quarta-feira, 22 de julho de 2009

O GARÇON DE HAMBURGO

(Artigo de Maria Helena Rubinato, publicado no blog do Noblat)

"Nunca me esqueci de uma historinha contada por Jô Soares em seu programa de entrevistas. Digo historinha porque tem princípio, meio e fim e porque não é muito longa. Mas não é história, não é ficção, é fato verídico. Não sei precisar a data, mas creio que o fato se passou há bastante tempo. Também não posso garantir a exatidão das palavras, a memória não é um gravador, mas o miolo e o desfecho do diálogo são exatamente esses que passo a relatar:
Jô Soares estava em Hamburgo, Alemanha, com seu pai. Foram almoçar. O restaurante era elegante e o cardápio indicava preços salgados. Fluentes em várias línguas fizeram seus pedidos, não sei se em alemão ou francês. Feito isso, pai e filho começaram a bater papo. Se o pai do Jô era parecido com ele, imagino o papo animado. Se fosse mais calado, o filho com certeza falava pelos dois.
De repente o garçom para diante deles e pergunta:
_ Brrrasileirrras?
_ Somos, diz o senhor Soares.
_ Von wo? Ondchi?
_ Do Rio de Janeiro.
_ Rrrrioo de Janeirrro, shodadis...
_ O senhor conhece o Brasil?
_ Sim. Trrrabalhou lá, morrrou lá.
-- É mesmo? E gostou?
_ Adorrrrooou! Vai voltarrr.
O pai do Jô olhou para o filho, com quem acabara de comentar uma das sempiternas crises brasileiras, e disse para o garçom:
_ Talvez fosse melhor pensar bem. Aqui o senhor está em sua terra, tem a proteção do Estado, muita segurança, com certeza ganha bem e ainda recebe boas gorjetas.
_ Ganharrr bem, ganharr. Segurrro, é. Mas tem grosse shodadis, grosse.
_ Deixou alguma namorada lá?
_ Non, non, non, ich casada, vai com mulherrrr.
_ Mas do que é que tem tanta saudade então?
_ Do “esculhambaçom”.
Nada para mim, nem textos dos mais brilhantes escritores brasileiros, descreve melhor o Brasil do que esse breve diálogo.
O “esculhambaçom” é um de nossos traços marcantes. Há países que mudam, há países que se transformam, há países que sofrem reformas, pacíficas umas, outras frutos de revoluções e até de guerras. Mudam inteiramente, às vezes ficam quase irreconhecíveis. Para pior, para melhor, mas mudam.
Não foi o que aconteceu conosco. As mudanças aqui foram cosméticas: as cidades cresceram, temos mais automóveis nas ruas, mais viadutos e túneis, mais aeroportos, mais edifícios, mais estados e mais políticos. Mas foi só. De resto, nosso espírito é o mesmo.
Somos diferentes até nisso: como acontece com as pessoas, a idade só fez acentuar nossas características mais marcantes. E uma delas é “o esculhambaçom”. Nunca foi tão grande. Nunca foi tão viçosa, nunca foi tão desenfreada, nunca foi tão desabrida, nunca foi tão gloriosa.
E nunca exerceu o mando como agora. As rédeas estão em suas mãos. Tomara que o hamburguês tenha vindo. Ele há de estar no sétimo céu com tanta “esculhambaçom”!

Um comentário:

Laguardia disse...

Muito obrigado por acompanhar o blog Brasil Liberdade e Democracia. Seus comentários são bem vindos.

Precisamos da união de todos na luta por um Brasil de que possamos nos orgulhar com políticos que não se considerem pessoas especiais acima da lei, da ética e da honestidade.