sexta-feira, 24 de julho de 2009

DINHEIRO, CARINHO E REZA, NUNCA SE DESPREZA

"...não recusei, porque: dinheiro, carinho e reza, nunca se despreza".
Esta fascinante frase está no conto Corpo Fechado (em Sagarana). Muitas lições estão contidas nesta singela formulação do ilustre romancista mineiro. Sua sábia recomendação revela um apurado conhecimento da natureza e da alma das pessoas. É preciso cobrir-se de cautelas frente a situações críticas como as ligadas ao "dinheiro, carinho e reza". Desprezar os carinhos de uma mulher (além do desperdício de afeto), pode gerar uma das mais terríveis reações emocionais humanas: o ressentimento. Ai daqueles que assim procedem, ou dizem não! a uma mulher. Correrão o risco de sofrerem da repudiada a pior vingança (geralmente fria e tardia), se esta tiver ocasião de se concretizar. Há inesquecíveis manifestações deste fenômeno como, por exemplo, a bíblica "mulher de Putifar" (chamada Zuleika, na versão corânica). Fugindo do assédio que sofria, José do Egito frustrou os intentos fornicantes da fogosa patroa do castrado general de Faraó (em cuja casa José cumpria seu destino). Pagou um preço alto pela recusa ao ser denunciado por ela ao marido, como se ele - José - é quem estivesse com lúbricas intenções e, não, a pérfida e ressentida denunciante. Homens, ao contrário das mulheres, parecem ser mais tolerantes com o repúdio (se bem que não são incomuns reações brutais de cornos furiosos, das quais a crônica policial está abarrotada). Se acaso levarem um pontapé, porém, costumam reagir caninamente ao primeiro aceno amistoso da agressora. Botam o rabo entre as pernas e se re-aproximam humildemente de quem os escouceou a lamber-lhe as mãos com volúpia (basta, às vezes, a simples promessa de uma bicoquinha atrás da orelha, conforme se deleitava, e pedia, o Raposão à Adelinha).

Por via das dúvidas é bom, também, ter cautela com rezas. Adágio quase esquecido já dizia que mais vale a bênção de um tolo que o coice de um burro. Da mesma forma que o caso dos carinhos, não é recomendável zombar de religiões (por mais exóticas que sejam), nem de feiticeiros, de mandingueiros ou de qualquer outro tipo de gente bem relacionada com o sobrenatural. Melhor não correr riscos desnecessários, diz a boa prudência. Além do mais, havendo outros suplicando por nós ao Criador é possível que o caminho da salvação fique melhor pavimentado. Riobaldo, outro personagem roseano, declara rezar muito e ainda pagar a diferentes rezadeiras que fizessem isto por ele. Incluía no pacote de preces as do kardecista compadre Quelemén e as de uns metodistas cantadores que vagavam pelo mundo. O que abunda não prejudica, enfim.

Dinheiro, então, será bem vindo qualquer que seja sua origem. Aliás, dinheiro nem origem tem, de fato, para dizer a verdade. Não tem marca de procedência como uma vaca tem o ferro do dono. Todos o querem, como bem definiu o animador Sílvio Santos. Aceitá-lo, no entanto, não implica uma imediata, generalizada e correspondente gratidão do receptor com relação ao doador, diferentemente da atitude para com quem nos dá carinho ou, então, reza por nós: podemos e devemos ser gratos por isso. Mas há um problema difícil de ser superado quando o assunto é o vil metal, pois outro dos traços humanos mais marcantes - a ingratidão - costuma aqui aflorar. Versos imortais de Augusto dos Anjos já alertavam para "a ingratidão, esta pantera!". Aliás, nem Jesus recebeu por parte dos que ele curou o devido reconhecimento: apenas dois dos agraciados se deram ao trabalho de voltar para, simplesmente, agradecer a graça recebida. Dádivas, com efeito, estabelecem um vínculo de dominação/subordinação mesmo quando doadores não reclamam devolução por parte dos beneficiados.
Este tema de aparência metafísica tem, contudo, aplicações práticas. Precisaria ser melhor equacionado, conceitualmente, para lastrear um posicionamento correto das oposições brasileiras frente ao festival de doações que o atual governo patrocina. O repúdio a Sarney que está sendo observado no presente é uma das maiores manifestações de ingratidão que se tem notícia. Poucos presidentes foram tão generosos com o funcionalismo público, por exemplo. Patrimônios familiares foram construídos, ou iniciados, durante o seu governo (quando havia o tal "gatilho" para correção salarial quase que mensalmente), e casas e outros bens duráveis eram adquiridos com grande facilidade. Talvez se devesse voltar a Marcel Mauss e refletir mais sobre o assunto a partir de seu clássico "Ensaio sobre a dádiva". Talvez.

LULA, O FUTURO E A DEFESA PRÉVIA

Brasileiros comuns estão espantados com a desabrida defesa que Lula da Silva faz de notórios trapaceiros encastelados no Senado da República numa afinidade claramente eletiva. Buscam por acontecimentos e situações antigas e constatam as incoerências entre o que o atual presidente fala, hoje, com aquilo que ele proclamava, antes, aos quatro ventos quando desempenhava o papel de opositor. Poucos percebem, no entanto, que Lula da Silva olha mais para o futuro que para o passado. Ele não está defendendo Sarney, nem Calheiros, nem Jucá nem ninguém. Ele está defendendo a si próprio. Para tanto, está construindo uma linha estratégica de auto-defesa, provavelmente sob a supervisão de algum criminalista. Sabe ele que, mais cedo ou mais tarde, suas malfeitorias ainda não plenamente conhecidas serão questionadas e colocadas à luz do dia (sem falar do volumoso dossiê já existente e que daria para encher uma carreta de patifarias). Antes de sair do governo ele precisa se preparar para o enfrentamento político e judicial dos crimes pelos quais é o responsável direto ou indireto.

O projeto de Lula da Silva é construir uma teia de cumplicidades mais forte que a existente hoje e que o livre das mazelas futuras. Suas manobras para fazer dona Dilma sua sucessora se inscrevem nesta lógica. Ela seria a fiadora de sua impunidade. Por isso sua insistência em apoiar alguém sem luz própria (e desprovida das necessárias qualidades políticas), para ocupar o cargo de presidente da república. O modelo a ser seguido é o que aconteceu em Belo Horizonte nas últimas eleições. Para abafar as estripulias de uma década e meia conduzidas por Fernando Pimentel e sua turma na capital mineira, foi produzida uma candidatura fantoche personificada numa figura anódina e sem qualquer brilho. O plano deu certo. Foi eleito uma espécie de sub-Dilma local, ajustado às dimensões da política municipal, mostrando que o truque poderia ser repetido em escala nacional, desde que bem azeitado com o unto econômico e político.

Que os céticos não subestimem o papel de laboratório político e comportamental de Belo Horizonte. A gênese do mensalão (a jóia da Coroa no interminável rol dos escândalos do petismo), bem como das lucrativas relações partidárias com entidades financeiras dispostas a qualquer negócio está na capital mineira. Ou alguém acha que é por acaso que os bancos envolvidos naquele célebre episódio sejam todos, repita-se, todos, estabelecidos com suas sedes em Minas Gerais? Qual a razão de não haver nenhum banco sediado em São Paulo, ou outro lugar, participando daquela patifaria? Bancos não fazem caridade. Bancos, à exceção de bancos de sangue, não são organizações beneficentes nem vicentinas. Bancos fazem negócios, rendosos e grandes, preferencialmente, e com pouco ou nenhum risco para eles próprios. Ou alguém conhece algum banco que faz empréstimos sem que o tomador do mútuo precise liquidar a dívida, conforme ficou parecendo ocorrer com o tal Marcos Valério a quem o Banco Rural e o BMG emprestavam quantias crescentes sem qualquer garantia? Ora, se emprestavam sem garantias reais era porque a "dívida" não era para ser paga. Esta "generosidade" mostra, então, um paradoxo que precisa de explicação, dado que banqueiros são criaturas extremamente devotadas ao dinheiro. Eles não costumam dar nada para ninguém, nem bom dia segundo a lenda. Bancos tomam dinheiro dos outros, não o dão de graça. Se fizessem isto seriam criaturas degeneradas, clientes certos a hóspedes de algum hospício. Nem o banqueiro anarquista aludido por Fernando Pessoa cometia tal loucura.

O miolo do mensalão foi, pois, uma operação financeira bem urdida para tirar dinheiro dos cofres públicos visando atender interesses partidários infames do PT e, também, em menor medida ambições materiais dos parceiros. Essa é que foi a grande questão. Ela não se resumia à propalada Caixa 2 de campanhas eleitorais. Propinas dadas a políticos em geral são, com efeito, velhas práticas de todos os tempos. "Quem quer dinheiro?", já bradava Sílvio Santos em seu programa dominical. Se alguém andar pelas ruas e perguntar ao primeiro passante se ele quer uma nota de R$50 ou de R$100 certamente vai receber uma resposta positiva. Parafraseando, portanto, Silvio Santos, quem não quer dinheiro? Então, constatar que havia políticos recebendo, ou dispostos a receber, dinheiro sonante de montão não quer dizer nada. O problema era: onde conseguir a grana para distribuir para a moçada? Os engenhosos capitalistas do capital alheio (melhor definição possível para a empresa PT S/A), sabiam que a procedência teria que ser algum cofre público. A experiência no movimento sindical indicava que o dinheiro não pode ser inventado mas pode ser desviado para finalidades múltiplas e, até, contrárias àquelas para as quais ele estaria destinado. Os cofres sindicais representaram o treinamento no uso de patrimônio público para financiar campanhas partidárias petistas e de suas legendas subalternas (ou o dinheiro do imposto sindical não é público?) Veja-se, a propósito, que a lenga-lenga petista e de seus associados (como o PC do B) é sempre no sentido do "controle social" dos recursos coletivos. Quando, porém, se trata de prestar contas do uso e destino do imposto sindical a posição deles é de completo repúdio e desdém. Parecem dizer que no seu mandiocal ninguém (quer dizer, a sociedade), vai botar a mão. Os Tribunais de Contas não poderiam fiscalizar, através de uma Câmara específica, o destino daquele imposto? Mais: os Tribunais eleitorais não deveriam fiscalizar as eleições fraudulentas dos milhares de sindicatos existentes, tanto de trabalhadores quanto dos patrões?

Mas voltemos à engenharia financeira do mensalão. Retirar dinheiro do governo é um negócio difícil. Os controles burocráticos, mesmo que ineficientes e obscuros, costumam deixar alguma fresta inconveniente aos que agem de má fé. Sempre fica algum rastro, algum registro, algum documento que pode comprometer uma operação suspeita e botar os envolvidos com a bunda de fora. Fornecedores do poder público, no entanto, podem ser induzidos a tomar empréstimos na rede bancária amiga e a dar como garantia de pagamento as faturas que eles têm a receber do governo. Um acerto prévio com os bancos - que poderão fazer operações lucrativas e isentas de riscos - permitiria, por exemplo, imaginar uma divisão dos "lucros" entre os parceiros (entendidos aqui como os bancos e algum governo, ou empresa pública, ou empresa de capital misto, ou alguma entidade similar, tipo autarquia). Como induzir os fornecedores a fazerem isto, eis o problema. Resposta simples: basta reter os pagamentos devidos aos credores (por ausência de disponibilidade financeira real ou por deliberada decisão neste sentido). Uma empresa de lixo que tenha uma dívida a receber de R$10 milhões, digamos, leva a fatura ao banco amigo indicado pelo governante e recebe um empréstimo naquele valor (melhor será a pressão se o fornecedor estiver com a corda no pescoço). Só que o banco amigo cobra os juros "por dentro" ou antecipadamente e repassa ao tomador do empréstimo apenas R$8 milhões. Passados alguns meses o banco amigo vai ao governante e recebe a fatura. O banqueiro ganhou, portanto, R$2 milhões sem qualquer dificuldade. Nada mais justo que ele divida o "lucro", até rachando a bufunfa na base de metade para cada um. Alguém poderá perguntar: e o tomador do empréstimo, ficará no prejuízo? Não, não ficará. O governante usará um artifício da Lei de Licitações e fará "uma recomposição de preços e valores", dentro dos limites permitidos, e pagará os R$2 milhões restantes a quem de direito. Ora, de fato, quem pagou os juros? O devedor, ou seja, a prefeitura, ou o estado, ou a empresa pública ou similar, vale dizer, indiretamente o povo. E tudo de maneira subreptícia, sem qualquer publicidade.

A dificuldade seguinte será retirar dos cofres do banco amigo a parte que cabe ao parceiro governamental oculto. Não se pode chegar na boca do caixa de um estabelecimento bancário e pedir: "ô me dá meu dinheiro aí..." Nem pedir para fazer um depósito em conta pois ficarão as digitais e as auditorias e fiscalizações costumeiras irão detectar operações anômalas, além de deixar o rabo preso. A solução é recorrer a figuras como o tal Marcos Valério. Pode-se ligar para o banqueiro amigo e dizer: "faça um empréstimo correspondente à minha parte para fulano de tal". O banco faz, sem maiores questionamentos, pois o dinheiro não é dele mesmo. E ainda tem um ganho suplementar. O "empréstimo" fajuto" (que nunca será pago), poderá legalmente ser lançado em "créditos em liquidação" e permitir dedução do imposto de renda devido pelo banco. Evidentemente que os parceiros terão que ser "confiáveis" uns para os outros (se é que se pode abusar do uso desta expressão - confiável!) Com o dinheiro na mão passa-se ao segundo momento do plano, ou seja, a compra de votos e de consciência, além do financiamento de campanhas de aliados que comporão e reforçarão a quadrilha no futuro.

A continuidade operacional de tal esquema, além do não desvendamento dos mecanismos que o sustentam exige, para sua impunidade permanente, que os atores recebam a devida proteção no futuro. E é aqui que se fecha o raciocínio iniciado com Lula e seu aparentemente estranho e contraditório comportamento. Na capital mineira, para que fosse colocada uma pedra sobre os assuntos cabulosos da gestão petista, foi necessária uma operação política destinada a eleger um "poste", tal qual se pretende fazer no plano federal em 2010 com outro poste (a tal dona Dilma). Seria mera coincidência que vários dos personagens em questão sejam ativos operadores financeiros desde o tempo da guerrilha e dos assaltos a bancos e cofres alheios? Essa gente tem um vasto e comprovável currículo (aí, sim, sem precisar recorrer ao sistema Lattes), cuja matriz belorizontina está na velha POLOP de antanho dos já distantes anos 60 do século passado. Numa metáfora rudimentar pode-se chamar dona Dilma de o "Márcio Lacerda de Lula". As situações são similares e os barros de que são feitos muito mais parecidos ainda.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O GARÇON DE HAMBURGO

(Artigo de Maria Helena Rubinato, publicado no blog do Noblat)

"Nunca me esqueci de uma historinha contada por Jô Soares em seu programa de entrevistas. Digo historinha porque tem princípio, meio e fim e porque não é muito longa. Mas não é história, não é ficção, é fato verídico. Não sei precisar a data, mas creio que o fato se passou há bastante tempo. Também não posso garantir a exatidão das palavras, a memória não é um gravador, mas o miolo e o desfecho do diálogo são exatamente esses que passo a relatar:
Jô Soares estava em Hamburgo, Alemanha, com seu pai. Foram almoçar. O restaurante era elegante e o cardápio indicava preços salgados. Fluentes em várias línguas fizeram seus pedidos, não sei se em alemão ou francês. Feito isso, pai e filho começaram a bater papo. Se o pai do Jô era parecido com ele, imagino o papo animado. Se fosse mais calado, o filho com certeza falava pelos dois.
De repente o garçom para diante deles e pergunta:
_ Brrrasileirrras?
_ Somos, diz o senhor Soares.
_ Von wo? Ondchi?
_ Do Rio de Janeiro.
_ Rrrrioo de Janeirrro, shodadis...
_ O senhor conhece o Brasil?
_ Sim. Trrrabalhou lá, morrrou lá.
-- É mesmo? E gostou?
_ Adorrrrooou! Vai voltarrr.
O pai do Jô olhou para o filho, com quem acabara de comentar uma das sempiternas crises brasileiras, e disse para o garçom:
_ Talvez fosse melhor pensar bem. Aqui o senhor está em sua terra, tem a proteção do Estado, muita segurança, com certeza ganha bem e ainda recebe boas gorjetas.
_ Ganharrr bem, ganharr. Segurrro, é. Mas tem grosse shodadis, grosse.
_ Deixou alguma namorada lá?
_ Non, non, non, ich casada, vai com mulherrrr.
_ Mas do que é que tem tanta saudade então?
_ Do “esculhambaçom”.
Nada para mim, nem textos dos mais brilhantes escritores brasileiros, descreve melhor o Brasil do que esse breve diálogo.
O “esculhambaçom” é um de nossos traços marcantes. Há países que mudam, há países que se transformam, há países que sofrem reformas, pacíficas umas, outras frutos de revoluções e até de guerras. Mudam inteiramente, às vezes ficam quase irreconhecíveis. Para pior, para melhor, mas mudam.
Não foi o que aconteceu conosco. As mudanças aqui foram cosméticas: as cidades cresceram, temos mais automóveis nas ruas, mais viadutos e túneis, mais aeroportos, mais edifícios, mais estados e mais políticos. Mas foi só. De resto, nosso espírito é o mesmo.
Somos diferentes até nisso: como acontece com as pessoas, a idade só fez acentuar nossas características mais marcantes. E uma delas é “o esculhambaçom”. Nunca foi tão grande. Nunca foi tão viçosa, nunca foi tão desenfreada, nunca foi tão desabrida, nunca foi tão gloriosa.
E nunca exerceu o mando como agora. As rédeas estão em suas mãos. Tomara que o hamburguês tenha vindo. Ele há de estar no sétimo céu com tanta “esculhambaçom”!

domingo, 19 de julho de 2009

Senador Jarbas Vasconcelos - entrevista a Josias de Souza

(Entrevista dada pelo grande senador Jarbas Vasconcelos ao jornalista Josias de Souza, em 18/07/2009)

"- O recesso parlamentar vai atenuar a crise?
Não. A crise é muito grave. Não é coisa que arrefeça em duas semanas. Ao contrário. O azedume vai se acentuar. Quando recomeçarem os trabalhos, em 3 de agosto, a crise volta com toda a dureza.
- De onde vem essa convicção?
Vem dos fatos que ocorreram antes do início do recesso. Houve muito deboche. Esse deboche vai ser exasperado, atiçando os ânimos.
- A que deboche se refere?
Eu me refiro à representação governista, especialmente a do PMDB, no Conselho de Ética e à pessoa escolhida para presidir o colegiado [senador Paulo Duque].
- O que achou da escolha de Paulo Duque (PMDB-RJ) para presidir o conselho?
É parte do deboche. O fato de ele ser segundo suplente diz muito sobre o que se passa no Senado. É um homem limitado, figura inexpressiva. Não tinha atuação nenhuma no Senado. Demonstrou todo o seu despreparo na sessão de instalação da CPI da Petrobras. No Conselho de Ética será pior. Não há outra palavra para definir o quadro. É um deboche.
- Quem está por trás do deboche?
O Renan, mas não só ele. Essa composição do Conselho de Ética tem o beneplácito de Sarney. Se ele tivesse bom senso, teria evitado isso. Foge do razoável que o Sarney queira ser protegido dessa forma.
- Renan e Sarney debocham de quem?
Eles debocham do Senado e, por consequência, do país. Até onde vai esse deboche eu não sei.
- Em entrevista à Veja, o sr. dissera que Sarney transformaria o Senado num grande Maranhão. - Achava que chegaria a tanto?
Não. Nunca imaginei que as denúncias fossem se avolumar nessa proporção. Imaginava que não iríamos progredir na reforma do Senado. Achava que a estrutura permaneceria a mesma, que teríamos de continuar aturando o Agaciel [Maia]. As coisas que afloraram são mais espantosas do que eu imaginava.
- Mantém as ressalvas que fazia ao PMDB?
Minhas ressalvas se agravaram. Os atos praticados agora são muito mais debochados do que os que ocorreram na crise do Renan, há dois anos.
- A crise Sarney é pior do que a crise Renan?
Muito pior, mas muito mesmo.
- Por quê?
Os fatos agora envolvem o presidente da Casa de maneira mais avassaladora. E o exercício do deboche, há dois anos, era mais contido. Agora, passamos do deboche para o achincalhe. É como se eles quisessem pagar para ver. Estão esquecendo que a crise exerce efeitos sobre os senadores também durante o recesso.
- Que efeitos?
Não vai ser fácil percorrer as ruas ouvindo gracejos. Na antevéspera de uma eleição, isso obviamente terá efeitos.
- A crise contamina todos os senadores?
Sem dúvida. Todos pagam o pato. Mesmo os que não têm responsabilidade nenhuma. A aversão ao Senado e à classe política é transferida para todos.
- Quantos senadores vão às urnas?
Dois terços do Senado –54 senadores—estão na ante-sala da eleição. O desgaste pode não grudar em Lula, mas cola no PT e nos senadores governistas que defendem Sarney. O receio de todo mundo é o de que o eleitor decida não votar nos atuais detentores de mandato. Quanto maior o deboche, maiores as problemas dessa gente.
- Acha que há mesmo uma indignação popular?
Ela existe e é grande. Mas poderia ser muito maior. A mídia tem exercido um papel mais contundente do que qualquer partido ou parlamentar.
- Que desfecho prevê para a crise?
Não vejo disposição no Sarney para se afastar. Ele tenta atribuir normalidade a um quadro completamente anormal.
- Qual será o desfecho da crise?
A conjuntura aponta para o imponderável. Nada será favorável a Sarney. Ele esteve na bica de renunciar. Quem o segurou na cadeira foi o Lula.
- O apoio de Lula salvou a presidência de Sarney?
Não. Lula apenas deu uma sobrevida a Sarney. Não acredito na permanência de Sarney na presidência do Senado.
- Acha que a gestão Sarney não chega ao final?
Não. Ele se desconectou da realidade. Acha que as denúncias chovem no molhado. Acredita que, por ter sido presidente da República, está acima de tudo. Mas não há ambiente para a continuidade dele no comando da Casa. A presidência de Sarney não chega ao final.
- Como interromper a gestão de alguém que não se dispõe a renunciar?
Vamos chegar a uma situação de impasse total. Senadores independentes podem decidir não votar mais nenhuma matéria sob a presidência dele. Partidos como o DEM e o PSDB podem fazer o mesmo. Pode-se chegar a um impasse que tornará a saída de Sarney inevitável.
- É coisa para logo?
Não é possível dizer se ocorrerá logo. Mas vai acontecer. Dias atrás, o desfecho parecia uma questão de horas. O que ninguém esperava é que o Lula fosse fazer uma defesa tão contundente do Sarney. Adiou-se o problema. A presidência de Sarney será abreviada por estrangulamento, não por vontade dele.
- Não está exagerando?
Não creio. Vejo a perspectiva de chegarmos a um impasse tal que a saída dele será inevitável. Li no seu blog que Sarney deu graças a Deus pelo início do recesso. Imaginar que duas semanas vão amainar essa crise é de uma infantilidade inacreditável.
- Como avalia o papel do PT na crise?
O PT errou muito. Sua bancada convive com o incômodo de ter tomado a posição correta e depois ter mudado de rumo por conta da interferência de Lula.
- Continua achando que o PMDB quer mesmo é cavar negócios na máquina estatal?
Sem dúvida. Utilizam-se os mandatos para abrir caminho para negócios e safadezas no governo.
- Por que não deixa o partido?
Por falta de opção. Só posso pensar em mudar de partido se tivermos uma reforma política séria e decente. Até lá, prefiro ficar como dissidente no PMDB, sinalizando para a minha base e para a opinião pública do país que o meu PMDB não é esse. O meu PMDB é decente, correto, sem safadezas."