheiros como José
Genoíno, deixando de lado apenas Zé Dirceu e Pedro Corrêa, que delinquiram
cumprindo penas do mensalão na Papuda. Enquanto os sem mandatos e sem foro,
entre estes o mero instrumento de sua volúpia, Marcos Valério, o “operador”,
apodrecem nas masmorras sabe-se lá até que século.
Ainda faz parte do altíssimo colegiado o alinhado ex-presidente da
“Corte” Ricardo Lewandowski, que usou o substantivo com o O aberto para determinar o corte de
parte da pena da protegida de seu amigo de São Bernardo, Lula da Silva. Ao
fatiar o artigo da Constituição e, assim, permitir que a ré pudesse assumir o
emprego de “merendeira” de escola, o dadivoso jurisconsulto do ABC abriu
caminho para a deposta candidatar-se a senadora ou a deputada federal, o que
melhor lhe convier, conforme acaba de declarar com aquele seu estilo que torna
a última flor do Lácio o primeiro espinho do latim vulgar. E ao fatiar a Carta
Magna o ilustre togado ganhou a justa alcunha de Juvenal federal, em homenagem
ao personagem da publicidade do presunto, alçado a jurisprudência.
Assim
sendo, dia virá em que, parodiando o Evangelho, os brasileiros de boa-fé ainda
dirão, para justificar os fatos acima relatados: “Ao sapo o que é do sapo, só
se ele for imberbe, ou seja, a lei”. Mas “ao gato o que é do gato, desde que
seja angorá, ou seja, um pires cheinho de leite de pato”. Mas isso tudo, é
claro, “só se for a pau, Juvenal”